Necessidade de cuidado com a saúde mental ficou ainda mais evidente com o distanciamento social, simultaneamente à proliferação do vírus
Ansiedade, depressão e estresse são sinais que traçam o perfil das doenças psicológicas mais comuns na atualidade. O Brasil, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), está entre os países com a população de maior prevalência de depressão ao longo da vida (15,5%). O cenário se agrava com a pandemia da Covid-19 devido à mudança de hábitos, rotina, sociabilidade e as incertezas sobre o futuro.
O tal “desacelerar” pegou de surpresa quem estava no piloto automático e se equilibrava em meio ao frenesi. Apesar de parecer positivo, tudo ficou muito restrito, sem espaço para extravasar, além da percepção sobre os pensamentos e sentimentos terem ficado mais evidentes.
Conforme observa a psicóloga e coordenadora do Serviço de Psicologia do hospital Vita, Raphaella Ropelato as pessoas estavam em uma aceleração tão grande que o Coronavírus forçou todos de fato a pararem. “Todos estavam no modo automático e agora têm dificuldades para definir qual será o próximo passo, o que gera ansiedade. Fomos obrigados a mudar a velocidade das coisas. E, com isso, precisamos mudar também a direção do nosso olhar. O caminho é diminuir a projeção sobre o futuro e priorizar o presente”, explica e orienta a psicóloga que atua na linha cognitiva comportamental.
Segundo Raphaella, ao longo da vida vamos criando conceitos sobre as coisas, e é a partir disso que moldamos nossas emoções e ações. “Não fazemos nada que não esteja associado a um tipo de pensamento. No começo da pandemia restringimos o contato porque ninguém tinha respostas. Passado um tempo, tivemos evidências e, a partir disso, cada um passou a se apoiar em seus próprios argumentos. É aí que podemos verificar porque há pessoas que entram na negação dos fatos e outras que acabam sendo mais cautelosas”, pontua a psicóloga, que destaca que isso ocorre por conta da proximidade de cada um com a realidade da pandemia.
No caso, da área da saúde, por exemplo, a situação se agrava. Para monitorar e oferecer suporte aos profissionais, diversas entidades estão realizando pesquisas para identificar os sintomas de esgotamento. Médicos, psicólogos e cientistas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e da Associação Brasileira de Impulsividade e Patologia Dual (ABIPD), estão observando o comportamento do trabalho nos hospitais e na população em geral. O estudo prevê também a análise dos impactos pós-traumático.
Outro exemplo é o Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HMS), no Ceará, que está mensurando informações pertinentes aos efeitos mentais causados pela pandemia.
Cobrança, fake news e solidão
Clima de incerteza, avalanche de informações e notícias nada confiáveis ampliam o medo e a insegurança. “As pessoas ficam imaginando possíveis cenários para a situação e os impactos negativos que poderão ter na própria vida. Precisamos nos ater apenas às informações que são pertinentes e confiáveis”, afirma a psicóloga Paula Pirola Abreu. Neste caso, a psicóloga da Unimed Londrina recomenda que seja reduzido o consumo desse conteúdo. “É importante procurar atividades que possam ajudar a se desligar desse cenário e relaxar”, complementa.
Nesta linha, Raphaella também comenta que há condições para se encontrar resoluções. “Quais recursos de enfrentamento temos? Olhe para coisas simples: o que eu faço quando não posso sair de casa? É o mesmo para alguém workaholic que fica sem trabalho, a pessoa não sabe como desfrutar daquele tempo. É preciso explorar novos recursos e saber de fato do que gostamos ou não”, disse.
A auto-observação é uma medida favorável e eficaz para controlar alguns desses sintomas ou até aliviar crises, porém nada dispensa a orientação profissional. “Existem exercícios de respiração, meditação e relaxamento disponíveis na internet que podem ser bastante úteis”, indica Paula.
Oportunidade em meio ao caos
A situação pandêmica em si gera angústia, insegurança e ansiedade, mas também pode representar oportunidade. Em seu livro “Homo Deus: uma breve história do amanhã”, Yuval Noah Harari, mostra grandes pesquisas e aponta alguns caminhos que a humanidade parece começar a trilhar, como quem já venceu as guerras, a fome, a extrema pobreza e a peste. Como bem destaca Raphaella, “ninguém tem uma vida 100% plena e organizada sempre”. Um exercício rápido é parar para pensar uma situação desafiadora e entender como lidou com ela, indica a psicóloga.
Outra leitura possível do cenário parte do viés do psiquiatra suíço, Carl Gustav Jung, (1875-1960), cujo estudo se aprofundou muito na simbologia alquímica, uma espécie de jornada do herói voltado à autotransformação. Em seus estudos, Jung buscou mostrar o significado oculto dessa simbologia e sua importância no caminho daquilo que ele chamou de individuação, a realização do ‘si mesmo’, do encontro com nossa essência.
Segundo Sonia Regina Lunardon Vaz, psicóloga analítica junguiana e psicoterapeuta corporal Godelieve Struyf-Denys, uma análise junguiana deverá contemplar o arquétipo a que se refere à pandemia e à situação global em termos de coletividade. “O arquétipo que parece se relacionar com a pandemia da Covid-19 é uma das fases da Alquimia”, explica ela.
Jung compreendeu a Alquimia como sendo um processo de individualização, ou melhor, um processo de autoconhecimento e de metamorfose a partir de uma nova percepção do mundo e de si mesmo. Em resumo, em detrimento da existência de uma crise, é possível criar espaço para criatividade, resiliência e a abertura de novos horizontes.
Um momento pessoal de observação e aprendizado
Sem deixar os sentimentos de lado, mas aprendendo a lidar com eles, questionar os impactos das situações vividas pode ser uma poderosa ferramenta de transformação. “Estresse todos nós temos, a proposta é entender como lidar com ele e reconhecer a condição individual de enfrentamento diante das adversidades. É enxergar como o indivíduo percebe e como reage”, destaca Raphaella.
Confira, a seguir, o passo a passo indicado pela psicóloga Raphaella Ropelato para gerenciar situações adversas:
1. Identifique que existe um problema
2. Aceite que problemas existem, são inevitáveis e que enfrentá-los pode ser uma solução
3. Levante o máximo de informações disponíveis sobre o problema
4. Estabeleça pelo menos três alternativas para enfrentá-lo. Sim, sempre existe mais de uma solução
5. Experimente as soluções, assim será mais fácil estabelecer os aspectos positivos, negativos e o que consegue adaptar
6. Finalmente, avalie os resultados. Você pode se surpreender! Poderá ter encontrado uma solução que reúna uma combinação de alternativas