O corpo humano é um sistema complexo. Popularmente, é pensado como se estivesse dividido em partes, já que é estudado separadamente. Na prática, é formado por sistemas menores que, em sintonia, trabalham para que o todo funcione. Em um mesmo nível de complexidade, tem um ecossistema abundante de microrganismos que estão presentes no organismo e desempenham papéis essenciais à saúde, a microbiota. Muito antes dos seres humanos, esses microrganismos já existiam, porém evoluíram em conjunto com o homem, vivendo em número maior do que as próprias células.
A formação começa no momento do nascimento. Quando o parto é normal, o bebê passa pela contaminação da microbiota vaginal e retal da mãe. Entra pela boca e chega ao intestino, onde começa a fermentar. Os nascimentos por cesariana fornecem outros grupos de bactérias, que se assemelham aos presentes na pele da mãe. De acordo com a docente colaboradora do Instituto de Ciências Biomédicas e da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, a professora associada Carla Taddei, a microbiota é encontrada em diversas partes do corpo e os estudos estão começando a decifrá-la.
“Costumamos ter esses microrganismos nas mucosas e na pele. As mucosas geralmente estão em contato com o meio externo – o oral, o nasal, a geniturinária e o trato gastrointestinal, que é um tubo que inicia na boca e termina no reto -, além da bexiga, uretra e pulmão. Sabemos também que existem metabólitos bacterianos que estão relacionados a diversos órgãos, atuando no pâncreas, no fígado, na vesícula, no sistema nervoso central e até na formação dos ossos das crianças”, pontua.
Importância
Apesar de serem vistas negativamente pela população, apenas 1% das bactérias presentes no organismo causam doenças. Na realidade, desempenham funções fundamentais para o funcionamento adequado do organismo. No intestino, alguns dos microrganismos degradam carboidratos não digeríveis na dieta. São eles que fermentam os carboidratos e produzem os metabólitos.
O organismo usa os metabólitos em seu benefício, como os ácidos graxos de cadeia curta, que regulam várias funções das células intestinais, têm propriedades anti-inflamatórias e potencial de proteção contra o câncer. A microbiota fortalece a barreira intestinal, dessa forma, regula o sistema imunológico, prevenindo a invasão de microrganismos patogênicos. Algumas bactérias sintetizam vitaminas, como vitaminas do complexo B e vitamina K. Também modulam o sistema endócrino, influenciando o metabolismo
Pesquisadores encontraram evidências de que a liberação de nutrientes da alimentação para o cérebro não é a única função que a microbiota intestinal possui, trabalhando em conjunto com a cabeça. Existe uma conexão conhecida como eixo intestino-cérebro, que pode ajudar a moldar também as emoções e os comportamentos.
Foram identificados 13 tipos de bactérias intestinais vinculadas à depressão, em um estudo publicado pela Revista Nature Communications. Esses organismos estão envolvidos na síntese de neurotransmissores, como glutamato e ácido gama-butírico. “As bactérias do intestino produzem ácidos graxos de cadeia curta, que chegam ao cérebro, modulam os neurotransmissores e atuam no faturamento intestinal. E, em situações de desequilíbrio da microbiota, podem ser liberados os neurotransmissores envolvidos com as questões de depressão, ansiedade e comportamento mais introspectivo”, esclarece a professora Carla Taddei.
Algumas bactérias presentes no intestino podem atuar por meio da produção de substâncias como a serotonina, que é importante para a regulação do humor pela sensação de bem-estar e estabilidade emocional. Outro fato é que há a interferência também no sistema imunológico e na resposta inflamatória. Com o desequilíbrio da microbiota, o cérebro é afetado negativamente e pode sofrer distúrbios emocionais.
Desequilíbrio na microbiota
Ao estar em desequilíbrio, ocorre a redução de certas bactérias. A disbiose é associada às doenças inflamatórias do intestino, obesidade, síndrome metabólica, diabetes, perda da integridade da mucosa e maior absorção de metabólitos bacterianos.
Os prebióticos, que incentivam as bactérias a crescerem, e os probióticos, que são as bactérias vivas, são explorados para a liberação de neurotransmissores. “O prebiótico estimula a produção de ácidos graxos de cadeia curta, que são servidos para o intestino e chegam ao cérebro. Alguns probióticos são chamados de psicobióticos, porque já se sabe que possuem o papel na liberação de neurotransmissores”, conta.
A especialista alerta para um boom de novas metodologias de identificação da microbiota. “O teste de microbiota precisa ser estudado com muita cautela, porque nem sempre vai trazer um resultado direto ou claro. Não é todo mundo que se sente bem com probiótico ou precisa tirar o glúten da dieta. Existem particularidades que dificultam fazer uma recomendação global. Cada indivíduo tem uma microbiota diferente, que vai lidar com o alimento de forma distinta”, informa.
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O universo invisível e interessante das microbiotas oferece formas naturais de cuidar da saúde humana. “Estamos no caminho de entender melhor como as interações acontecem e na fase de entender os metabólitos. Com essas compreensões, vamos começar a ter no futuro mais alternativas, propagar a ideia e a importância da alimentação saudável e do exercício físico até para o equilíbrio da microbiota”, conclui.
COMO CUIDAR DA MICROBIOTA
Os famosos fatores, como estilo de vida desfavorável, dieta desregulada, hábitos de beber e fumar, sedentarismo e não dormir direito são responsáveis por provocar malefícios à microbiota. Não existe fórmula, mas os hábitos positivos impactam a composição e a diversidade:
- Alimentação: uma dieta baseada em bastante fibra. É importante consumir mais frutas, grãos, verduras e legumes. Evitar alimentos ultraprocessados e com muito açúcar.
- Exercício físico e bem-estar mental: buscar técnicas de relaxamento, meditação, respiração consciente e atividades físicas diárias.
- Uso moderado de antibióticos: o uso prolongado ou incorreto de antibióticos pode eliminar bactérias benéficas e aumentar o crescimento das prejudiciais