Em média, a população brasileira passa 16 horas acordada e 57% desse tempo em frente à tela do computador ou do celular. O levantamento foi realizado pela empresa Electronics Hub, especializada em conteúdos sobre tecnologia. A pesquisa apontou, ainda, que o Brasil fica atrás apenas da África do Sul, ocupando o segundo lugar no tempo de exposição às telas.
A pergunta que fica: qual é a motivação de passar horas irrestritas consumindo informações, curtindo ou postando algo? “Cada notificação, seja uma mensagem de texto, uma ‘curtida’ no Instagram ou uma notificação do Facebook, tem o potencial de ser um estímulo social positivo e um influxo de dopamina, levando o usuário a permanecer na plataforma ou repetir esse comportamento várias vezes ao dia”, explica a neurologista Natalia Trombini Mendes.
Alguns estudos mostram equivalência ao consumo de drogas e um potencial risco de dependência, como pontua Natalia. “Embora não ocorra de maneira tão intensa como ao consumir cocaína, já foi demonstrado que estímulos sociais positivos, como mensagens de afeto, reconhecimento e rostos sorridentes, ativam de maneira semelhante vias de recompensa dopaminérgicas, fortalecendo o comportamento que o precedeu. Os smartphones e redes sociais nos proporcionaram um suprimento virtualmente ilimitado de estímulos sociais”, compartilha a neurologista.
Portanto, esse comportamento acaba comprometendo a integridade da saúde global das pessoas. “Em longo prazo, o comportamento vicioso nas redes sociais pode ter consequências negativas, incluindo, o desenvolvimento de transtornos ansiosos e depressivos, seja pela baixa produtividade ou pela constante comparação com modelos não realistas de vida e baixa autoestima. Durante as consultas, procuramos sempre compreender a rotina do paciente e buscar ativamente a interferência do excesso da exposição à tecnologia com o desenvolvimento desses sintomas”, destaca Natalia.
Assim como ocorre diante de outros vícios, existe uma busca contínua pela sensação de prazer e satisfação gerados pela liberação da dopamina no corpo que leva à repetição do comportamento que antecedeu o excesso. Porém, existem consequências para cada sensação de prazer e a baixa pode se traduzir em irritabilidade, ansiedade, depressão e insaciabilidade.
“O cérebro passa a precisar de doses maiores ou mais tempo para obter a mesma sensação das primeiras vezes. Os atrativos da internet e a tecnologia digital massificaram e banalizaram a dinâmica dos disparos da dopamina e da compulsão. É o acesso facilitado a muita novidade em qualquer hora. Até as notícias são uma espécie de droga, gerando a percepção de que o mundo está modificando a todo instante e que precisamos acompanhar”, destaca a neurologista Ester London, do Hospital Vita Batel de Curitiba (PR).
Esse movimento de entorpecimento é também uma busca por eliminar qualquer sentimento negativo, segundo Ester. “A ideia de eliminar a dor a qualquer custo pode acabar trazendo prejuízo para sociedade, uma vez que a fuga automática de desconfortos da vida nos priva das experiências fundamentais para nos fortalecer a encarar os desafios futuros. Seja dor emocional, espiritual ou física”, explica.
Rumo ao equilíbrio
O professor do curso de psicologia da UniCuritiba Guilherme Alcântara Ramos destaca como principal desafio o fato de a tecnologia ser muito acessível. “As tecnologias são ferramentas, e sua consequência dependerá do uso empregado. Proponho que cada pessoa pense sobre como ela pode contribuir para os projetos, expectativas e sonhos. O grande risco é exagerar só considerando aquele tempo imediato, sem nenhum vínculo com resultados de valor maior que efetivamente vão trazer qualidade de vida, bem-estar e sucesso, conforme a pessoa planeja e busca para si mesma”, pontua Ramos.
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Para minimizar os impactos emocionais e relacionais, o professor orienta que, se possível, seja delimitada a exposição. “Existem muitos aparelhos com recursos de bem-estar que permitem monitorar o uso ou aplicativos com essa função. Fazer o bloqueio pode ser interessante para quem não consegue controlar ou deseja gerenciar os acessos. Isso deve ser feito de forma gradual, pois se você já tem um hábito muito forte, fazer uma grande restrição pode dificultar. E, ao não conseguir, vem a frustração e a desistência”, orienta o professor.
CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DO EXCESSO OU FALTA DE DOPAMINA NO CÉREBRO
Confira a seguir como o organismo reage diante das variações causadas por esse neurotransmissor
A tabela a seguir foi elaborada com o auxílio do neurologista do Hospital Edmundo Vasconcelos (SP) Carlos Bosco, que reforçou: “A dopamina é apenas um dos muitos neurotransmissores que desempenham papéis vitais no funcionamento do cérebro e do corpo, e sua regulação é um processo complexo e interconectado.” Ela é produzida em várias regiões do cérebro, e a área substância nigra é uma das principais responsáveis. Esse processo envolve várias etapas bioquímicas complexas e, entre suas funções, estão regulação do humor, controle de movimento, cognição e aprendizado, função endócrina e regulação do comportamento.
FALTA DE DOPAMINA
- Doença de Parkinson: a principal causa da doença de Parkinson é a morte progressiva de células produtoras de dopamina na substância nigra. Isso leva a um déficit de dopamina no cérebro, resultando em tremores, rigidez muscular, bradicinesia (movimentos lentos) e dificuldade de coordenação motora.
- Depressão: embora a depressão seja uma condição complexa que envolve vários fatores, a redução nos níveis de dopamina no sistema de recompensa do cérebro pode estar relacionada à falta de interesse, motivação e prazer, sintomas comuns da depressão.
- Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH): está associado a níveis reduzidos de dopamina em certas áreas do cérebro que regulam a atenção e o controle impulsivo, o que pode contribuir para sintomas como dificuldade de concentração e hiperatividade.
- Distúrbios de Ansiedade: uma vez que a dopamina desempenha um papel na regulação da resposta ao estresse e na modulação do sistema nervoso simpático, pode estar relacionada a certos tipos de distúrbios de ansiedade.
- Anedonia: incapacidade de sentir prazer em atividades que normalmente seriam gratificantes, está associada à redução nos níveis de dopamina.
EXCESSO DE DOPAMINA
Esquizofrenia: um excesso de atividade dopaminérgica em certas áreas do cérebro está associado à esquizofrenia, um distúrbio psiquiátrico caracterizado por distorções no pensamento, percepções anormais e alterações no comportamento.
Comportamento Compulsivo e Vício: níveis elevados de dopamina podem contribuir para comportamentos compulsivos e vícios, uma vez que estão ligados ao sistema de recompensa do cérebro. Isso pode incluir dependência de substâncias, como drogas e álcool, e comportamentos como a compulsão por jogos de azar.
Psicose e Delírios: excessos extremos de dopamina podem contribuir para sua ocorrência, levando a uma desconexão com a realidade e a crenças falsas ou irracionais.
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