Mais conectados ou mais dependentes?

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Mais conectados
ou mais dependentes?

O distanciamento intensificou o uso das redes sociais e expôs o risco da dependência. Entre os impactos está a interferência na saúde mental da população

A rotina de 134 milhões de brasileiros inclui a utilização de serviços on-line, segundo levantamento apresentado pela pesquisa TIC Domicílios 2019. Somente o tempo médio destinado às redes sociais chega a uma média diária de 3h34 no Brasil, de acordo com estimativa do relatório Digital in 2019. A lista de dados é vasta e confirma a parcela cada vez maior de participação da tecnologia na vida da população.
E se já estávamos vivendo em uma sociedade hiperconectada, a pandemia acelerou a utilização de ferramentas on-line seja para efetuar pagamentos e compras ou se relacionar diante do distanciamento social. Na comunidade psiquiátrica, a preocupação com o aumento do uso das redes sociais e da própria tecnologia vinha sendo uma constante. Por conta dessa intensificação do uso, os efeitos colaterais começam a aparecer de forma mais clara nos diagnósticos clínicos como quadros de dependência.
Afinal, o que poderia caracterizar o vício ao meio on-line? “É quando a pessoa acaba tendo fissura, não consegue ficar longe da substância que traz esse prazer que a torna dependente. Isso deriva de uma alteração neuroquímica no cérebro que está associada à dopamina. Então, cada vez que a pessoa acessa o seu computador, independentemente do uso que é feito, a substância é liberada. Porém, com o tempo, essa ação acaba comprometendo a vida pessoal e profissional da pessoa, pois ela deixa de fazer outras coisas que davam prazer”, explica o vice-presidente da Associação Paranaense de Psiquiatria (APPSIQ) e integrante da Comissão das Novas Tecnologias em Psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), José Cléber Feliciano Ferreira.
Dentro do ‘universo pandêmico’, Ferreira explica que dois sintomas ficam muito claros em decorrência da utilização abusiva. O primeiro é a alteração no sono, com o surgimento de insônia, e o segundo é o aumento da ansiedade. “Em muitos pacientes, foi verificado que, ao acessarem as atualizações relacionadas à Covid-19 antes de dormirem, há alteração do sono. E, como sabemos, o sono é o maestro do humor, logo impacta diretamente na irritabilidade e, com isso, as pessoas ficam mais propensas às doenças mentais”, explica o vice-presidente da APPSIQ.
Outro hábito que pode estar adicionado às questões de ansiedade é o abuso de substâncias psicoativas, como o álcool, que acaba criando um ambiente favorável para o aumento de quadros depressivos.

Fatores de risco
Não sendo um espaço controlável, o meio on-line e, principalmente, as redes sociais, acabam sendo mais nocivas ainda às pessoas que já possuem um perfil vulnerável. Entre as quais, estão elencadas mulheres jovens, indivíduos com baixa autoestima, nível elevado de cobrança, busca por perfeccionismo, têm uma tendência maior a desenvolver ou agravar uma doença mental decorrente da permanência excessiva no meio. “Um fator importante para as pessoas se questionarem sobre a dependência ou não, é primeiramente monitorar o tempo de conexão. Perceber quantas horas fica e o que deixou de fazer no período de conexão. Além disso, perceber como está o humor antes, durante e depois do acesso”, orienta Ferreira.
Outra dica importante é evitar entrar em discussões que podem resultar na desestabilização emocional, pois muitas pessoas não estão preparadas para receber críticas ou determinados comentários. Como coloca o vice-presidente da APPSIQ, é importante também manter discernimento e bom-senso para não navegar sem objetivos claros, pois isso compromete o tempo que seria destinado para outra atividade e pode ocasionar a dependência.
É preciso atenção também aos jovens e crianças que estão em casa. “Uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostra que 60% das crianças entre 2 a 5 anos atualmente têm condições de acessar um jogo via smartphone. E dessas, somente 11% conseguem amarrar o próprio tênis, então há habilidade para interação, porém não uma há condição motora desenvolvida”, alerta Ferreira. Os adolescentes que têm mais dificuldade de se relacionar acabam reféns do meio digital e podem ser extremamente afetados por armadilhas, como o cyberbullying.
As pesquisas sobre o momento atual ainda não são muito claras ou apresentam um recorte preciso. Essa é apenas uma breve projeção de que em curto prazo pode haver o aumento do quadro de doenças mentais, e, posteriormente, serão necessários outros estudos para entender quais ferramentas são muito prejudiciais e quais podem apoiar o desenvolvimento da sociedade.

Teste sua dependência
Site desenvolvido por grupo de pesquisa vinculado à Universidade de São Paulo (USP) permite teste de dependência das redes.
Com um endereço bastante sugestivo, o site https://www.dependenciadeinternet.com.br nasceu do interesse e da preocupação com a possível dependência tecnológica na realidade brasileira. Após uma série de estudos voltados aos temas, foi elaborado um programa de psicoterapia aliado ao acompanhamento psiquiátrico e ofertado à população.
Considerando que o Brasil lidera sistematicamente a lista dos países que apresentam as maiores taxas de conexão doméstica no mundo, por meio do site é oferecido suporte aos interessados, orientação e pesquisa de novas terapêuticas que tratem de pacientes que desenvolveram alguma forma de dependência tecnológica que esteja criando prejuízo nas vidas funcional e cotidiana do indivíduo.

 

O vice-presidente APPSIQ: o fato de se navegar sem objetivos claros é um passo que pode ocasionar a dependência
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