Qual o futuro da medicina?
Confira depoimentos de alguns médicos do Paraná sobre a situação atual e o que esperam para o futuro da medicina
“Somos campeões mundiais em número de escolas médicas, totalizando 318 unidades com oferta de 32.321 vagas (dados atualizados até julho/2018). Esse é um número extravagante para um país com cerca de 208 milhões de habitantes. A título de comparação, países como China e EUA possuem cerca de 150 escolas médicas para uma população consideravelmente maior. Cerca de metade dessas escolas foram criadas nos últimos 18 anos, e ainda existe autorização para criação de mais 1500 vagas nos próximos anos. No Brasil, nos últimos 28 anos, dobramos o número de médicos, passando de 220.000 em 1990 para 452.801 em 2018, e assim a relação de médicos/mil habitantes passou de 1,49 em 1990 para hoje 2,18. Como a taxa de crescimento populacional não cresce na mesma proporção dos novos médicos, caminhamos para um desequilíbrio nesse mercado. Mantido o número atual de escolas médicas, em um período entre 13 e 14 anos, teremos 900.000 médicos no país, o dobro de hoje e, possivelmente, uma das piores relações médico/mil habitantes do planeta. Dessa forma, teremos excesso de oferta de mão de obra, que resultará na redução de valores de remuneração, com impacto direto no mercado de saúde suplementar e até mesmo na saúde pública. Entenda-se baixos valores de remuneração como equivalente a baixa qualidade de prestação de serviços. Se hoje as capitais abrigam quatro vezes mais médicos que as cidades do interior, nos próximos 10 anos esse cenário deverá mudar. No mesmo período em que ocorreu a proliferação de escolas médicas, não houve aumento proporcional de vagas de residência médica, o que significa que teremos uma legião de profissionais generalistas, vocacionados para saúde coletiva. Onde será absorvida essa imensa força de trabalho? O sistema cooperativo terá condição de absorver parte desse contingente? Eles poderão se tornar a principal mão de obra de operadoras concorrentes? O sistema público de saúde terá condições de absorver esses profissionais? Diante desse cenário pouco promissor, temos que nos preocupar com o surgimento de profissionais com formação técnica insuficiente, realizando procedimentos não habilitados, com proliferação de práticas alternativas não regulamentadas, e consequente aumento de casos de erro profissional e judicialização. Será necessário que nossos órgãos representativos sejam atuantes junto ao poder público para que a sociedade não seja prejudicada em relação a má qualidade assistencial. Os avanços tecnológicos também substituirão alguns postos de trabalho, mas a medicina ainda é uma profissão em que o fator humano é essencial. Por isso, sempre haverá espaço e mercado para profissionais preparados e comprometidos.”
“A prática médica sempre foi um misto de arte e ciência, porém, a medicina caminha para o desaparecimento do médico como o conhecemos. Caminhamos para uma evolução tecnológica (algoritmos), exames sofisticados, diagnósticos e cirurgias a distância que acabarão com a essência daquilo que por séculos caracterizou o atendimento médico que é a relação médico-paciente. E como a medicina caminha para ser exata, preditiva e fria, precisamos nos ater em qual será o papel do médico nesse contexto.”
Dra. Silvana Freire Scheidt – Anestesiologista, cooperada e conselheira do Conselho Técnico e Ética da Unimed Guarapuava. Foi diretora na gestão passada
“A medicina, o magistério e o monastério foram, por muito tempo, consideradas profissões sacerdotais, todas elas por seus indispensáveis papéis na sociedade: lidam, respectivamente, com a saúde, a inteligência e a espiritualidade. Todas elas necessitam, de quem as exerce, uma importante exploração do interior humano: o que pensa, o que o faz sofrer, de onde vem, o que pretende. O monastério, ou sacerdócio, permanece como tal, apesar das grandes transformações da sociedade. O magistério, principalmente em países carentes de princípios morais, como o Brasil, há muito tempo foi capturado pelos governos, pelos sindicatos, por ideologias estranhas às suas próprias origens, e, por isso, foi desvalorizado e vive uma crise de identidade de difícil resolução. A medicina, infelizmente, segue o caminho do magistério e não do monastério. Como forma de regulação, no Brasil há um código de ética escrito pelo Conselho Federal de Medicina, que estabelece princípios de atenção ao paciente, de não mercantilização, de zelo pelo doente, e esse código deveria ser mais cobrado dos profissionais, para correção dos desvios éticos. Do lado da educação, houve enorme proliferação de escolas médicas, que colocaram médicos com formação carente de prática, de habilidades e de princípios. O futuro da medicina será, ou não será, melhorado hoje. E o caminho inevitavelmente passa por coragem, por justiça e por transparência. A coragem será necessária para exigir revalidação dos títulos de especialidade, exigindo uma prova a cada cinco anos para manter-se como especialista. Países desenvolvidos já exigem essa avaliação há muitas décadas. A qualidade da medicina daria um salto espetacular. A justiça será necessária para coibir a mercantilização da medicina, a principal responsável pela escala incessante de custos em saúde, que compromete a vida das pessoas. Ministério Público, Justiça e Conselhos de Medicina deveriam imediatamente fiscalizar, proibir e punir a participação de médicos na venda de órteses, próteses, exames desnecessários e medicamentos. As iniciativas policiais nesse sentido poderiam ser ampliadas umas 50 vezes e ainda seria muito pouco. A inflação da saúde viria para níveis “normais” em um curto prazo, e a dignidade da profissão seria resgatada. A transparência, apesar de parecer banal, é a mais difícil delas. No Brasil, não se conhecem os dados de resultados em saúde: a maioria dos hospitais e clínicas não divulgam, porque não são exigidos para tanto, o que impede a melhoria da qualidade. Já tive a oportunidade de perguntar sobre o assunto para um ministro da saúde: não soube responder. Há um possível futuro melhor para a medicina, que pode retomar o caminho da profissão sacerdotal que foi no passado, mas ele passa por abdicação e dedicação, dons importantes e indispensáveis para o médico de hoje, e de amanhã.”
