Qualidade de vida até o último momento
Tratamento humanizado multidisciplinar leva bem-estar aos pacientes e à família de pacientes com doenças terminais e crônicas
HÁ UMA TENDÊNCIA GLOBAL de transição demográfica decorrente do aumento da longevidade da população, na qual os quadros clínicos recorrentes são doenças como demências, neurodegenerativas e oncológicas, além de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2030, as DCNT vão representar mais de três quartos de todas as mortes no mundo. Esse cenário desafia por conta do aumento da demanda de casos que inspiram cuidados, além do custo que representa para o Sistema de Saúde.
Com isso, têm se difundido a utilização dos Cuidados Paliativos (CP) na rotina dos tratamentos. Aplicados por uma equipe multidisciplinar, com cadeia de atendimento interdisciplinar. Esse conjunto de práticas tem o foco na assistência dos pacientes com risco de morte e das respectivas famílias, com o principal objetivo de oferecer dignidade e diminuir o sofrimento, independentemente do estágio da enfermidade, a fim de melhorar as condições de vida até o momento do falecimento.
Isso porque, segundo a médica cirurgiã cardiovascular, responsável pela Gestão de Atenção à Saúde da Unimed Federação, Oáidia Adelina Noceti Serman, diversas pesquisas e artigos mostram o custo-benefício dos CP em qualquer nível de atendimento – hospitalar, domiciliar e aos pacientes institucionalizados. “Considerando o aumento da expectativa de vida e o envelhecimento populacional, que obviamente levará ao aumento do número de mortes no futuro, sem estrutura assistencial que suporte a morte em leitos hospitalares, será necessária a expansão dos cuidados paliativos em todos os níveis de atendimento”, destaca.
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (2018), os Cuidados Paliativos oferecem “a promoção de melhoria de qualidade de vida do paciente e seus familiares, alívio do sofrimento, identificação precoce de situações, avaliação minuciosa do tratamento da dor e de outros sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais”. Como comenta Oáidia, “busca-se proteger o indivíduo e toda a família, informando, orientando e, principalmente, acolhendo, seja emocional, assistencial e espiritualmente”.
Com experiência na área, a psicóloga clínica e hospitalar, especialista em Psico-Oncologia, Jociane Casellas, explica que são cuidados focados no conforto e alívio de todo e qualquer sintoma. “O foco nessa fase não é mais curativo e, sim, na prevenção e alívio do sofrimento”. A psicóloga destaca, ainda, que essa forma de cuidar, “pode e deve ser realizada desde o momento do diagnóstico de uma doença que ameace a continuidade da vida, não somente em estágios nos quais a morte, por conta do adoecimento, é iminente”. Ainda, segundo Jociane, existe a falsa ideia de que o paciente que recebe esse tipo de assistência já se encontra em um momento muito crítico. “O cuidado é centrado na pessoa em suas necessidades, não na sua patologia. Paciente e família são assistidos, recebendo toda atenção da equipe, porém sem medidas invasivas que possam trazer mais prejuízo do que benefício . Os Cuidados Paliativos são importantes porque entendem a morte como um processo natural do ciclo vital. O objetivo não é ‘apressá-la’ nem ‘adiá-la’, mas deixar que ela aconteça no seu devido tempo”.
Para a psicóloga, outro fator importante é conversar abertamente sobre as medidas que o indivíduo em questão gostaria e as que não gostaria que fossem tomadas em caso de agravamento do quadro, avisando tanto a família, quanto a equipe assistencial. “É o que chamamos de Diretivas Antecipadas de Vontade. Isso todos nós podemos fazer em qualquer momento da nossa vida. Comunicar aos que convivem conosco o que não queremos que aconteça em caso de irreversibilidade de um quadro”, explica.
