“Já não sabia mais o que fazer/Pra eu gostar de mim, me aceitar assim”, Eu me amo – Ultraje a rigor.
A música do grupo Ultraje a Rigor, lançada na década de 1980, fala de algo muito simples e complexo: a capacidade de amor a si mesmo, a velha e tão propagada autoestima. No dicionário, o termo é definido como a “qualidade de quem se valoriza, se contenta com seu modo de ser e demonstra, consequentemente, confiança em seus atos e julgamentos”.
Autossabotagem: o inimigo está dentro
Muita gente ainda confunde uma boa autoestima com um excesso de egocentrismo e zelo por si mesmo. Não é. Pelo contrário. Isso também pode denotar uma autoestima frágil. Uma boa autoestima é a gente estar em paz com a gente mesmo. Gostar de quem somos, sem perder a consciência de que sempre podemos melhorar. É gostar da nossa companhia e, portanto, também da companhia alheia, mas sem o desespero de não conseguir ficar sozinho por um lado ou manter-se, nocivamente, isolado, por outro.
Em artigo “O que é? E como elevar a autoestima”, do blog Psicanálise clínica, o autor reforça que a baixa autoestima caracteriza pessoas inseguras, com o hábito de se comparar às outras e uma dificuldade imensa em aceitar os próprios erros. Elas não conseguem reconhecer e valorizar seus potenciais e, por isso, acabam desenvolvendo um grande medo da rejeição. Pessoas com autoestima muito deficiente não se sentem capazes de realizar nada, podendo, inclusive, perder inúmeras oportunidades em vários âmbitos da vida.
Sinais de alerta
É normal que todos nós tenhamos altos e baixos, no entanto, quando a autodesvalorização é uma constante em nossa vida, seja em que área for, é preciso prestar atenção. Uma autoestima baixa também pode implicar outros problemas, como a própria depressão. De qualquer forma, ela jamais deve ser ignorada. Perfeccionismo exacerbado, dificuldade em dizer não, dureza consigo, não aceitar suas próprias limitações, ansiedade frequente, timidez exagerada, tendência à procrastinação e à preguiça, medo de crítica e de rejeição, dificuldade em comemorar vitórias, são alguns dos sinais de alerta.
Para a psicóloga Junguiana, Sônia Lunardon Vaz, a competitividade em exagero, própria de nossos tempos, as exigências constantes do dia a dia colaboram para fragilizar nossa autoestima. Entretanto, boa parte dela foi cultivada na infância. É ali que definimos, em grande medida, os adultos que seremos. Uma boa autoestima garante bem-estar, gera satisfação na nossa vida, nas nossas relações, nos nossos trabalhos, na consciência daquilo que depende de nós e daquilo que não depende. Por outro lado, uma autoestima fraturada gera angústia, ansiedade contínua, necessidade exagerada de agradar o outro, mesmo em prejuízo de si mesmo.
O artigo que citamos, anteriormente, corrobora com o que Sônia diz, a autoestima não nasce com o indivíduo. Ela se molda de acordo com as experiências que vamos adquirindo da vida. E as fases da infância e da adolescência são muito importantes para a formação dessa autoestima. Alguns acontecimentos podem nos marcar, bem ou mal, para sempre. Coisas como castigos e negligências frequentes, abusos, normas parentais severas, intimidação e boicote, estar na extremidade receptora do estresse ou do desespero de alguma outra pessoa, falta de elogios, calor e carinho e preconceitos, entre outros, podem detonar com a autoestima de um indivíduo.
