O aumento de procedimentos de emergência alerta planos de saúde

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(Foto: Ilustração/Shutterstock)

Em alguns planos, o aumento nas internações de emergência é de até 300% em relação ao período pré-pandêmico

O número de procedimentos informados como emergência médica – em especial os internamentos cirúrgicos, desde a pandemia, tem aumentado significativamente em relação ao número de procedimentos informados como eletivos. Observou-se um aumento de procedimentos em 2021 em relação aos anos de 2020 e 2019 (período pré-pandêmico) com variação de 30 a 200%. Entretanto, em 2022, esse aumento persiste e ainda mostra uma tendência de contínuo crescimento, mesmo após decretado o fim da pandemia.

As explicações para o aumento desses números podem ser as mais variadas. Uma delas foi a retomada dos procedimentos logo após o período crítico da pandemia. Nesse caso, muitas cirurgias eletivas foram adiadas e acabaram tornando-se emergências médicas. Entretanto, a continuidade do aumento crescente do número de procedimentos de emergência em 2022 tem levantado alertas na área da saúde. É importante frisar que há diferenças entre o que o CFM – Conselho Federal de Medicina entende por urgência e emergência médicas e o que a Lei 9.656/98 define. Para a Lei, urgência diz respeito a apenas duas situações: acidente pessoal e complicação no processo gestacional. Já a emergência implica risco imediato de vida ou de lesões irreparáveis.

“O fato é que quando analisamos o período imediato após a janela pandêmica, observamos, mesmo após a liberação dos procedimentos eletivos e a retomada geral dos atendimentos, que os procedimentos “emergencializados” não tiveram a redução esperada e, surpreendentemente, até tiveram aumento em relação ao período pré-pandêmico, quando estávamos em uma situação de normalidade em relação à crise sanitária iniciada em março de 2020 no Brasil”, revela a médica Lúcia Cristina Manoel de Macedo, gerente de Operações e Regulação em Saúde da Unimed Paraná.

Lúcia Manoel: urgência e emergência são normalmente
reconhecidas como aquelas em que a pronta atenção médica se faz necessária, muito embora haja diferenças conceituais (Foto: Reprodução/Unimed Paraná)

A dúvida é se essa “emergencialização” é realmente devida, ou se o objetivo é burlar o processo de autorização prévia, evitando-se passar por necessária análise técnica, que, muitas vezes, demanda uma mediação com o médico solicitante e, eventualmente, a necessidade da instauração de junta médica para uma discussão mais criteriosa do caso. “Algumas operadoras têm observado que muitos médicos parecem ‘emergencializar’, indevidamente, os procedimentos para evitar todo o rito regulatório necessário para sua autorização, principalmente quando esses procedimentos demandam materiais especiais, equipamentos e próteses de alto custo, cuja necessidade possa ser discutida”, avalia a médica.

Essa prática é muito danosa para a operadora, impossibilitando, assim, uma análise criteriosa de acordo com o contrato, materiais, técnicas e fornecedores, pois, quando a guia chega dessa forma, a operadora é obrigada a liberar sem a devida análise técnica. O que permite somente a realização de auditoria retrospectiva, num momento posterior à realização do procedimento. Esse tipo de situação impacta significativamente no custo assistencial da operadora pois, o não cumprimento da solicitação, pode gerar uma multa de até R$ 250 mil, aplicada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Também é importante destacar que o preenchimento correto dos formulários utilizados para realizar pedidos de liberação de procedimentos pode evitar uma série de problemas para a operadora junto à ANS. A médica observa que: “ainda é bastante comum entre os prestadores de serviços médicos (consultórios e hospitais) a classificação incorreta do procedimento no que diz respeito à urgência/emergência do seu atendimento. Inclusive muitos pedidos desse tipo chegam com data preestabelecida, evidenciando assim que se trata de um procedimento eletivo. É preciso utilizar o termo correto para cada caso, classificando corretamente o que é eletivo de fato”, comenta.

Historicamente, a proporção de consultas eletivas e consultas de urgência/emergência é de 5:1, ou seja, aproximadamente 20% das consultas. “Para os procedimentos cirúrgicos, verificamos que a proporção é ainda menor, ou seja, no máximo 10% do total de procedimentos cirúrgicos deveriam ser caracterizados assim. A realidade que temos observado é de que, no período pré-pandêmico (2019), tínhamos um índice de aproximadamente 5% de procedimentos não eletivos e, em 2022, esse percentual cresceu em média para 19%. Isso significa um aumento de quase 300% no volume total de procedimentos cirúrgicos caracterizados como tal”.

