Em números absolutos, o Brasil vive uma era de grande crescimento na formação de médicos. De acordo com o levantamento do Conselho Federal de Medicina (Demografia Médica CFM 2024), há 389 cursos de medicina em escolas médicas espalhadas pelo país atualmente, a segunda maior quantidade do mundo. Dados que deixam o Brasil atrás apenas da Índia, nação que tem uma população mais de seis vezes maior.
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Em 1990, o Brasil tinha 78 faculdades de Medicina em seu território. Hoje, esse indicador quase quintuplicou, com o acréscimo de 190 estabelecimentos de ensino médico somente nos últimos 10 anos.
Em meio ao avanço numérico que chega a ser desproporcional ao crescimento populacional, uma inquietação que emerge tem a ver com a qualidade de ensino e a necessidade de garantir que a formação dos novos profissionais seja de excelência. O angiologista e cirurgião vascular José Fernando Macedo, presidente da Associação Médica do Paraná, expressa um alerta: “Eu não vejo vantagens, eu vejo preocupações com a criação de escolas médicas em número exagerado, sem necessidade social.”
Segundo Macedo, a formação excessiva de médicos sem que haja uma infraestrutura adequada de ensino pode comprometer a qualidade da assistência à saúde. “Um número excessivo de médicos com boa formação médica é ótimo. No entanto, o que preocupa é que o Conselho Federal de Medicina tem um estudo que mostra que em torno de 20% das faculdades têm um ensino médico de qualidade. E os outros 80% dos alunos dessas faculdades? O que estão aprendendo?”, questiona. O estudo em questão foi divulgado em 2021, chama-se Radiografia Médica e chama atenção para as instituições localizadas em municípios que não têm infraestrutura adequada para todas as etapas de aprendizagem.
Outro aspecto apontado por Macedo tem a ver com a falta de vagas de Residência Médica, para dar continuidade à formação desses novos médicos na sequência da graduação, tendo em vista a longa trajetória de estudo e especialização dessa profissão. “Nós não temos Residência Médica suficiente, para aprimoramento do médico na especialidade que ele quer fazer, para ele agregar conhecimentos”, explica.
O presidente da AMP ressalta que, sem uma formação adequada, os médicos recém-formados correm o risco de prejudicar a saúde dos pacientes. Para aumentar a segurança de todos nesse contexto, uma alternativa sugerida por Macedo é a criação de uma prova para poder exercer a profissão, uma espécie de exame de qualificação do recém-formado. Ou então provas de progresso como pré-requisitos para seguir na formação. Em decorrência dos seus anos de experiência, ele acredita que cabe a toda classe médica, com participação das instituições associativas, pensar nessas alternativas e acompanhar as melhorias junto aos órgãos responsáveis.
Ensino médico em tempos de transformações
O aumento do número de faculdades de medicina exige uma reflexão profunda sobre a qualidade do ensino, que começa pelo cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do Ministério da Educação, mas vai além. Sobretudo, em tempos de transformações na medicina e na sociedade. “O ensino da Medicina passou a ser visto como uma ciência. E, portanto, ele também precisa se basear em evidências”, comenta o professor José Knopfholz, decano da Escola de Medicina e Ciências da Vida da PUCPR. Ele enfatiza que as mudanças tecnológicas têm um impacto profundo nesse contexto e que as instituições de ensino precisam acompanhar as transformações da medicina, incluindo temas, como telemedicina, inteligência artificial e o papel ativo do paciente na escolha do tratamento, tendo em vista que as pessoas têm cada vez mais acesso à informação.
Knopfholz reforça, ainda, o papel das metodologias ativas no processo de aprendizagem, tanto para o desenvolvimento da autonomia quanto para o atendimento de diferentes perfis de estudantes. “O ensino voltado para o estudante demanda tanto a construção de soft skills quanto de hard skills”, explica. A interdisciplinaridade e a integração com outras áreas da saúde, como fisioterapeutas, nutricionistas e psicólogos, são igualmente essenciais para um ensino que reflita as novas demandas do sistema de saúde. “O médico hoje precisa atuar dentro de uma equipe de saúde, colaborando com outros profissionais para melhorar a qualidade de vida do paciente”, afirma o decano.
A evolução das tecnologias também pode ser uma grande aliada na formação de médicos. De acordo com Knopfholz, a simulação clínica e a realidade estendida são ferramentas fundamentais no ensino médico moderno: “A simulação clínica permite que os alunos pratiquem em um ambiente controlado antes de atenderem pacientes reais.” Além disso, o Centro de Realidade Estendida da PUCPR utiliza tecnologias, como realidade virtual e aumentada. Uma inovação importante, permitindo que os estudantes vivenciem cenários de aprendizagem interativos e altamente realistas. Outra novidade lançada recentemente pela Universidade – cujo curso de Medicina foi eleito o melhor do Brasil entre as instituições privadas, pelo Ranking Universitário Folha 2024 – é uma plataforma virtual de educação personalizada para a carreira médica, fundamentada pelo conceito de lifelong learning, ou seja, aprendizado ao longo da vida. A proposta é fornecer material de qualidade para atualização constante e mentoria para auxiliar médicos recém-formados em suas trajetórias profissionais.
Pilares do ensino de qualidade
E quais são os aspectos essenciais para avaliar a qualidade de um curso de Medicina? José Knopfholz elenca três itens fundamentais. Para ele, a profissionalização docente vem em primeiro lugar. Em seguida, vem a importância de uma boa estrutura, tanto física (laboratórios, simulação, salas de aula) quanto de diferentes metodologias de aprendizagem. O terceiro tópico é reconhecer o aluno como indivíduo e auxiliá-lo no seu plano de desenvolvimentos pessoal e profissional. “O aluno não é simplesmente alguém que está lá para ganhar conhecimentos técnicos, mas também para construir conhecimentos que podem auxiliá-lo a ser mais feliz, melhor consigo mesmo, melhor com a sociedade, e que consiga perceber a missão que é atuar como médico”, defende.
Por fim, o professor da PUCPR compartilha um ensinamento que costuma ser relembrado muitas vezes no segmento da educação: “A gente não está aqui para encher um balde de informações, porque essas informações são cada vez mais facilmente encontradas. A gente está aqui para acender chamas, para que a pessoa possa desenvolver seu melhor potencial.”
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