Saiba mais sobre a importância do apoio espiritual e do apoio emocional para o cuidado com a saúde, sobretudo na reta final da vida
Em suas palavras, como você define saúde? Você é daqueles que gostam de pensar nisso de maneira holística? Se respondeu que sim, então está em sintonia com a Organização Mundial de Saúde. Desde 1998, a OMS enfatiza que saúde é um estado dinâmico de completo bem-estar físico, mental, espiritual e social. Um conceito amplo, que convida a olhar o ser humano em sua totalidade, pois não se trata meramente da ausência de doença ou enfermidade. E sim de uma combinação de vários aspectos.
A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), por exemplo, desde 2019 incluiu o fator espiritual em seus documentos sobre prevenção, dando visibilidade aos estudos mais recentes que abordam a relação entre espiritualidade e medicina. A instituição publicou, inclusive, as Diretrizes Brasileiras sobre Espiritualidade e Fatores Psicossociais. Entre outros benefícios, as pesquisas apontam melhor adesão farmacológica e nutricional no controle de colesterol, hipertensão, diabetes e obesidade entre pessoas que mantêm práticas como meditação e oração. Ou seja, para além dos significados atrelados ao propósito de vida e relações transcendentais, falar de espiritualidade também é ciência.
Para demonstrar como o apoio espiritual e o apoio emocional fazem diferença na jornada de pacientes em tratamento na Unimed Paraná, três integrantes da equipe de Cuidados Continuados compartilham seus conhecimentos e experiências: o responsável pelo serviço de Capelania e duas psicólogas que atuam no gerenciamento da assistência aos pacientes e familiares e no fortalecimento de vínculos entre os beneficiários e os profissionais.
O que é a Capelania?
Em essência, a Capelania é um trabalho de assistência espiritual, desenvolvido por meio de visitas, mensagens, aulas, aconselhamentos e acompanhamento diante de situações especiais.
O capelão Marcel Antunes da Silva, que também colabora em programas de gestão em saúde, explica que esse é um ofício personalizado, construído com respeito às crenças e necessidades de cada paciente. E que envolve muita observação e escuta ativa, inclusive do contexto familiar, para então acolher e dar suporte diante de dores, anseios e medos espirituais.
Existem protocolos sim, mas não há uma receita de bolo. Primeiramente, é preciso conhecer qual é a relação do indivíduo com o divino. E qual é o lugar (ou não lugar) da espiritualidade ao longo da sua vida. “Assim conseguiremos dar abertura de como ele gostaria de lidar com essa relação no momento e contexto que está vivenciando, pois quando nós falamos em saúde, estamos também falando desses elementos espirituais”.
O serviço de Capelania é orientado pelas disposições da Lei n° 9.982, de julho de 2000, que trata da prestação de assistência religiosa nas entidades hospitalares públicas e privadas, bem como nos estabelecimentos prisionais civis e militares.
Apoio espiritual: um serviço que vai além da religião
Para quem acha que a Capelania está atrelada a uma religião específica, Marcel da Silva esclarece que esse é um serviço inter-religioso. Que não tem como foco a propagação de uma religião ou denominação religiosa, mas sim o acolhimento de quem está passando por um momento difícil. “É extremamente importante saber e respeitar as bases espirituais e doutrinárias das religiões e correntes filosóficas, o significado da vida, da morte e do morrer diante delas”, salienta.
A assistência espiritual que ele realiza é aberta a toda a comunidade hospitalar (pacientes, acompanhantes e profissionais de saúde), sendo a pessoa religiosa ou não. “Pelo fato de ainda ser um trabalho pouco conhecido, principalmente no Brasil, inicialmente muitos familiares, e até mesmo o próprio paciente, ficam receosos em receber a visita, seja no ambiente hospitalar ou na residência, achando que o capelão vai tentar mudar seus pensamentos e conceitos sobre religião. Porém, quando abordamos o conceito de espiritualidade e não religiosidade, a conversa acaba sendo mais produtiva e a receptividade e aceitação melhoram. Todos os casos que realizamos abordagem espiritual tiveram um desfecho muito positivo”, conta Marcel da Silva.