O terapeuta Jorge Salum concorda e reforça que a autoestima “está ligada à auto aceitação e também tem a ver com o autoconhecimento. É esse olhar e gostar da gente mesmo”. Entretanto, o ser humano tem tantas facetas, que uma pessoa pode ter uma boa autoestima numa determinada área da vida e não ter em outra. “Por isso, a autoestima diz respeito a quanto eu gosto de mim em relação ao meu jeito de maneira geral; a quanto eu gosto de mim em relação ao meu corpo e também quanto gosto de mim como profissional, como pai, como filho, como cidadão. O quanto eu gosto de mim no meu relacionamento afetivo, etc.” , explica
Veja alguns exercícios para a autoestima
Autoconhecimento
Salum destaca que uma pessoa pode ter uma boa autoestima, uma certa segurança, em relação ao seu trabalho, mas pode não gostar de si em outros aspectos da vida: como pai e/ou como cidadão, por exemplo. “Dificilmente, alguém vai ter uma autoestima 100% em todos os aspectos da vida”, afirma o terapeuta. Ele explica que por trás de todo problema de autoestima, geralmente, há a culpa. Quando nos sentimos culpados, nos sentimos errados, nos criticamos, nos julgamos. Isso não significa que devemos ser indulgentes com a gente o tempo todo. No entanto, é preciso ver as nossas dificuldades como desafios a serem superados e não como definição de quem somos e motivo para nos açoitarmos.
Para identificar se temos uma boa autoestima ou não, Salum orienta que observemos dois pontos, importantes, e opostos, nessa área. Eles podem ser percebidos por meio do autoconhecimento e da auto-observação. “Se eu tenho tendência a ter pensamentos negativos e persistentes em relação a mim mesmo, pensamentos que me julgam e me criticam em relação a aspectos do meu ser, isso já é um sinal. Por outro lado, se essa baixa autoestima está inconsciente, a minha tendência será super compensar. Como? Através de discursos do tipo ‘o quanto eu sou bom’…”, avalia Salum.
Quem nunca ouviu indivíduos, à sua volta, cantando aos quatro ventos o quanto é bom nisso ou naquilo? O quanto é bonito, bom pai ou boa mãe, bom chefe/ líder, bom filho ou boa filha? Ou, ainda, o super profissional que é, o status que possui, o quanto tem de dinheiro, etc.? “Sempre que estou falando de mim, das minhas qualidades, das minhas situações, em que nem havia necessidade de se falar nisso, sempre que estou afirmando para as outras pessoas, na verdade, estou tentando reafirmar para mim mesmo essas coisas em que quero acreditar”, destaca.
O terapeuta enfatiza que quando necessitamos reafirmar para nós mesmos e para as outras pessoas algo, é porque isso dentro da gente está comprometido. Essas questões de insegurança extrema ou super compensação são o que comumente se traduz por complexos de inferioridade e superioridade. O primeiro composto por pensamentos negativos, de autocrítica e autojulgamento severos por nós mesmos. O segundo, por reafirmações de aspectos positivamente “excepcionais” de nós. O que pode nos levar à arrogância e ao egocentrismo.
Olhar para dentro
Sonia complementa lembrando que todos nós temos ambos os complexos. “Nossa responsabilidade está em fazer uma composição entre ambos para não cair nem de um lado e nem de outro, nem na deflação do ego e nem em sua inflação”, lembra. Segundo a psicóloga, é importante ter em conta que sempre que se fala em autoestima a palavra remete a uma visão de si mesmo, a um autocentralismo. “Numa sociedade como a nossa que valoriza por demais a aparência e a superficialidade, muitas vezes, a autoestima, esse gostar de si mesmo, é confundido. Entretanto, para gostar de si mesmo se faz necessário se conhecer, se aceitar, e, entre outras coisas, se perceber como parte da própria Natureza, de modo a se ver nela”, aduz Sônia.
Muitas vezes, as pessoas têm medo de buscar ajuda. Reconhecer e buscar ajuda é o primeiro passo para a cura, em qualquer situação. No campo da autoestima não é diferente. Há inúmeras abordagens de terapias que podem ajudar as pessoas em seus momentos de fragilidade psíquica e emocional. Desde as terapias mais tradicionais até as que trabalham aspectos como vidas passadas, florais, etc. O mais importante em todas é a ponte que podem estabelecer na jornada interna de cada um. “É um olhar para dentro. Nós terapeutas valorizamos muito isso, fazemos muito isso. E isso é fundamental para a gente se perceber”, diz Salum. Esse olhar, entretanto, exige esforço, desejo.