Elas já foram chamadas de bruxas, já ficaram na sombra enquanto os maridos levavam a glória pelas suas descobertas, já foram impedidas de pisar numa universidade… A história das mulheres na medicina é cheia de desafios.
No entanto, graças à persistência de algumas delas, hoje, outras têm livre acesso às salas de aula e às salas de cirurgia. Algumas das descobertas fundamentais para os tratamentos médicos atuais também foram feitas por mulheres que enfrentaram muitas barreiras para compartilharem seus conhecimentos e que ainda hoje não recebem o devido reconhecimento.
No entanto, nem sempre foi assim. Em sociedades antigas como a egípcia, a babilônica e até a chinesa, eram as mulheres que desempenhavam funções fundamentais como curandeiras e parteiras. Conhecedoras de ervas e remédios naturais, elas carregavam em si o conhecimento passado de boca em boca, uma tradição oral que salvava vidas quando a tecnologia (como conhecemos hoje) ainda estava ausente.
No Egito Antigo, por exemplo, mulheres como Merit Ptah, que viveu por volta de 2700 a.C., são reconhecidas como algumas das primeiras médicas registradas. Durante a Idade Média, as mulheres continuaram a contribuir para a medicina, muitas vezes em papéis não oficiais. As parteiras, por exemplo, salvavam vidas de muitas mulheres. Hildegard von Bingen, uma abadessa beneditina do século XII, por meio de seus escritos, trouxe contribuições significativas para a medicina, combinando tradições médicas com filosofia e teologia.
No Século das Luzes, o pensamento científico e filosófico começa a se separar da igreja e avançar em suas produções. Porém, as mulheres continuam excluídas da ciência. É só no século XIX que elas começaram a quebrar barreiras significativas na medicina. Elizabeth Blackwell, a primeira mulher a receber um diploma médico nos Estados Unidos, em 1849, abriu caminho para outras mulheres. Sua determinação e conquistas inspiraram muitas a seguir uma carreira na medicina, desafiando normas sociais e preconceitos de gênero. Sua luta não foi apenas pela aprovação acadêmica pessoal, mas lançou as bases para a formação de escolas de medicina femininas e maior aceitação de futuras médicas. Blackwell demonstrou que as mulheres podiam não somente participar, mas também liderar no campo médico.
Em paralelo, no Reino Unido, Florence Nightingale mudou a enfermagem com suas práticas sanitárias durante a Guerra da Crimeia. Conhecida como a “Dama da Lâmpada”, seu trabalho fomentou o desenvolvimento da enfermagem moderna e salientou a importância de um ambiente limpo no processo de cura.
Entretanto, não só as médicas fizeram contribuições importantes para a medicina. No fim do século, a física e química Marie Curie, junto ao seu marido Pierre Curie, descobriu a radioatividade, que lhe rendeu dois Prêmios Nobel e se tornou essencial no tratamento contra o câncer.
Foi só no século XX que as mulheres começaram a ocupar espaços significativos na medicina e na pesquisa científica. A Primeira e a Segunda Guerra Mundiais criaram oportunidades para que as mulheres atuassem como médicas, enfermeiras e cirurgiãs, devido à escassez de homens. Essas experiências ajudaram a solidificar a presença das mulheres na medicina, mesmo após o fim das guerras.
Nesse período, Gerty Cori ganhou o Nobel de Medicina, em 1947, pela descrição do Ciclo de Cori sobre o metabolismo dos carboidratos — uma descoberta que ajudou a desenrolar processos vitais nos funcionamentos energéticos das células. Na Itália, Rita Levi-Montalcini ultrapassou normas cerceadoras, continuando suas pesquisas sob o regime fascista. Sua descoberta do fator de crescimento nervoso (NGF) rendeu a ela o Nobel em Fisiologia ou Medicina, revelando novos entendimentos sobre a neurobiologia que continuam a impactar a ciência médica e o entendimento sobre o mal de Alzheimer.
E, ainda, mulheres como Helen Brooke Taussig, uma das fundadoras da cardiologia pediátrica, e Virginia Apgar, criadora do famoso índice Apgar (responsável por reduzir drasticamente o nível de mortalidade infantil em todo o mundo), fizeram contribuições inestimáveis para a medicina e para a saúde pública. Elas provaram que as mulheres eram não apenas capazes, mas muitas vezes inovadoras em suas abordagens médicas.
Brasileiras na medicina
No Brasil, pioneiras como Nise da Silveira e Zilda Arns Neumann moldaram o cenário da saúde e colaboraram muito para a qualidade de vida da população brasileira. Nise, com seus métodos humanistas em psiquiatria, desafiou práticas preconceituosas vigentes na sua época, como a lobotomia e o eletrochoque, e abraçou métodos baseados em terapia ocupacional e contato empático.
Já Zilda Arns, com uma premissa prática e maternal, foi instrumental na difusão do uso do soro caseiro e no estabelecimento de medidas simples e economicamente viáveis para reduzir a mortalidade infantil. Sua devoção e técnicas à frente da Pastoral da Criança impuseram um modelo de prática médica que transcendia o campo hospitalar até a base da comunidade, integrando ação direta e educação.
O cenário hoje
exerceu a profissão no país
Hoje, a medicina é um ambiente muito mais inclusivo para as mulheres — e a tendência é melhorar. Segundo dados do Conselho Federal de Medicina, 49% (267,7 mil) dos médicos no Brasil em 2023 eram mulheres. O número representa um crescimento significativo em comparação a décadas anteriores. Em 2011, a categoria contava com 141 mil profissionais do sexo feminino. Para o futuro, a perspectiva é que ocorra um crescimento previsto de 118% de mulheres médicas até 2035.
Mesmo com um cenário positivo, no entanto, ainda há muitos desafios a serem superados, como a desigualdade salarial e a falta de representatividade feminina em especializações como a cirurgia e a cardiologia, tradicionalmente masculinas. Por isso, é importante que faculdades, hospitais e profissionais da saúde em geral continuem trabalhando para garantir espaço para as mulheres dentro da medicina — um passo fundamental para uma saúde mais inclusiva, diversa e humana.