Efeitos da ansiedade no corpo e na mente

Veja as principais causas, como reconhecer e lidar com os efeitos da ansiedade no corpo e na mente

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Entre risadas e lágrimas, muitas pessoas saíram dos cinemas emocionadas quando a animação “Divertida Mente 2” (2024), produção da Disney e da Pixar, apresentou a ansiedade como uma das emoções centrais na vida da adolescente Riley. De forma cativante, o filme ilustra como a ansiedade pode ser tanto uma resposta natural quanto um obstáculo, influenciando decisões e interações sociais. E gerou um sentimento de identificação e comoção em meio aos espectadores mundo afora.

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Vale lembrar que a ansiedade cumpre um papel no desenvolvimento humano. O psiquiatra Lincoln Andrade – que possui mais de 20 anos de experiência no manejo de crises nervosas, estresse elevado, transtornos de ansiedade, pânico e depressão – explica que essa é uma resposta natural do sistema nervoso. “A ansiedade natural serve para nos colocar em movimento”, destaca. Diante de uma situação nova ou um desafio, como realizar a prova de um concurso público por exemplo, essa “dose saudável” de ansiedade motiva a pessoa a estudar, a se preparar, sabendo que há outros concorrentes.

“A ansiedade se torna patológica a partir do momento em que a pessoa tem um sofrimento que a prejudica. Não consegue se concentrar, não consegue agir, tomar decisão, dormir. E precisa ser tratada”, afirma o psiquiatra.

O que acontece no corpo quando a ansiedade está em ação?

No processo evolutivo, a natureza preparou os seres humanos para que pudessem enfrentar situações de risco, como um animal perigoso, um inimigo natural, com respostas de luta, de fuga ou de congelamento. E a ansiedade ajuda na ativação desses mecanismos de defesa. “Para correr ou enfrentar um animal selvagem, nós temos que ter energia e uma resposta muscular extremamente rápida e potente. Então o sistema nervoso vai ativando todo o organismo para enfrentar uma batalha: aumenta a frequência cardíaca, a força de contração do coração, a frequência respiratória, mobiliza reservas de glicose para dar energia, movimenta células de defesa do organismo, de coagulação para a periferia do corpo para o caso de um ferimento. É uma resposta muito rápida que começa com uma injeção de adrenalina”, descreve o psiquiatra Lincoln Andrade.

Quanto maior a ansiedade, maior a ativação do sistema nervoso. Isso porque, quando é patológica, a ansiedade é interpretada pelo cérebro como um tipo de ameaça a ser enfrentada. “Se a pessoa fica nesses estados mais ativados por muito tempo, isso vai corroendo tanto a parte orgânica quanto a parte psíquica e emocional, causando dano”, ressalta o especialista.

Contexto brasileiro

No Brasil, a preocupação com a saúde mental é crescente. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 18 milhões de brasileiros sofrem com transtornos de ansiedade (9,3% da população). O que coloca o país no lugar mais alto do pódio global de incidência desse tipo de distúrbio.

Esses números têm a ver com muitos fatores. Entre eles, deve-se levar em consideração o contexto de um mundo super conectado, com excesso de informações, sobrecarga do sistema perceptivo por meio dos sentidos, correria do dia a dia, estresse urbano, trânsito, ruídos, poluição, violência, menor qualidade de sono e de alimentação. “Hoje, os estressores são principalmente psicológicos, como o risco do desemprego, dificuldades para conseguir sustentar a família, guerras”, observa o psiquiatra. Além disso, tem o impacto das redes sociais e da constante comparação com outras pessoas, sobretudo entre as gerações mais jovens.

Tendo em vista a quantidade de pessoas afastadas do trabalho ou com incapacidade laboral por questões de saúde mental, Lincoln Andrade chama a atenção para as condições dos ambientes profissionais, que por vezes são fatores tóxicos para o bem-estar. E que precisam ser revistos.

Seja qual for a causa de origem da ansiedade patológica, a melhora do indivíduo também passa por múltiplos fatores, incluindo hábitos mais saudáveis. E, dependendo do caso, ansiolíticos. “São medicamentos que protegem do excesso de estímulos estressores, então o sistema nervoso fica menos reativo e a pessoa consegue ter um pouco mais de paz”, explica o psiquiatra. No entanto, Lincoln enfatiza a importância de ter uma prescrição médica feita por um especialista em saúde mental. “Muitos profissionais de outras especialidades acabam recomendando esse tipo de psicofármacos em algum momento, sem ter o domínio da psicofarmacologia. E isso pode gerar alguns casos de dependência e uso desnecessário ou inadequado”, alerta.

Causas multifatoriais da ansiedade

Nos últimos anos, a psicóloga Lorena Veiga Jusi intensificou seus estudos sobre ansiedade, para auxiliar pacientes com esse perfi l, principalmente mulheres. A partir de seus conhecimentos e experiências, ela reforça que os quadros de ansiedade têm causas multifatoriais. Para termos de análise, as principais delas podem ser divididas em três tipos:

1) Causas biológicas
• Fatores genéticos (pessoas biologicamente mais sensíveis às ameaças do ambiente);
• Questões estruturais e químicas do cérebro (ex.: alterações no circuito da amígdala, níveis diminuídos de serotonina, noradrenalina e/ou dopamina).

2) Causas ambientais
• Uso de redes sociais em excesso;
• Tipos de trabalho que envolvem risco ou incertezas (por ex.: setor financeiro ou atendimento ao público);
• Dificuldades financeiras;
• Sobrecarga de trabalho com poucos momentos de descanso e lazer;
• Diminuição de fatores protetores (conexões sociais, sono de qualidade, atividade física com regularidade, hábitos alimentares saudáveis, contato com natureza e luz solar);
• Dificuldades em relacionamentos: conjugais, com familiares, amigos, etc.