Segundo a gerente médica, situações de urgência e emergência são normalmente reconhecidas como aquelas em que a pronta atenção médica se faz necessária, muito embora haja diferenças conceituais para quem presta o serviço médico, para quem o recebe, para quem o financia e para quem legisla sobre a matéria. Assim, não é difícil imaginar que essas discrepâncias possam ter implicações importantes aos destinatários da atenção médica.

Código de ética – De acordo com Lúcia Manoel, quando se recorre à literatura em busca da precisão conceitual no contexto clínico, observa-se que há mais de 50 anos a emergência já era tratada com fundamento na necessidade de atenção imediata – casos em que havia perigo à vida do paciente – deixando os casos de urgência àqueles que requeriam atenção imediata, mas sem risco iminente de morte. “Com relação às situações eletivas, elas são referentes a agravos ou não agudos e sem necessidade de intervenção médica imediata. Com efeito, as solicitações de procedimentos eletivos são aquelas que passam por um processo criterioso de análise, beneficiando o paciente e aprimorando a gestão”, ressalta. A Lei 9.656, no entanto, é ainda mais específica, como já citamos no início da matéria.

Roberto Yosida, presidente do CRM-PR, lembra que, pelo Código de Ética Médico, é vedado ao médico exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico (Foto: Reprodução/Unimed Paraná)

Roberto Yosida, presidente do CRM-PR, lembra que o Código de Ética Médica, em seu Art. 35, diz ser “vedado ao médico exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos”. Isso significa que a descrição do quadro clínico apresentado deve se pautar pela absoluta veracidade, porque o documento firmado pelo médico tem fé pública. “‘Emergencializar’ um caso sob qualquer pretexto é uma conduta proscrita, porque não condiz com a realidade e tem implicações de toda ordem”, defende Yosida.

Lúcia reforça o entendimento geral de que o “cirurgião tem autonomia de marcar a cirurgia de acordo com sua vontade e bom senso, analisando os fatores que influenciam sua decisão, sempre em benefício do paciente. Conforme fundamentado, não há definição de tempo porque depende de vários fatores. Inclusive relacionados ao próprio paciente, hospitais, equipe e outros. Em casos selecionados, nos quais o paciente corre o risco de que seu quadro clínico piore em poucos dias, é interessante que o médico assistente já mencione no pedido de cirurgia ou no relatório médico tais informações, o que permitiria identificar os casos críticos e realizar mais rapidamente o trâmite da liberação”, recomenda.

No entanto, o fato é que, frequentemente, diz a médica, “identificamos situações de classificação equivocada com relação ao regime de atendimento do paciente, muitas vezes, motivados por questões puramente administrativas. Nessas ocasiões, todos estão sujeitos à ocorrência de más práticas e, consequentemente, situações imprevistas e/ou indesejadas: o cirurgião, o local de atendimento, a operadora e, o mais importante de tudo, o próprio paciente. São inúmeros os problemas ocasionados por equívocos na classificação dos procedimentos médicos, desde a impossibilidade de um planejamento cirúrgico adequado, tendo em vista a melhor abordagem terapêutica possível para o paciente, até problemas administrativos de várias ordens.

Bioética – Para Yosida, nos casos em que, a rigor, não existe emergência, mas, por qualquer motivo, necessitem de maior brevidade de análise, o médico assistente deve mencionar no documento da solicitação. Isso permite identificar e agilizar a tramitação da liberação dos procedimentos requeridos.

O presidente do CRM-PR lembra uma regra de ouro que serve para qualquer pessoa em qualquer lugar e, em qualquer tempo, independentemente de sua crença ou de outro fator: Faça ao outro o que gostaria que te fizessem. “Essa máxima associada aos quatro princípios da Bioética são bases para decisões não somente na medicina, mas extensiva à nossa vida. Beneficência = fazer o bem. Regra máxima. Se não puder fazer o bem, não fazer o mal. Não maleficência. Ser justo. Respeitar a autonomia das pessoas. O equilíbrio entre os quatro princípios leva a decisões assertivas. Os limites da autonomia do médico são dados pelas ponderações entre a justiça, fazer o bem e não fazer o mal”. Ao que Faustino Garcia Alferez, diretor de Saúde da Unimed Paraná, complementa: “A busca dos Sistemas de Saúde está (e não poderia ser diferente) alinhada à do médico, no sentido de atender, da melhor forma possível o paciente. As regras na Saúde, de modo geral e, da Saúde Suplementar, especificamente, visam viabilizar o atendimento assistencial”, explica.

