Os segredos para envelhecer bem

As lições que as zonas azuis oferecem para envelhecer bem e para uma sociedade que avança na longevidade

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(Foto: ILustração/Shutterstock)

Envelhecer é um processo natural e pode ser fascinante. Não chega de repente e muito menos é sentido da mesma forma por todos, pois cada um carrega a sua história e as suas experiências. O fato é que para envelhecer basta estar vivo.

Avanços da medicina, nutrição, saúde pública, condições sanitárias e desenvolvimento socioeconômico trouxeram o aumento da longevidade. No Brasil, o total de pessoas com 65 anos ou mais, de acordo com o Censo Demográfico de 2022, chegou a 22,16 milhões (10,9%), com alta de 57,4% em comparação a 2010. A expectativa para 2050 é de que essa população alcance 30%.

Zonas azuis no envelhecer bem

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O médico geriatra e professor Milton Crenitte denuncia que a pessoa idosa sofre o etarismo quando é avaliada como um peso, por uma sociedade que valoriza a juventude e a produtividade (Foto:Reprodução/Arquivo Pessoal)

O médico geriatra e professor Milton Crenitte pondera que envelhecer bem é muito mais do que ausência de doença. “Envelhecer bem é estar com o bem-estar biopsicossocial e espiritual completo. Além disso, estar ativa na comunidade, com segurança e acesso à previdência. É uma questão bem complexa, que não envolve só saúde”, avalia.

O documentário “Como viver até os 100 anos: os segredos das Zonas Azuis” conta as aventuras de Dan Buettner em uma investigação por cinco regiões do mundo. Sardenha (Itália), Okinawa (Japão), Nicoya (Costa Rica), Ikaria (na Grécia) e Loma Linda (na Califórnia) possuem povoados em que as pessoas vivem mais, melhor e com qualidade de vida. Perante o processo de envelhecimento da população brasileira, as zonas azuis podem trazer boas reflexões para garantir uma velhice digna e saudável.

O conceito de zonas azuis foi inspirado em Gianni Pes, pesquisador sênior da Universidade de Sassari, na Itália, que estudou regiões do país com indivíduos centenários. Ele pintava as regiões em que os encontrava com a cor azul, e a presença de várias pessoas em determinada região resultou na formação de zonas azuis – dando, assim, origem ao termo.

Envelhecer bem é uma busca constante para muitos. No entanto, Buettner mostra que esse esforço está no caminho reverso, focado em evitar a morte, não em aprender a viver. Diante desse dilema, foi desvendando, de maneira encantadora, que o que faz viver mais também é o que faz a vida valer a pena.

“A principal lição que podemos tirar das zonas azuis é a de que envelhecer é bom, principalmente se for de maneira ativa e em comunidade. Temos que pegar esses exemplos e analisar como eu quero envelhecer. A partir do momento em que o envelhecimento é inevitável, como sociedade tomamos decisões com o objetivo de que meu entorno envelheça com qualidade”, ressalta o geriatra Milton Crenitte.

Aprendizados das Zonas Azuis

As lições para uma vida longa estão em princípios simples e atitudes excepcionais adotados pelos residentes das zonas azuis. Confira os principais:

Conceito de Ikigai: um conceito japonês que se refere ao propósito de vida e à motivação pessoal, que trazem benefícios para o bem-estar físico e mental. Desempenham um papel fundamental para essas pessoas, as quais encaram o envelhecimento de maneira mais leve e sabem que são fundamentais para o seu entorno. Ter um propósito claro e significativo ajuda-los a acordar todos os dias, seja para cuidar dos netos, praticar um hobby, trabalhar ou contribuir em um voluntariado.

Hábitos alimentares: o que todos os médicos não cansam de prescrever. A alimentação saudável é essencial. Nas zonas azuis, as dietas são baseadas em alimentos naturais, como frutas, legumes, vegetais, grãos integrais e peixes. O consumo de carne vermelha é reduzido e de alimentos processados é quase nulo. A alimentação de qualidade contribui para a longevidade e previne doenças crônicas.

Exercícios físicos: este é um ponto muito interessante no documentário e desperta a reflexão sobre como as comodidades da modernidade geraram problemas. Os esforços das tarefas diárias foram mecanizados. Dessa forma, atividades simples, como passar pano na casa e lavar a louça, foram substituídas. Simples, mas que ajudavam a trazer movimento e a gastar calorias.

Nessas regiões, os idosos – que, vale relembrar, têm 100 anos ou estão perto de completar esse marco – apresentam agilidade, equilíbrio, força, massa muscular e pouca gordura. Diferente de frequentar academias, eles fazem atividades do dia a dia, como andar pelas ruas íngremes da Sardenha, amassar as massas com as mãos e fazer jardinagem ou exercícios leves, sempre diários e constantes.

Vida social e conexões comunitárias: o senso de comunidade e as conexões sociais são de extrema qualidade e importância. Participam de atividades em grupo, mantém forte rede de apoio, possuem relacionamentos saudáveis com amigos e cônjuges. É evidente como é importante cercar-se de pessoas certas e que influenciam os hábitos positivos.

Fé: estar em conexão com o sagrado ou ancestrais reduz as chances de comportamentos prejudiciais, traz satisfação e gratidão pela vida, reduz o estresse e permite desvendar o autoconhecimento mais amplo.

