Os alunos aprendem desde os primeiros dias do curso que medicina é técnica e é arte. Embora esses termos se confundam em sua etimologia, a ideia remete ao fato de que medicina é processo, é ciência, mas também é tato, sensibilidade, empatia, intuição. Ou seja, além do conjunto de procedimentos sistematicamente testados e adotados ao longo dos anos para a boa prática médica, o profissional não pode deixar de lado aspectos subjetivos, o que inclui os sentimentos do paciente e a relação estabelecida com ele.
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Se formos falar de um atendimento médico ideal, ele envolve resolubilidade e também a percepção de acolhimento por parte do paciente. Para que isso ocorra, o médico precisa entender o contexto da pessoa, como a doença está afetando seu corpo e sua vida. Segundo o médico de Família e Comunidade Rodrigo Cechelero Bagatelli, para atender um paciente, o médico utiliza lentes biológicas, antropológicas e filosóficas. “Existem guias norteadores nacionais e internacionais, como a própria Medicina Baseada em Evidências, as recomendações do INCA, calculadoras de risco cardiovasculares e o Prevention Task Force – um painel independente de especialistas em cuidados primários e prevenção que analisa sistematicamente as evidências de eficácia e desenvolve recomendações para serviços clínicos preventivos”.
Bagatelli explica que o médico se torna melhor médico à medida em que vai ganhando mais conhecimento de quem é o paciente. “A troca e a confiança entre médico e paciente são fundamentais. O médico não vai conseguir ser eficaz se o paciente omite informação”, frisa. A também médica de Família e Comunidade Camila Cristi Vieira Berti explica que uma consulta, comumente, tem três fases básicas, anamnese, exame físico e demais protocolos de acordo com as queixas relatadas. A anamnese de uma primeira consulta, é a mais demorada, porque envolve identificação do paciente, história mórbida atual, história mórbida pregressa, queixa atual, história familiar, hábitos de vida, revisão de sistemas – saúde em geral, sexualidade, etc. Os exames físicos e suplementares acontecerão de acordo com a queixa e as características do indivíduo (sexo, idade, etc.).
Tanto Bagatelli quanto Camila lembram que cada consulta envolve evidências científicas e também recomendações singulares. Isso porque não existe um protocolo que caiba para todas as situações. Eles são indicadores que ajudam a evidenciar sinais de alertas e apontam para a necessidade de, por exemplo, rastrear diabetes, medir colesterol, aferir a pressão arterial, fazer preventivo x ou y, colonoscopia, tomografia do pulmão, entre outros procedimentos necessários.
No atendimento médico, a questão cultural também é levada em conta, uma vez que estimula e possibilita o aumento de confiança por parte do paciente. Hoje, com tantas informações disponíveis, o paciente é bastante crítico e muito mais informado. Entender esse paciente e contribuir com a troca para que ele tenha acesso a informações com mais qualidade, contribui para o sucesso da relação médico-paciente e, consequentemente, do cuidado como um todo. Bagatelli e Camila são unânimes ao reforçar a importância desse entendimento.
O conceito choosing wisely, no qual a ideia de que menos pode ser mais, está muito presente, faz parte, para Bagatelli e Camila, da preocupação que, em especial, o médico de família tem na sua rotina. A troca entre paciente e médico visa o melhor para o paciente. Nada em excesso, para que não haja decisões por procedimentos desnecessários que podem inclusive causar danos. A linha é tênue daquilo que é preciso ou não em medicina. Um remédio que salva vidas, também pode tirá-la, se for dado em situação ou dosagem inadequadas. A prevenção quartenária (aquela que combate a possibilidade de situação adversa- erros médicos) é justamente, a prevenção que pode ser obtida com o cuidado do médico na atenção e nos excessos.
Para que tudo isso ocorra, entretanto, o paciente precisa confiar no profissional que está à sua frente, estabelecendo uma troca sincera com ele. Contando suas dores e dúvidas, questionando e não saindo sem entender o que realmente está acontecendo com sua saúde e como pode contribuir para melhorá-la. “O diferencial do médico de família é justamente esse: buscar atender o indivíduo como um todo, ou seja, reconhecer a história desse indivíduo no seu processo de saúde”, destacam.