Direito à saúde: universalidade e igualdade

Direito à saúde: universalidade e igualdade

O direito à saúde deve ponderar o individual e o coletivo no acesso e na capacidade dos sistemas de saúde, seja público ou suplementar

Na saúde, “uma das grandes discrepâncias, em todo o mundo, está no que as pessoas esperam dos planos de saúde e o que os planos de saúde conseguem ofertar”, lembrou em sua fala Daniel Wang, professor de Direito da Queen Mary, Universidade de Londres. Ele, junto a João Pedro Gebran Neto, desembargador do TRF 4, e a Luiz Fux, ministro do Supremo Tribunal Federal e do STE, participou da mesa-redonda “Direito à saúde: universalidade e igualdade à luz da judicialização da saúde”, coordenada por Paulo Faria, presidente da Unimed Paraná, no dia 9, durante o Suespar.
Wang lembrou que os Estados Unidos são o país que mais investe em saúde no mundo, mas mesmo assim as pessoas não têm tudo o que querem. “A Suíça está em 2º lugar, mas fornece só o que está no pacote (14% já deixaram de receber algum tratamento)”. Noruega e Canadá seguem o mesmo caminho. Ninguém consegue dar tudo a todos, gratuitamente. “Se as expectativas em saúde são globais, as capacidades de satisfazer os seus usuários são locais”, frisou.

Para o professor, “a pergunta não é ‘se escolhas precisam ser feitas’, a pergunta é ‘como essas escolhas devem ser feitas?’ ”. Se a Polônia quisesse, por exemplo, universalizar o acesso a dois medicamentos, ela teria que pegar todo o seu orçamento e investir só nesses dois tratamentos. Não há milagre, as contas precisam fechar.

Gebran, em sua apresentação, foi ao encontro do que Wang defendeu. “O que nós estamos judicializando é o excepcional, o raro, o que não está incorporado. Mas nós temos um déficit na atenção primária e, infelizmente, isso não é judicializado”, destacou. O desembargador falou sobre os problemas de saneamento básico, de segurança e da falta de medicamentos.
Lembrou que “a medicina se concentra no paciente, mas a saúde pública se concentra em toda a população”. Isso significa que o olhar tem que ser mais amplo. Falou sobre a Declaração Alma-ata de 1978, destacando que o “sistema de saúde deve ter um custo que o país possa manter. Saúde integral, universal, fundada na saúde da família”. E citou a 8ª Conferência Nacional de Saúde que aconteceu em 1986, na qual médicos sanitaristas trataram dois anos da questão antes da construção na nova Constituição, a de 1988. A aspiração era por “um sistema de saúde regionalizado, descentralizado; com integralização das ações, unidade na condução das políticas setoriais; regionalização e hierarquização das unidades prestadoras de serviço, entre outros”.

Judicializa-se o excesso e não se tem o básico. Foi essa a principal crítica de Gebran. São 42 meses para uma espera de uma consulta para com um proctologista, em Londrina, citou como exemplo; 40 meses para o atendimento em um ortopedista; 38 meses para um dermatologista e 33 meses para um ginecologista. “Nós temos que exigir, nós temos que brigar, nós temos que lutar por leitos, por mais hospitais, por mais UTIs e por mais atendimento de saúde eficaz.

Lutar, no entanto, pelo que está no contrato, tanto para o programa de saúde pública como para a saúde suplementar. Que ofereçam aquilo que se comprometeram”. Entretanto, é importante se entender que não há o pacto na saúde pública de que tudo o que as pessoas querem tem que ser entregue, não é isso que é integralidade, reafirmou o desembargador.
Luiz Fux foi humilde em sua fala, lembrou que não tem toda essa expertise, dos colegas de mesa, em relação à saúde. E reconheceu que, por vezes, o judiciário é instado a decidir problemas que escapam a formação de um Juiz. “Os outros poderes, seja por problema de disfuncionalidade ou no afã de não pagar o preço social numa medida que possa desagradar o seu eleitorado, empurra para o judiciário essa decisão”.

Fux enfatizou que a Justiça não é algo que se aprende, é algo que se sente. “E é uma situação muito difícil racionalizar uma questão sobre a sobrevivência biológica de alguém”, justificou. “Nós efetivamente nos confrontamos com casos limites”.

Disse que não pode se racionalizar que para um Juiz seja tão fácil decidir sobre um problema limítrofe, do qual não tem conhecimento sobre o assunto. “Os direitos fundamentais geram um custo. Na história da doutrina, a realização dos direitos fundamentais custa”. Argumentou que o Judiciário muitas vezes se depara com medicamentos que também não estão na lista da ANVISA, mas que podem fazer a diferença na vida daquela pessoa. Entretanto, diz que é uma situação em um milhão. Para ele, a coletividade dever ajudar quando o indivíduo precisa. Será que é esse medicamento que vai gerar o déficit da saúde? ”.

Depois das apresentações, na hora do debate, em que os palestrantes se questionavam uns aos outros, Wang respondeu a essa pergunta do Ministro, colocando uma outra: “é justo que um medicamento, com preço exorbitante, que não fará diferença significativa na vida de um indivíduo, que no máximo lhe dará alguns meses de vida, com pouca qualidade, deixe em risco o sistema de saúde, impedindo-o que possa atender a saúde básica de todos os demais? E porque os novos tratamentos/ procedimentos são tão caros? Por que não há pressão para barateá-los? Como resolver essa equação?”.

Fux reconheceu que, muitas vezes, as entidades privadas fazem as vezes do SUS, e o SUS faz as vezes da iniciativa privada. E orientou: “Todas as vezes que a iniciativa privada fizer o papel do poder público deve ser reembolsada e vice-versa”. O ministro do Supremo elogiou a interdisciplinariedade, em eventos, como o Suespar, permitindo que o Direito e a Medicina possam dialogar para a busca de soluções comuns.
Gebran agradeceu a possibilidade do debate e a presença do ministro, assim como do professor Wang e reforçou: o artigo 7º da Lei nº 8.080/90 estabelece que integralidade é o exercício, acesso e atenção à assistência em todos os seus níveis. “O princípio da integralidade consiste em oferecer uma carteira generosa de serviços para a população, por meio de escolhas fundadas em consensos de bens e serviços”, especificou. E citando o médico Drauzio Varella lembrou: “Os médicos que tomam decisões não amparadas em evidências científicas sólidas serão figuras tão ultrapassadas quanto àqueles que aplicavam ventosas e propunham sangrias”.

Gebran: “judicializa-se o excesso e não se tem o básico”
Wang: “a pergunta é como as escolhas devem ser feitas”
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