“O maior desafio para o futuro da profissão médica é o resgate da Dignidade”
Dr. Inácio Emanuel Casella Gagliardi – Especialidade em clínica médica
médico cooperado da Unimed Cianorte e coordenador do CAS
“A medicina do futuro permitirá diagnósticos cada vez mais precisos e tratamentos personalizados com aplicativos que monitoram sinais vitais e emitem diagnósticos, aos quais profissionais de saúde têm amplo acesso a dados sobre o estado físico de seus pacientes, e já conseguem saber quais doenças terão ao longo da vida, com a possibilidade de tratá-las. A telemedicina já é utilizada em todo o mundo, de forma segura e legalizada, estando de acordo com as normas médicas internacionais. É um processo avançado para monitoramento de pacientes, troca de informações e análise de resultado de exames. Facilita o acesso a especialistas, ampliando a assistência ao paciente, principalmente em áreas remotas. No Brasil, hoje é muito utilizada para emissão de laudos de exames à distância e teleconsultas entre médicos. Pode ser feita uma consulta diretamente entre médico e paciente, porém, no Brasil essa prática ainda não está sendo viabilizada. A Internet das coisas (do inglês Internet of things – loT) está muito presente no mundo da saúde, possibilitando a integração de uma grande variedade de dispositivos médicos à rede de comunicação para a troca e coleta de informações. Aplicativos móveis, por exemplo, podem se conectar a smartwatches para obter e relacionar dados sobre nosso corpo. A medicina do futuro será preventiva e terapêutica. Os cuidados não serão mais focados na enfermidade e sim, em descobrir as doenças antes que elas aconteçam, focando na qualidade de vida do paciente. Com exames e diagnósticos cada vez mais precisos, os médicos poderão antecipar: pelas predisposições genéticas pode-se saber, por exemplo, o risco de o paciente desenvolver determinada doença. Como vimos, as mudanças trazidas pela medicina do futuro devem reinventar a profissão de médico, porém, esses avanços podem trazer também muitos impactos negativos à sociedade em geral, causando discussões acerca da relação custo-benefício. O arsenal tecnológico propicia ao médico a tentação de investigar “todas” as doenças, “cobrir todas as possibilidades”. Isso torna muito dispendioso para o sistema público de saúde, para os planos de saúde e para o próprio paciente. Além da própria questão econômica que acarreta, a aquisição exagerada das inovações para desumanização da relação médico-paciente. Ocorre que a saúde e a qualidade de vida são direitos de todos, portanto, é dever do médico utilizar-se dos meios tecnológicos como formas coadjuvantes para promover saúde ou mesmo evitar o aparecimento de enfermidades, não abolindo o contato médico-paciente, mas que mantenha a ética e o bom senso para não “superdiagnosticar” o paciente, gerando tratamentos desnecessários. O desafio da medicina do futuro é combinar todas as inovações e recursos tecnológicos com o respeito aos princípios éticos. O diálogo e o exame clínico são indispensáveis na missão médica hoje e no futuro.”
“Hoje vivemos o atendimento ao paciente imediatista, ou seja ele entra já ‘doente’ no sistema. Acredito que no futuro cada vez mais teremos as avaliações dos ‘estados pré-clínicos’, ou seja, o médico atuará na ‘prevenção’. É sabido que um paciente com pré-diabetes tratado e sem evolução economiza cerca de R$ 55.000,00. No mundo em geral, pensando nisso, grandes investidoras como Apple, Amazon e demais têm enxergado na saúde um grande filão de investimento e trazido a realidade médica a um novo patamar, com tecnologias e informação. No Brasil, no entanto, na contramão dos fatos , temos visto um aumento muito grande no número de médicos formados, passando de 430.000 para 600.000 em poucas décadas. Isso leva a pensar se todos terão a formação necessária com a qualidade e acesso à tecnologia que teremos de conhecer. A medicina, tanto na saúde suplementar quanto na pública, precisará se adequar à realidade de um tratamento eficaz, sem desperdícios, pois novas técnicas trazem novos gastos. Dessa forma, a medicina colocará como desafio aos próximos médicos o uso racional de tecnologia, a qualificação do profissional e um paciente cada vez mais rico de informações, que não vai aceitar apenas tratar sua doença, mas sim não vai querer adoecer.”
Ortopedista e Traumatologista, professor assistente do Curso de Medicina da Unioeste e presidente da Associação Médica do Sudoeste Novo.
Cooperado da Unimed Francisco Beltrão
“Historicamente, a medicina tem sido feita nos consultórios e hospitais, baseada na interpretação de sinais e sintomas dos pacientes. A tecnologia tem auxiliado, nos dias atuais, na melhor interpretação dessas características, seja na prevenção, no diagnóstico e nos tratamentos de enfermidades. Entretanto, vivemos um período de crise econômica e política com manifestações importantes em todas as áreas, incluindo na saúde, com sucateamento, descontentamento por parte dos usuários e crescentes filas no sistema público de saúde. A demanda e os custos são crescentes, igualmente. A classe médica, em consonância com toda sociedade, sente com tristeza esse momento e aguarda, nessa próxima eleição, representantes comprometidos que promovam melhores condições para a sociedade.”