Nesse sentido, o apoio espiritual também pode ser um recurso para reforçar as bases emocionais do paciente, ao abordar o sentido da vida e do sofrimento humano presente no processo de adoecimento. Além disso, é uma alternativa para quem não tem mais a possibilidade de ir até o ambiente que costumava frequentar para isso: casa de oração, templo religioso ou outro local onde buscava apoio espiritual.
Reflexões profundas sobre a vida
Para quem recebe Cuidados Continuados, a atenção ao cuidado espiritual torna-se mais contínua. Tendo em vista que, em geral, esse paciente já percorreu diversas fases de aceitação ou não aceitação de sua condição. E, muitas vezes, devido aos tratamentos, perde sua autonomia e precisa mudar drasticamente sua rotina.
Sem dúvida, a experiência de receber o acompanhamento da Capelania traz à tona muitas reflexões profundas, o que diz muito sobre a responsabilidade e o comprometimento de quem exerce esse papel. “Diante das angústias e da necessidade de ‘arrumar a casa’, o paciente fz uma retrospectiva do que considera ter sido mais importante na vida e o quanto se dedicou a isso”, relata Marcel da Silva. Inclusive, em muitos casos, o paciente encontra no capelão uma autoridade e um apoio espiritual que está ali para compreendê-lo e ajudá-lo a se libertar de suas angústias.
Olhar sensível e multidisciplinar
Para colocar em prática a visão de saúde integral, como sugere a OMS, além de psicólogos e capelães, outros profissionais da Unimed Paraná também estão à disposição dos pacientes.
“O trabalho bem-sucedido de Capelania se dá enquanto permanece de mãos dadas com outros profissionais (equipe multidisciplinar). É necessário ter sensibilidade e enxergar além das dores físicas. Tenho muita sorte em trabalhar com o apoio de uma equipe maravilhosa, em que todos sabem qual é o seu papel e o momento certo da atuação individual de cada um. Sabendo que o principal beneficiado é o paciente”, enfatiza o profissional.
Escuta e acolhimento de temas difíceis
De acordo com as psicólogas Vitória Cordovil de Almeida e Daniele Rabelo Batista Castro, ter um profissional da psicologia quando a pessoa está doente, sobretudo no cenário de Cuidados Continuados, é de extrema importância. Isso porque o indivíduo se depara com um tema ainda estigmatizado pela sociedade: a finitude. Sua própria morte ou de alguém que ama.
“O paciente em Cuidados Paliativos tem uma doença que ameaça a vida e isso muda toda a estrutura prévia, rotina, papéis familiares e sociais, etc. Também traz medos e incertezas em relação ao futuro. O psicólogo pode atuar amenizando o sofrimento e sendo um profissional de apoio em um momento de vida tão delicado”, afirma Daniele Castro. E quando ocorre o óbito, merece destaque também a escuta e o acolhimento ao luto de quem fica.
Assim como no caso da Capelania, a receptividade a esse cuidado emocional varia de indivíduo para indivíduo. “De maneira geral, vemos que muitas pessoas buscam ajuda psicológica por desejar e necessitar falar de temas delicados que, às vezes, os familiares não estão prontos para ouvir ou a pessoa não se sente confortável em compartilhar com pessoas próximas”, relata Vitória.
De agosto a novembro de 2022, a área de Psicologia dos Cuidados Continuados, alocada na Unimed Federação do Paraná, no Tarumã, em Curitiba, realizou 318 acolhimentos via telefone, cinco visitas domiciliares e 11 atendimentos pós-óbitos.
