Pesquisas na área da neurociência avançam e colaboram no entendimento sobre as reações e influências do cérebro na vida humana
Para além da pergunta de onde viemos, há o instigante questionamento sobre como pensamos e nos comunicamos, e o que isso pode revelar sobre a humanidade. Na perspectiva da neurociência, quem controla a sinfonia de informações processadas pelo nosso organismo e suas funções é o cérebro. Segundo o neurofisiologista e professor associado do Instituto do Cérebro (IC) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Claudio Queiroz, ainda há um longo caminho a ser percorrido no entendimento da complexidade das ligações neurais. “Nos últimos anos, aprendemos que o cérebro é muito mais complexo do que imaginávamos e mais pesquisas serão necessárias para compreender as relações multidimensionais entre comportamento e doenças”, pontua.
Dessa forma, para aprofundar o conhecimento nessa área, há uma abordagem multidisciplinar que permite uma visão global das reações do corpo. “Nos últimos anos, a neurociência se beneficiou da engenharia genética, o que possibilitou o desenvolvimento de técnicas como a optogenética, assim como da inteligência artificial. Com essas ferramentas, somos capazes de compreender melhor o funcionamento do sistema nervoso e manipular sua fisiologia com uma precisão temporal e espacial nunca antes experimentada”, explica o professor do IC.
Por meio da percepção e do avanço nos saberes sobre o funcionamento do sistema nervoso, começou a se tornar possível traçar um paralelo com as aplicações diretas para áreas associadas ao comportamento humano, como a psiquiatria, a psicologia, a educação, o consumo e a ética. Na avaliação de Queiroz, esse movimento tem auxiliado na definição dos tratamentos. “O prognóstico de distúrbios neurológicos e psiquiátricos tem melhorado graças aos avanços das ferramentas de diagnóstico, como as técnicas de imageamento não invasivo com maior precisão, sequenciamento genético em busca de marcadores específicos. Além disso, há o aumento do arsenal terapêutico e do crescimento na produção e disseminação de conhecimento que permitem maior compreensão dos processos patológicos e discussão de casos entre especialistas”, pontua.
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A psiquiatra Ivete Ferraz comenta ainda que, na prática, já são observados benefícios para os pacientes. “A neurociência tem possibilitado a intervenção terapêutica no âmbito de neuromodulação, por meio de técnicas de Estimulação Magnética Transcraniana. Assim, há a produção de neuroplasticidade, com melhora das conexões sinápticas no curto, médio e longo prazos. Dessa maneira, existe a melhoria de transtornos psiquiátricos sem utilização de medicações que venham a trazer prejuízos em longo prazo”, explica.
Pandemia e saúde mental
Somada às reações orgânicas, a neurociência contemporânea considera a interferência do meio externo nas funções cognitivas. Nessa equação, o exemplo inevitável e mais recente é a pandemia. No final de 2021, uma nova publicação da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) destacou o efeito devastador da Covid-19 na saúde mental e no bem-estar das populações das Américas. Os dados analisados mostram que quatro em cada 10 brasileiros tiveram problemas de ansiedade. No Peru, os sintomas de depressão aumentaram cinco vezes e a proporção de canadenses que relataram altos níveis de ansiedade quadruplicou como resultado da pandemia.
É praticamente unanimidade entre os especialistas que a saúde mental está entre os grandes desafios deste momento. Dentro do contexto pandêmico, ainda há os impactos do crescimento na permanência no ambiente virtual, tempo de tela e redes sociais. “Além dos recorrentes problemas de acesso ao serviço saúde especializado, medicamentos ou profissionais habilitados, ou o estigma associado, ainda não temos um entendimento dos processos fisiológicos associados às doenças mentais. Sabemos que a incidência de ansiedade e da depressão tem crescido rapidamente nos últimos anos, em especial entre jovens adultos. Acredito que a de neurociência cognitiva tem um trabalho importante para demonstrar os efeitos, se existirem, das novas tecnologias na fisiologia do sistema nervoso e no aparecimento dessas patologias”, observa Queiroz.
Na contrapartida dos malefícios que a tecnologia pode representar às pessoas pelo uso contínuo, é ela quem facilita a catalogação de dados das pesquisas em volume e velocidade e, por consequência, está tornando as descobertas possíveis. “Acredito que estamos vivendo um período muito difícil da saúde mental e que o avanço de tecnologia é um apoio fundamental no enfrentamento dos novos transtornos que têm surgido. A neurociência tem ampliado seu escopo por meio do melhor entendimento do funcionamento cerebral e seu comando para todos os outros sistemas do organismo, desde o sistema visual, até os sistemas endócrino e imunológico. Assim, seu avanço certamente implicará ganhos nas ciências de saúde de todos os sistemas do organismo”, observa a psiquiatra. Após cem anos da descoberta do neurônio, em 1903, pelo médico espanhol Santiago Ramón y Carral (1852-1934), continua sendo necessário pavimentar novas vias e aproveitar os recursos disponíveis da atualidade.
Por dentro da revolução nos tratamentos
Estudos preliminares sobre os impactos da pandemia e descobertas recentes da neurociência disponíveis para consulta
A velocidade com que a ciência lança novos estudos e soluções é quase tão intensa quanto a atualização das redes sociais. Criado em 2013, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão de Neuromatemática (RIDC NeuroMat), tem a missão de desenvolver a nova matemática necessária para construir uma Teoria do Cérebro que dê conta dos dados experimentais coletados pela pesquisa em neurociência.
O RIDC NeuroMat conta com uma equipe interdisciplinar, reunindo pesquisadores de matemática, ciência da computação, estatística, neurociência, biologia, física e comunicação, entre outras disciplinas. E lidera uma rede mundial de universidades com várias instituições de pesquisa de alto nível no Brasil, na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa. A maior parte da produção de pesquisa é realizada em coautoria de mais de um país, contribuindo, assim, para colocar o NeuroMat no centro de uma florescente cooperação científica internacional em torno da neuromatemática.
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