Os desafios para o cuidado da saúde nas enchentes

Desastres naturais trazem riscos para a saúde física, biológica e mental da população; veja como cuidar da saúde diante de enchentes

saúde nas enchentes
(Foto: Ilustração/Freepik)

Entre os meses de abril e maio, o Rio Grande do Sul foi severamente afetado por um desastre natural. A combinação de chuvas intensas e prolongadas, juntamente ao transbordamento de rios, resultou em uma das piores enchentes da região nas últimas décadas.

Das 497 cidades do estado, apenas 34 não sofreram diretamente com as chuvas. Mais de 876 mil pessoas em 420 mil domicílios tiveram suas casas atingidas pelas enchentes e por deslizamentos, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O número de desalojados passou de 500 mil, com 182 mortes e 800 feridos.

Os impactos foram profundos, resultando na destruição de cidades, casas, locais de trabalho e lazer, e atingindo o abastecimento de água, comida e energia elétrica. No que diz respeito à saúde pública, as consequências dessas enchentes vão reverberar por um longo período.

Contato com a água e a saúde nas enchentes

As enchentes frequentemente resultam em um aumento alarmante de doenças transmitidas por água e vetores. A contaminação da água potável, devido ao transbordamento de esgotos e produtos químicos, é uma das principais preocupações. Essa água acumula lixo, esgoto, dejetos humanos e de animais, tornando-se um vetor de bactérias e vírus. Além disso, cria condições ideais para a proliferação de mosquitos e aumenta o risco de doenças transmitidas por dengue, zika e chikungunya.

O diretor do Centro de Epidemiologia da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, Alcides de Oliveira, explica que os episódios de desastres naturais com inundações de água podem resultar em cólera, hepatite A, leptospirose e gastroenterite. “Esses são os principais grupos de doenças que acometem pessoas expostas à água poluída em geral. Águas contaminadas têm muitos parasitas e bactérias que favorecem doenças em pessoas expostas, seja a população em geral ou voluntários que se dirigem ao local do desastre para ajudar”, afirma.

Para o diretor do Centro de Epidemiologia da Secretaria Municipal da Saúde de Curitiba, Alcides de Oliveira, é importante destrinchar políticas públicas para que os impactos de desastres naturais sejam menores para o bem-estar completo dos paciente (Foto: Reprodução/Arquivo Pesssoal)

Como o contato com a água pode ser inevitável nessas situações, é importante tomar algumas medidas de proteção. “Sempre que possível, proteger-se com botas de cano longo, calçados impermeáveis, luvas grossas de borracha, higienização frequente das mãos, evitar levá-las ao rosto e ficar o mínimo de tempo exposto nas áreas com água”, orienta Oliveira.

Para a limpeza dos ambientes, é essencial lavar do chão até o teto, utilizando um copo (200 ml) de água sanitária com 2,5% de hipoclorito de sódio para quatro copos de água. Na caixa-d’água, usar duas colheres de sopa de água sanitária por litro d’água, sempre equipado com luvas e botas de borracha.

Problemas a médio e longo prazos

A recomendação para as pessoas expostas é sempre procurar atendimento médico, e para os profissionais de saúde é necessário um acompanhamento rigoroso na presença de sintomas agudos de febre. “É importante o retorno do paciente, porque pode haver uma evolução muito desfavorável para essas doenças, principalmente a leptospirose e a hepatite A”, destaca o diretor da Secretaria da Saúde de Curitiba.

O professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, doutor em Epidemiologia e vice-coordenador geral do Telessaúde RS, Natan Katz, relata que uma situação comum durante a catástrofe foi a dificuldade de tratamento contínuo com medicação das pessoas que saíram de casa sem levar nada, porque muitos não lembravam ou sabiam quais eram os medicamentos que estavam tomando.

Apesar da necessidade, Katz revela que alguns serviços de saúde não estão funcionando e precisam de reforma. No entanto, aconselha que, assim que os profissionais tenham um local para atendimento, ouçam os pacientes e deem suporte no momento de crise.

Outra situação enfrentada no Rio Grande do Sul, segundo Katz, é o impacto profundo na saúde mental das pessoas. A perda de propriedades, a separação ou perda de entes queridos, o trauma associado ao deslocamento e à incerteza sobre o futuro contribuem para altos níveis de estresse, ansiedade e até depressão entre os sobreviventes. Esses efeitos podem persistir por meses ou até anos após o evento inicial, impactando negativamente a qualidade de vida e o bem-estar geral das comunidades.

Leia também: Médicos listam recomendações para evitar doenças em meio a enchentes

Medidas de prevenção com a saúde nas enchentes

As enchentes são eventos naturais que podem ter consequências devastadoras, porém com planejamento, preparação e resposta adequada, é possível minimizar seus impactos e proteger a saúde da população.

O vice-coordenador geral do Telessaúde-RS, Natan Katz contou que, há muitas pessoas que enfrentaram as enchentes no RS, estão passando por casos de depressão, ansiedade e insônia (Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)

Natan Katz salienta que a enchente no Rio Grande do Sul serve como um lembrete da importância de estratégias eficazes de gestão de desastres e da necessidade de resiliência comunitária, especialmente com um plano de ação claro.

Por meio do conhecimento dos dados gerados, são construídos indicadores e informações consistentes para dar suporte à gestão pública. “Isso significa destrinchar as políticas públicas, sejam elas preventivas, para que o impacto por ocasião de um evento seja o menor possível. E também a construção do que chamamos de vigilância sanitária, que inclui epidemiologia, vigilância sanitária, vigilância ambiental e zoonoses”, esclarece Alcides Oliveira.

“Todo evento que ocorre é uma experiência adquirida, é a construção de um plano de ação e contingência, norteando as ações na esfera da saúde e para toda a sociedade, trazendo clareza e transparência às ações”, conclui Oliveira.

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