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Algumas pessoas encontram o acolhimento que necessitam na equipe de Psicologia. Outras no serviço de Capelania. Por isso, Vitória também reconhece o papel do capelão ao oferecer acolhimento espiritual. “Muitas vezes, são dissolvidas e resgatadas questões espirituais da pessoa e da família, como se fosse um espaço de desenlace, desatador de nós, reforçador de laços de amor e despedidas também”, observa.
Estereótipos em transformação
Vale considerar ainda o impacto do enfrentamento ao coronavírus nos últimos anos. “A pandemia trouxe, para todos nós, uma realidade até então nunca vivenciada em massa pela nossa geração, no nosso século: a ameaça da morte por um ser invisível (vírus)”, destaca Vitória.
A psicóloga conta que, nesse período, a clínica estava cheia de demandas relacionadas ao medo da finitude da vida. Assim como os hospitais, que recebiam pessoas com falta de ar, mas que não tinham positivado para o Covid. “Era angústia. E, diante disso, podemos dizer que as pessoas passaram a olhar o psicólogo não como um profissional do louco, mas de quem sofre”, destaca.
Aos poucos, uma parcela cada vez maior da população se abre ao acompanhamento psicológico. Bem como a outras formas de acolhimentos emocional e espiritual, conforme o que faz sentido no momento e proporciona bem-estar. Tanto para lidar com situações de sofrimento, em um apoio espiritual e emocional, quanto de adaptação a novas realidades.
Relato do capelão: uma história de amor e acolhimento
“Fui avisado que sairíamos para uma nova visita. O contexto familiar seria: o pai, em processo paliativo, a mãe com Alzheimer e a filha que cuidava dos dois.
Na reunião de equipe, fiquei sabendo que o marido costumava cantar, então decidi levar o meu violão e proporcionar uma experiência agradável para ele. Chegando na residência do paciente, perguntei para a esposa o que eu poderia tocar para alegrar o dia dela. E ela respondeu: “Índia”. Nesse momento, para o meu espanto, a filha emocionada me disse que a mãe muitas vezes não reconhecia o marido deitado na cama, mas que essa era a música que ele costumava cantar para ela.
Confesso que não conhecia a música. Quando comecei a tocar, perguntei para a esposa se poderia me ajudar cantando. Imediatamente, ela começou a cantar! Todos admiramos o olhar carinhoso que ela direcionava para o marido deitado na cama. A impressão que tínhamos é que, naquele momento, ela se lembrou e cantou a música que seria uma declaração de amor, especialmente para ele. E foi incrível.
Em um retorno à casa daquele mesmo paciente, a assistente social teve a sensibilidade de enxergar a necessidade de uma nova visita para abordagem espiritual.
Discutimos o caso com a equipe e após autorização da família, fomos eu e a psicóloga para o atendimento domiciliar. Conseguimos acolher as dores tanto emocionais como espirituais, dando o suporte necessário para a filha que necessitava de um acolhimento especial e também para o próprio paciente. Preparei uma mensagem que falava da família, pois em nossa conversa anterior, observei que se tratava de uma família muito unida. E de amor, mencionando que a maior conquista e riqueza do paciente foi conseguir ver seus filhos e netos muito bem encaminhados.
Tivemos um desfecho inesperado. Após nossa conversa, a filha pediu que eu realizasse uma prece para que o pai ficasse tranquilo. A família toda estava grata por tudo que ele havia ensinado e que ele poderia se sentir em paz para partir. Conforme a vontade da filha, realizei a oração. E, logo após sairmos, o paciente veio a falecer.
Podemos tirar a conclusão do quão importante é prestar o atendimento espiritual, pois muitas vezes as incertezas e dores da alma são aquelas que nos prendem. Ou, então, não permitem que fiquemos tranquilos para partirmos em paz, sem saber que tudo vai ficar bem. Afinal, lidar com a esperança em meio à dor do processo de finitude envolve também a família que fica. É muito gratificante quando podemos levar esse conforto e tranquilidade”.
Marcel Antunes da Silva
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