Políticas públicas: Nas regiões caracterizadas como novas zonas azuis, o envelhecimento bem-sucedido está relacionado ao estilo de vida, ambiente, sociais, exercícios físicos, alimentação e propósito. As regiões passam por esse amadurecimento há longas gerações. No entanto, Singapura foi apresentada como um país que, até a década de 1960, vivia uma realidade distinta dos tempos atuais, que é exemplo de prosperidade e promoção de tecnologia de ponta. Assim como se pode expressar que, igualmente, o investimento foi centralizado na qualidade de vida das pessoas. Há políticas públicas focadas em conscientizar a alimentação saudável, liderança em educação, incentivo à atividade física, ruas construídas para a segurança e o lazer dos pedestres e desenvolvimento de grandes áreas de convívio nos centros urbanos.

Envelhecimento no Brasil

O Brasil tem problemas sociais do passado não resolvidos, e, com o rápido envelhecimento populacional, deparou-se com uma população que envelhece, em sua maioria, com má qualidade devido às baixas condições da própria saúde e serviços públicos falhos que não conseguem atender a todos.

“Países como a França, a Espanha e a Inglaterra demoraram mais de 100 anos para dobrar o número de idosos, e nós fizemos isso em 20 anos. Precisamos de políticas públicas para o envelhecimento ativo e saudável. São necessários formar cidades e comunidades amigas dos idosos, serviços assistenciais amigáveis e que os convidem para frequentar esses ambientes. Se puder resumir o que a gente precisa e os principais desafios, são as políticas públicas e de maneira intersetorial – saúde, educação, trabalho, meio ambiente e reforma agrária”, destaca Crenitte.

Saiba mais: Envelhecimento saudável é tema de podcast

Ademais de grandes desafios de políticas públicas para promover a inclusão e a assistência, a terceira idade enfrenta a discriminação. Segundo a Pesquisa Idosos no Brasil, do Sesc São Paulo e da Fundação Perseu Abramo, 18% dos idosos afirmaram ter sido discriminados ou maltratados em um serviço de saúde, 19% declararam ter sofrido algum tipo de violência física ou verbal e 81% afirmaram que há preconceito contra o idoso no país.

“Falamos sobre o etarismo ou idadismo. Especialmente, porque vivemos em uma sociedade que valoriza formas relacionadas à juventude e produtividade, até o capitalismo, que precisa gerar riquezas. Então, pensamos no idoso como um peso”, denuncia o especialista.

Ser idoso precisa ser visto no Brasil não como um fardo ou impeditivo. A exemplo das zonas azuis, tornou-se urgente mudar a cultura e compreender que o idoso colabora com a sociedade, com o peso das experiências, sabedoria, respeito, preservação da história e suporte familiar.

Um estudo do Departamento de Saúde Pública da Universidade Estadual Paulista revelou que o tempo de vida é determinado em apenas 25% pelo DNA. O ambiente e os hábitos (75%) são muito mais relevantes para elevar a qualidade de vida.

A Revista Ampla separou algumas dicas valiosas, inspiradas no documentário “Como viver até os 100 anos: os segredos das Zonas Azuis”, para diferentes faixas etárias. Confira:

30+

Estabeleça uma rotina de exercícios com regularidade. Pode ser musculação, esporte ou pilates. Isso ajudará a construir a resistência física.

Cuide da saúde mental: gerencie o estresse e o controle emocional. Práticas de meditação e terapia são essenciais, assim como equilibrar o tempo destinado ao trabalho, relacionamento e a cuidar de si.

Estabeleça hábitos alimentares saudáveis: não é necessário ser radical, mas uma dieta equilibrada, que inclua alimentos naturais, frutas, verduras, grãos e proteínas magras vai te ajudar a ter mais energia. Evite processados e muito açúcar.

40+

Não deixe de se movimentar: continue praticando exercícios físicos. Escolha atividades de resistência e força para ajudar a manter a massa muscular, a saúde do coração e óssea.

Faça exames de rotina: mantenha em dia os exames de colesterol, pressão arterial, glicemia e coração. Evite o tabagismo, a bebida e mantenha o peso equilibrado.

Sono de qualidade: descanse. Dormir de 7 a 8 horas por noite em um ambiente adequado é reparador.

50+

Fortaleça a saúde dos ossos: consuma alimentos ricos em cálcio e pratique exercícios voltados para seu fortalecimento, como musculação, ioga e pilates.

Realize exames regulares: faça exames específicos como mamografia, densitometria óssea, de próstata e colonoscopia.

Mantenha-se mentalmente ativo: desafie o cérebro para a saúde cognitiva e prevenção de doenças mentais. Faça caminhos diferentes, jogue quebra-cabeças, leia e nunca deixe de aprender.

60+

Foco na flexibilidade: priorize o alongamento, ioga e pilates. Isso ajuda a manter a mobilidade e previne lesões.

Cuide da saúde ocular e auditiva: exames regulares com oftalmologista e otorrinolaringologista. Sem receio de usar aparelhos, se forem necessários.

Mantenha-se socialmente ativo: cultive os relacionamentos interpessoais. Participe de grupos ou atividades comunitárias, que contribuem com a saúde emocional e trazem senso de pertencimento.

Leia também: Saiba como planejar o envelhecimento

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