HISTÓRICO E IMPLEMENTAÇÃO
O termo Paliativismo, também frequentemente utilizado, ou mesmo o termo paliar, deriva do latim pallium, e nomeia o manto que os cavaleiros usavam para se proteger das tempestades pelos caminhos que percorriam. Com base nisso, surgiu a ideia de proteger alguém, ou buscar formas de cuidado, tendo como objetivo amenizar a dor e o sofrimento, sejam eles de origem física, psicológica, social ou espiritual.
Apesar de ainda incipiente no Brasil, o assunto vem ganhando cada vez mais expressividade no meio da saúde, principalmente, a partir da década de 1980. E no final dos anos 1990, foram inaugurados os primeiros serviços no estado de São Paulo (SP), impulsionados por entidades como a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e o INCA. Um levantamento realizado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos acor (ANCP) em agosto de 2018, identificou 177 serviços de CP em funcionamento no país, e 58% desses serviços estão na região Sudeste, 20% na região Nordeste e 14% na região Sul.
Como explica Oáidia, a fundação ANCP foi importante para a ampliação do CP no território nacional. “Os avanços aconteceram com a regularização profissional do paliativista, estabeleceram-se critérios de qualidade para os serviços de Cuidados Paliativos, foram realizadas definições precisas das premissas dos cuidados paliativos e se levou a discussão para o Ministério da Saúde, o Ministério da Educação, o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira”.
Em decorrência desse avanço, a partir de 2018, passou a existir uma normativa da MS para que o CP fosse integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS), definindo o reconhecimento e a organização dessa prestação de serviços em todas as esferas e níveis de atenção, desde as atenções básica, domiciliar, ambulatorial, hospitalar, urgência e emergência. A resolução propõe que nas redes de atenção à saúde, sejam claramente identificadas e observadas as preferências da pessoa doente quanto ao tipo de cuidado e tratamento médico que vai receber.
A ideia é que toda população tenha acesso a esse tipo de cuidado, propiciando com isso uma morte digna e bem cuidada. “É importante que haja uma mudança de paradigmas e, para isso, é necessário que, desde os bancos acadêmicos, se comece a fomentar a reflexão de que nem sempre a cura será possível, mas o conforto e o alívio dos sintomas sim. Como dizia Cicely Saunders, uma das mais importantes precursoras do movimento, ‘o sofrimento só é intolerável quando ninguém cuida’ ”, destaca Jociane. E com as projeções existentes em relação à longevidade, invariavelmente, será uma necessidade para garantir a qualidade de vida a todos e todas até os últimos instantes de vida.
LIÇÃO DE CASA
Unimed Paraná já se destaca na oferta de Cuidados Paliativos aos beneficiários
No Sistema Unimed Nacional, há pelo menos 10 anos, já existem equipes trabalhando focadas nos Cuidados Paliativos (CP), assim como serviços bem estruturados e com resultados favoráveis quanto à qualidade assistencial, satisfação dos beneficiários, familiares, cuidadores e que representam a otimização dos recursos.
No estado do Paraná, algumas Singulares já montaram suas equipes e serviços, como Campo Mourão, Cascavel, Curitiba, entre outras. De acordo com a médica responsável pela Gestão Atenção à Saúde da Federação Unimed Paraná, Oáidia Adelina Noceti Serman, com o objetivo de se tornar uma referência no estado e apoiar todas as Singulares, a Federação montou sua equipe inter-consultora de Cuidados Continuados (Paliativismo), em 2019. “Essa equipe é composta por médicos, enfermeiros, psicóloga, fisioterapeuta, nutricionista, assistente social e capelães. Inicialmente, atenderemos todos os clientes em fase final de vida da Operadora da Federação, com possibilidade de óbito nos próximos 12 meses, e residentes em Curitiba e Região metropolitana”, explica.
Com base na determinação de paliatividade, a equipe fará o plano de atendimento individualizado, e acompanhará os beneficiários e familiares. Após a fase inicial do projeto, a ideia é ampliar para toda a cadeia de atendimento assistencial junto aos prestadores de serviços e Unimeds parceiras.