Paulo Roberto Fernandes Faria, presidente da Unimed Paraná, lembra que os planos de saúde são regidos pelo mutualismo e funcionam, de certa forma, como a previdência, financiados num sistema de repartição. Os mais jovens, de uma determinada carteira de saúde, auxiliam nos custos do mais velhos, que acabam sendo mais elevados. Sendo assim, a previsibilidade de custos e de receitas e a segurança jurídica do setor são fundamentais para garantir que os beneficiários dos planos recebam aquilo ao qual têm expectativa. E isso só é possível com regras claras para todos e o respeito a elas. “O médico é um grande coadjuvante nesse processo, buscando o melhor para o paciente, com a garantia daquilo que o plano é capaz de oferecer. A análise de determinados procedimentos, em situações eletivas, visa garantir, sem esquecer custo-efetividade, que o melhor está sendo feito por todos os atores do processo, em benefício do cliente final, que é o paciente”.

Os impactos da emergencialização indevida

O uso de forma errada da emergencialização pode gerar diversas consequências negativas, tanto para pacientes quanto para todo o sistema de saúde. Veja abaixo os impactos elencados por Lúcia Cristina Manoel de Macedo, gerente da Unimed Paraná.

  • Riscos à saúde dos pacientes: se procedimentos médicos são realizados de forma emergencial sem a devida avaliação criteriosa de riscos e benefícios, podem aumentar o risco de complicações e eventos adversos.
  • Incremento em Custos Assistenciais desnecessários: se procedimentos médicos são realizados de forma emergencial indevidamente e sem uma devida avaliação prévia criteriosa, pode resultar em custos desnecessários para o sistema de saúde e até mesmo para os pacientes, impactando inclusive na acessibilidade aos planos de saúde. Estima-se que o impacto em custos assistenciais decorrentes de fraudes na saúde suplementar pode chegar em até 15% do total dos custos*. *(Arcabouço normativo para prevenção e combate à fraude na Saúde Suplementar no Brasil – disponível aqui). pelas ponderações entre a justiça, fazer o bem e não fazer o mal”. Ao que Faustino Garcia Alferez, diretor de Saúde da Unimed Paraná, complementa: “A busca dos Sistemas de Saúde está (e não poderia ser diferente) alinhada à do médico, no sentido de atender, da melhor forma possível o paciente. As regras na Saúde, de modo geral e, da Saúde Suplementar, especificamente, visam viabilizar o atendimento assistencial”, explica. Paulo Roberto Fernandes Faria, presidente da Unimed Paraná, lembra que os planos de saúde são regidos pelo mutualismo e funcionam, de certa forma, como a previdência, financiados num sistema de repartição. Os mais jovens, de uma determinada carteira de saúde, auxiliam nos custos do mais velhos, que acabam sendo mais elevados. Sendo assim, a previsibilidade de custos e de receitas e a segurança jurídica do setor são fundamentais para garantir que os beneficiários dos planos recebam aquilo ao qual têm expectativa. E isso só é possível com regras claras para todos e o respeito a elas. “O médico é um grande coadjuvante nesse processo, buscando o melhor para o paciente, com a garantia daquilo que o plano é capaz de oferecer. A análise de determinados procedimentos, em situações eletivas, visa garantir, sem esquecer custo-efetividade, que o melhor está sendo feito por todos os atores do processo, em benefício do cliente final, que é o paciente”.
  • Redução da confiança entre os diversos protagonistas do sistema: médicos, hospitais e fonte pagadora – quando procedimentos médicos são realizados de forma emergencial indevidamente, pode levar a uma “erosão” da confiança entre os principais participantes do processo – resultando no “custo da desconfiança” e, muitas vezes, prejudicando o bom relacionamento necessário entre esses participantes.
  • Riscos à reputação dos profissionais de saúde: a reincidente emergencialização indevida de procedimentos médicos também pode impactar negativamente na reputação dos profissionais médicos, frequentemente colocando em “xeque” suas indicações terapêuticas – limitando assim a confiabilidade nos profissionais de saúde envolvidos. • Sobrecarga do sistema de saúde: a indicação terapêutica emergencial indevida sem uma avaliação adequada, pode levar a uma sobrecarga do sistema de saúde, com impacto final na qualidade da assistência prestada.
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(Foto: Divulgação/Unimed Paraná)
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