Em uma caminhada pela Times Square, o coração de Nova York, encontram-se telas gigantes de LED por todos os lados e cada uma compete por atenção. A sobrecarga de informações visuais é ao mesmo tempo fascinante e avassaladora. O indivíduo vive uma versão pessoal da Times Square, repleta de notificações nos celulares, janelas abertas no computador e notícias na TV.
Esse excesso pode levar à fadiga digital, provocando uma série de enfermidades, como sedentarismo, dificuldades para dormir, distúrbios de visão, dores de cabeça, má postura, dificuldades de concentração e até mesmo ansiedade e depressão. Uma tese defendida no Programa de Pós-graduação em Medicina Molecular, da Faculdade de Medicina da UFMG, constatou que o uso excessivo de telas está relacionado à piora da saúde mental dos usuários de todas as idades.
O aumento do quadro de depressão entre crianças chega a 72%, associado ao abuso de telas. Os resultados da pesquisa mostraram, inclusive, o medo de ficar longe do celular em idosos. “Na vida adulta, o excesso de tela por um tempo prolongado pode ocasionar nomofobia, o termo tem origem na expressão inglesa no mobile phone phobia. Trata-se de uma condição mental causada pelo desconforto decorrente da impossibilidade de comunicação por meios virtuais”, explica a psicóloga clínica e neuropsicóloga de Maceió (AL), Fernanda Barreto. “Todo vício é perigoso e traz risco à saúde mental e cognitiva. É preciso ter cuidado e procurar ajuda profissional”, complementa.
O acesso começa cedo
Gerenciar o tempo de tela é essencial em todas as faixas etárias, no entanto, é ainda mais urgente quando se trata de crianças. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que o acesso às telas seja sempre supervisionado pelos pais, e nulo, entre zero e dois anos; de apenas uma hora por dia, entre dois e cinco anos; de uma a duas horas por dia, entre seis e dez anos; e de duas a três horas por dia e sem “virar a noite”, entre os 11 e 18 anos. Porém, o tempo médio de acesso do jovem é de 5,3 horas.
A exposição prolongada às telas, especialmente acima de duas horas diárias, tem efeitos significativos no desenvolvimento das crianças. Fernanda Barreto explica que essa quantidade de tempo pode impactar a linguagem e o raciocínio lógico, com perda de desempenho em ambos os aspectos. “Agrava-se quando a exposição ultrapassa sete horas diárias, podendo provocar alterações na estrutura cerebral, especialmente no córtex pré-frontal. Essa região é crucial para o julgamento ético e moral, além de ser fundamental para a aprendizagem”, alerta.
A obtenção de resposta imediata por meio de um clique dos aparelhos tecnológicos interfere ainda negativamente na atenção e na habilidade de esperar, o que pode gerar dificuldade em tolerar frustração, impulsividade e estresse. O doutor em Educação, diretor da Escola O Pequeno Polegar (São José dos Pinhais) e vice-presidente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Paraná (Sinepe-PR), Haroldo Andriguetto Jr., observa na prática a mudança em alunos.
Na área somática, percebe-se sono perturbado, problemas de visão, postura comprometida e obesidade devido à falta de atividade física. “Temos relatos de crianças que enfrentam o tratamento de depressão pelo excesso de exposição às telas”, diz Andriguetto Jr. Emocionalmente, as crianças chegam à escola mais agressivas, ansiosas ou socialmente isoladas. Cognitivamente, a capacidade de memória e aprendizado é prejudicada devido ao esgotamento mental e à dependência digital.
No ano letivo de 2024, o diretor e a equipe da escola implantaram o projeto Filhos Raiz. “O objetivo é ensinar a usar a tecnologia de forma moderada e equilibrada, conectando-se, de fato, aos aspectos mais valorosos da formação humana”, relata. Em toda a escola, não é permitida a utilização de celulares, exceto quando solicitados para atividades especiais.
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Para combater o excesso de telas, a conscientização dos pais é fundamental. O doutor em Educação sugere que os pais estabeleçam limites e supervisionem o uso de telas. “O primeiro ato de educar um filho é o exemplo. Quando o adulto age com equilíbrio, ensina que o exagero faz mal”, aconselha.
Estar verdadeiramente com os filhos, ter diálogo e deixá-los brincar são atos extremamente benéficos em longo prazo. “Essas crianças têm melhor desempenho acadêmico, conversam mais e têm bons comportamentos. No geral, são mais pacientes e empáticas. Sem contar que os níveis de indisciplina são mais baixos porque conhecem regras e valores”, destaca.
Adultos devem ficar alertas
Para os adultos, o uso excessivo de telas muitas vezes está ligado ao trabalho, mídia social e entretenimento. No entanto, com a ideia de se atualizar ou não perder uma notificação importante, entra-se em um círculo vicioso: acorda-se, verifica-se os e-mails, em seguida, as redes sociais e, logo depois, os noticiários. Antes mesmo de começar a trabalhar ou estudar, o cérebro recebe tantas informações que a pessoa já está esgotada.
Outro ponto relevante é que não se consegue mais vivenciar o tédio, há sempre o estímulo de prazer, assistindo à televisão ou rolando a tela do celular. Então, é necessário multiplicá-los, como alerta o vice-presidente do Sinepe-PR, já que os jogos e os feeds são programados pelos algoritmos para se adequarem à sua experiência. “A chance de continuar vendo cada vez mais assuntos que interessam é muito grande, e a tendência do cérebro é esgotar-se rapidamente”, alerta.
Estar constantemente on-line prejudica as relações interpessoais, pois está diminuindo a troca de experiências, o contato presencial e o novo aprendizado, além de reduzir o estímulo da afetividade, do humor e da prevenção de depressão e ansiedade.
Equilíbrio para o caminho digital saudável
Para as crianças, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento, estabelecer limites claros de tempo de tela e promover atividades físicas e interações sociais fora da tela são essenciais para o desenvolvimento saudável.
O adulto precisa tornar o passeio pela Times Square uma experiência positiva e leve. O primeiro passo é reconhecer que também sofre os riscos associados ao excesso de dispositivos eletrônicos e adotar estratégias para promover um equilíbrio saudável no uso de telas diariamente.
Não são somente quadros emocionais, veja outros impactos do uso prolongado de telas em adultos:
Saúde visual:
– Síndrome da Visão de Computador: olhos secos, visão turva, dores de cabeça e cansaço ocular afligem entre 50% a 90% das pessoas que trabalham em frente a um computador.
– Miopia: a prevalência de miopia tem aumentado em relação ao aumento do tempo de tela.
Distúrbios do sono
– Luz azul: a luz emitida por telas de smartphones, computadores e tablets pode interferir na produção de melatonina e dos hormônios do sono. O uso de dispositivos eletrônicos antes de dormir está associado a uma pior qualidade do sono.
– Insônia: a exposição à luz azul antes de dormir pode retardar o sono em cerca de 3 horas, resultando em insônia e redução da qualidade do sono.
Problemas posturais e musculoesqueléticos:
– Text neck: refere-se à dor e às lesões na coluna cervical causadas pela tensão excessiva da cabeça ao usar dispositivos móveis. A articulação da cabeça em 15 graus coloca cerca de 12 quilos de pressão na coluna cervical.
– Lesões por Esforço Repetitivo (LER): trabalhar em computadores por longas horas pode levar a LER, incluindo síndrome do túnel do carpo e tendinite.