Conhecido como “salvador das mães”, Ignaz Semmelweis reduziu drasticamente a mortalidade de parturientes apenas lavando as mãos. Mesmo assim, ele não era bem visto por seus colegas, que achavam a prática uma perda de tempo
Imagine duas salas obstétricas dentro de um mesmo hospital. Ambientes parecidos. Cuidados semelhantes. Mas uma diferença importante: em uma, a taxa de mortalidade materna por febre puerperal – uma infecção pós-parto que começa no útero e se espalha pelo corpo – era de 11,4%. E na outra, 2,8%. Tamanha disparidade tinha um motivo, mas qual? Foi essa pergunta que o médico húngaro Ignaz Semmelweis se propôs a responder em 1846, quando começou a trabalhar no Hospital Geral de Viena. Ele era assistente do professor Johann Klein, responsável pela sala com a taxa de mortalidade mais alta.
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Cada sala funcionava como um laboratório de aprendizagem. No espaço comandado pelo doutor Klein, os alunos eram estudantes de medicina. Já no ambiente do professor Bartch, as alunas eram parteiras. Outro ponto é que cada instalação só recebia pacientes a cada 24 horas. Ou seja, as grávidas não tinham escolha. Dependendo do dia e da hora em que chegassem ao hospital, seriam encaminhadas para a sala do doutor Klein e, como era de conhecimento geral, teriam mais chances de morrer. A suspeita, na época, era que isso acontecia porque os estudantes de medicina, todos homens, eram mais brutos do que as parteiras ao tratar as pacientes. Mas Semmelweis não acreditava nisso e decidiu investigar.
“Semmelweis procura, elabora hipóteses, compara. Mas nada se sustenta. Ele nota que as parteiras fazem as mulheres dar à luz numa posição diferente daquela utilizada pelos futuros doutores. Mas ele não consegue discernir a causa da febre. Talvez uma epidemia nas instalações do doutor Klein? Não há nenhuma. Ele supõe que os locais do serviço de Klein sejam mais úmidos, mais pútridos que aqueles de Bartch; mas, objetivamente, não há diferença, ou então pouquíssima!”, conta Jean Noël Fabiani no livro “30 histórias insólitas que fizeram a medicina”.
A investigação não agradou muito à chefia, mas seguiu em frente. E foi a morte de um professor de anatomia que ajudou a desvendar o mistério. O homem se feriu com um bisturi durante uma autópsia, pegou uma infecção generalizada e acabou indo à óbito. Semmelweis percebeu que os sintomas e as lesões eram parecidas com a das pacientes que morriam por febre puerperal. O alerta acendeu! Afinal, todos os dias, antes de examinar as grávidas, Semmelweis e os futuros médicos dissecavam cadáveres. Era um trabalho necessário para entender a causa da morte dos pacientes, mas que era feito sem nenhuma condição de segurança e higiene. Ninguém usava luvas, e as mãos eram “limpas” somente no avental – que muitas vezes acabavam ficando com manchas de sangue, restos de tecidos e de tripas após as aulas. Ou seja, os médicos, com as mãos sujas de bactérias dos cadáveres, estavam infectando as grávidas durante o exame de toque. Daí a diferença entre a taxa de mortalidade entre as gestantes atendidas pelos estudantes de medicina e pelas parteiras. Os futuros doutores faziam autópsias, já as parteiras não.
Diante desse cenário, Semmelweis propôs que, ao sair da sala de autópsia, todos lavassem as mãos com uma solução de cloreto de cálcio. A medida foi adotada em meados de maio de 1847 e logo surtiu efeito. De abril a junho daquele ano, a taxa de mortalidade passou de 18,3% para 2,2%. Em julho, caiu para 1,2%; e em agosto, 0%.
Mesmo com os resultados inéditos e impressionantes, as observações do obstetra húngaro conflitavam com o entendimento da comunidade científica da época. Além disso, alguns médicos ficaram ofendidos com a ideia de que suas mãos fossem “impuras”, pois isso nada tinha a ver com o status de “cavalheiros” que tinham na sociedade.
“Semmelweis passou por momentos muito difíceis, especialmente depois de anunciar seu protocolo de lavagem das mãos e enfatizar a importância de limpeza. Acreditava-se que suas afirmações careciam de base científica, já que ele não poderia oferecer nenhuma explicação aceitável para suas descobertas. Tal explicação científica tornou-se possível apenas algumas décadas depois, quando a teoria do germe da doença foi desenvolvida por Louis Pasteur, Joseph Lister e outros”, afirmam os pesquisadores Ahmet Doğan Ataman, Emine Elif Vatanoğlu-Lutz e Gazi Yıldırım na publicação “Ignaz Semmelweis e a febre puerperal“.
Após alguns conflitos com o chefe, Semmelweis acabou voltando para Hungria, sua terra natal. Conseguiu um cargo de pouco prestígio e sem remuneração em um pequeno hospital de Budapeste, onde a febre puerperal era desenfreada. Com sua insistência no hábito de lavar as mãos e todos os instrumentos utilizados durante o parto, ele praticamente conseguiu eliminar a doença. De 1851, quando ele começou a o trabalhar no hospital, até 1855, apenas oito gestantes morreram por febre puerperal, o que corresponde a uma taxa de 0,85%.
Também em Budapeste, mesmo com bons resultados, as ideias de Semmelweis não eram bem vistas pela comunidade médica, o que o deixava incrédulo. Em sua principal obra, publicada em 1861, ele lamentou as críticas e a não adoção do seu protocolo de higiene.
“A literatura médica dos últimos doze anos continua a crescer com relatos de epidemias puerperais, e em 1854, em Viena, o berço da minha teoria, 400 pacientes de maternidade morreram de febre puerperal. Em publicações médicas, meus ensinamentos são ignorados ou atacados. A faculdade de medicina de Würzburg concedeu um prêmio por uma monografia escrita em 1859 em que meus ensinamentos foram rejeitados”, afirmou o médico no livro “Etiologia, Conceito e Profilaxia da Febre Puerperal”.
Semmelweis só foi compreendido anos mais tarde, ganhou até o apelido de “salvador de mães”. Mas não teve tempo de aproveitar os louros. Ainda em 1861, começou a sofrer com depressão e vários distúrbios nervosos. Foi internado à força em um manicômio, resistiu e foi espancado pelos guardas. Morreu duas semanas depois, com 47 anos de idade, devido a um ferimento na mão que gangrenou.
Hoje, além de selos e estátuas em homenagem ao húngaro, várias instituições carregam seu nome, como a Semmelweis University, em Budapeste; The Semmelweis Klinik, um hospital para mulheres em Viena, na Áustria; e o Hospital Semmelweis, em Miskolc, também na Áustria. Além disso, a casa dele virou um museu de história da medicina.