A prática da Medicina Baseada em Evidências alia o melhor em evidências científicas com a atividade médica cotidiana
O cuidado com a saúde exige a estruturação de um dos sistemas mais complexos e importantes da nossa sociedade. De um lado, pacientes ávidos pela cura. De outro, profissionais de saúde que podem oferecer o que essas pessoas precisam. E, ainda, sistemas públicos e privados que permitem que esse encontro aconteça. No entanto, há uma série de variáveis para o sucesso de um tratamento, como a visão dos médicos, a gestão de recursos, o engajamento dos pacientes e o financiamento desses sistemas, que podem facilitar ou dificultar o processo de cuidado.
É nesse cenário que surge um norte para os profissionais de saúde. Em 1990, o médico américo-canadense, David Sackett, cria a Medicina Baseada em Evidências (MBE), uma ferramenta para avaliar a eficácia das intervenções em saúde e terapias disponíveis com o objetivo de reduzir as incertezas no processo de decisão. Desde então, esse movimento se espalhou pelo mundo, nas várias especialidades médicas e profissões em saúde.
No entanto, não é só na evidência que a MBE se baseia. Além dos dados científicos, há outros dois pilares: a experiência clínica do profissional de saúde, ou seja, o conhecimento empírico adquirido no dia a dia de trabalho, além dos valores e preferências do paciente, que também são considerados no processo. “Eles trazem suas preferências e os profissionais as consideram, dentro das possibilidades disponíveis. Os pacientes estão cada vez mais informados dada a disponibilidade de conteúdo. Mas cabe ao profissional apresentar as opções, explicando seus benefícios, riscos e custos de cada uma delas”, explica o médico da área de avaliação de Tecnologias e Valor em Saúde, Luiz Henrique Picolo Furlan.
A MBE se mostrou relevante durante o auge da pandemia de Covid-19 com uma onda de desinformação em relação à doença, às vacinas e aos tratamentos. Segundo Furlan, ainda há o fato de as redes sociais terem dado voz para pessoas que não têm formação em saúde emitirem sua opinião. Uma das exigências para que um tratamento seja reconhecido é que seus resultados sejam publicados em revistas científicas de qualidade, em que a aprovação do artigo passa pela avaliação de um corpo editorial especializado, como explica o médico. Nas mídias, porém, tais critérios podem passar longe. É preciso, então, que a sociedade fortaleça e apoie uma Medicina Baseada em Evidências, pelo seu próprio bem. “A sociedade precisa analisar criticamente o que foi publicado, sempre questionando a fonte e se aquela informação apresenta respaldo em alguma pesquisa científica adequadamente elaborada”, conclui.
Apesar de alguns avanços, no Brasil a MBE ainda precisa ser mais difundida, como ter diretrizes atualizadas em relação às novas terapias. Ainda assim, são muitos os recursos que o profissional da área de saúde pode implementar no seu dia a dia para uma prática baseada em evidências. Entre eles, o uso de plataformas que já trazem informação avaliada, como a UpToDate, Dynamed e Best Practice, além dos protocolos clínicos de entidades nacionais e internacionais. Outro fator importante para a disseminação da prática é que ela seja amplamente divulgada nos cursos de medicina, fazendo com que os estudantes tenham contato, desde cedo, com a metodologia aplicada ao processo de aprendizagem. Afinal, medicina e ciência são as melhores aliadas em uma prática médica de qualidade.
Curso Práticas em Saúde Baseadas em Evidências (PBE)
A publicação da Lei 14.454, em setembro de 2022, modificou o critério utilizado para definir os procedimentos cobertos pelos planos de saúde, baseando a escolha em evidências científicas, o que tornou a discussão sobre a MBE ainda mais importante. Antes da Lei, os procedimentos a serem inclusos no Rol de eventos da ANS passavam por avaliação de eficácia, segurança e análises econômicas. A nova Lei, no entanto, abre a possibilidade de cobertura de um procedimento somente com a análise da evidência científica de segurança e eficácia, sem fazer menção a aspectos de custo-efetividade e impacto orçamentário. Segundo o médico Luiz Henrique Furlan, a mudança é um risco à sustentabilidade do sistema de saúde suplementar.
A Unimed Paraná elaborou, então, um curso para difundir a Medicina Baseada em Evidências. O evento foi ministrado para os advogados das Singulares e os profissionais de gestão em saúde, em especial, a auditoria de saúde. O coordenador da Assessoria Jurídica da Federação, Eduardo Batistel Ramos, participou da estruturação do curso e afirmou que, nele, os participantes puderam compreender melhor o Sistema de Saúde Suplementar, as nuances da judicialização, a MBE, entre outros temas. Para ele, unir profissionais de vários setores foi muito importante “não só para o desenvolvimento dos times, mas também para a aproximação deles, permitindo uma atuação cada vez mais concatenada em prol de cada uma das cooperativas”, concluiu.
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