3) História de vida
• Ter convivido com um familiar próximo que apresentava o comportamento ansioso, ou seja, ter tido um modelo familiar que ensinou a pessoa a se preocupar, ter um senso de urgência e tensão exagerados para situações cotidianas;
• Na infância e adolescência, ter vivido um sistema de regras muito rígidas em casa, muitas punições ou punições e recompensas inesperadas, o que gerava um clima de incerteza e imprevisibilidade;
• Ter tido dificuldades na escola, especialmente problemas de adaptação social;
• Ter vivido muitas privações, especialmente na infância e adolescência; crianças que não tiveram muitos momentos de lazer ou que foram criadas com grandes expectativas sobre seu desempenho;
• Situações de risco real graves: acidentes, assaltos, perdas inesperadas.

“Eu gosto de ressaltar que nenhum desses pontos pode ser apontado como causa única de um quadro ansioso e acho importante não ficar preso nas causas como fatores determinantes. Nada é escrito na pedra, e o mais importante é focar o que fazer no presente”, enfatiza Lorena.

Sinais de alerta

“Um ponto que ajuda a diferenciar a ansiedade normal da patológica é quando conseguimos identificar uma causa externa que justifica a reação de preparo. Observe se ela é proporcional, condiz com a realidade e cessa assim que a situação ou preparo adequado é realizado”, informa a psicóloga Lorena Jusi.

Para identificar a ansiedade patológica, são usados critérios de intensidade, frequência e nível de sofrimento. Com base na literatura científica e da prática clínica, a psicóloga elenca alguns sinais de atenção:

a. quando a preocupação é persistente e não conseguimos desligá-la, atrapalhando a concentração e o desempenho no trabalho ou no aproveitamento dos momentos de lazer;

b. quando há sintomas físicos muito intensos;

c. quando a pessoa sente um desejo intenso de fugir da situação;

d. quando há uma preocupação importante, que gera sofrimento, associada a riscos muito improváveis de acontecer (ex. medo de ser atingido por um raio), ou seja, o risco real é proporcionalmente muito menor do que o impacto emocional que ele gera;

e. medo excessivo de ser julgado em situações sociais.

Os sinais de alerta demonstram, ainda, que a ansiedade não se manifesta apenas por meio de sintomas físicos, mas também por sintomas mentais. “São casos, muitas vezes, insidiosos que demoram anos ou uma vida toda para serem diagnosticados. É comum, por exemplo, a pessoa apresentar preocupação excessiva e constante com questões do cotidiano, engatando uma preocupação na outra, e muitas vezes confundir isso com um traço de personalidade”, comenta Lorena.

Como lidar com a ansiedade e prevenir crises

Para quem identificou que está com ansiedade frequente e sente a necessidade de conter sintomas emocionais, Lorena Jusi oferece três dicas práticas para começar pelos cuidados com a saúde física. “Essas atitudes diminuem o estresse, geram relaxamento e comprovadamente ajudam na regulação emocional”, afirma.

  1. Ter uma rotina de horários para dormir e não dormir menos horas do que o seu corpo precisa.
  2. Colocar na semana atividades físicas ou momentos de mais movimento na rotina.
  3. Ficar atento à busca de alívio: em vez de comer por ansiedade ou buscar as telas, procure momentos de conexão com o seu corpo como exercícios simples de respiração, caminhadas, tomar um banho relaxante, etc.

Outra atitude é dedicar um tempo para avaliação da própria rotina, com o intuito de identificar pontos que estão gerando mais estresse e minimizá-los, com escolhas mais conscientes. “Priorizar os momentos de lazer, alimentar as relações sociais que fazem bem para a pessoa e organizar momentos de pausa e relaxamento são medidas que precisam ser planejadas e não deixadas para que aconteçam naturalmente”, recorda a psicóloga. E, se os sintomas persistirem, é importante procurar um profissional que trabalhe especificamente com ansiedade para fazer uma avaliação.

Como a terapia pode ajudar

“O tratamento psicológico específico ajuda a pessoa a lidar com os sintomas ansiosos e trata as causas subjacentes que mantêm os sintomas lá”, afirma Lorena. No processo terapêutico focado nesse transtorno, o paciente aprende a identificar o ciclo da ansiedade (quais pensamentos e situações são gatilhos para os seus sintomas), os primeiros sinais para agir antes do início da crise e técnicas para conter os sintomas físicos. Também desenvolve recursos para manejar pensamentos ansiosos, tornando-os mais realistas. Aprende a lidar com preocupações e com situações que envolvem incertezas e vai sendo estimulado, gradualmente, a lidar com as situações temidas. Além disso, no ambiente seguro da terapia, o indivíduo pode tratar questões mais profundas, como feridas, traumas anteriores, questões de autoestima, etc.

Esse processo mais completo faz muita diferença na qualidade de vida e na mitigação do sofrimento causado pelos transtornos de ansiedade. Principalmente, nos casos em que a pessoa não consegue tratar os sintomas sozinha. “Os medicamentos ajudam a conter a intensidade dos sintomas, mas não desenvolvem novas habilidades para lidar com os pensamentos ansiosos e sintomas físicos, nem tratam os motivos relacionados à história de vida e questões ambientais que produzem os sintomas”, pondera a psicóloga. Por isso, a terapia pode ser uma grande aliada nesse tratamento.

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