Em meio aos incômodos cotidianos relacionados à má saúde oral, como cáries, gengivite e mau hálito, há uma relação muitas vezes subestimada entre a saúde bucal e o coração. Diversos estudos, incluindo um realizado pelo Instituto do Coração (Incor), revelam que 36% das mortes por problemas cardíacos e 45% das doenças cardiovasculares têm origem bucal.
A explicação reside no fato de que a boca serve como porta de entrada para bactérias, que, se não controladas por uma higiene adequada, podem provocar infecções, agravando lesões e, eventualmente, alcançar a corrente sanguínea, atingindo órgãos vitais, como o coração.
“A manutenção da saúde bucal tem importância não somente para o coração, mas para toda a saúde geral do indivíduo. Alterações e infecções bucais podem ter consequências em cérebro, fígado, rins, articulações, entre outros”, ressalta o professor doutor Eduardo Carrilho, consultor técnico da Dental Uni.
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Conexão
Ele explica que a doença periodontal atinge em torno de 60% na população mundial e se desenvolve por infecções causadas por bactérias que acabam provocando uma grande inflamação nos tecidos de suporte dos dentes, que, se progredir, pode causar destruição do osso que sustenta o dente e, consequentemente, a perda desse elemento dentário.
O professor ressalta que a saúde bucal é parte integrante da saúde geral, e seu cuidado é fundamental para uma vida saudável e equilibrada. Pacientes com câncer, por exemplo, têm a necessidade de ter a saúde bucal em dia previamente ao tratamento quimio e/ou radioterápico. Por esse motivo, Carrilho enfatiza a importância da prevenção das doenças da boca.
“A higiene bucal é o principal fator preventivo para doenças da boca. Isso envolve o uso do fio dental previamente à escovação, a escovação propriamente dita, que deve ser ajustada pelo dentista conforme a necessidade do paciente, e a visita regular ao profissional para uma prescrição individualizada”, afirma.
Cardiobactérias
O médico cardiologista Walmor Lemke explica que as bactérias presentes na boca durante as infecções periodontais podem entrar na circulação sanguínea durante a mastigação, pois pequenas feridas ou mesmo o tecido periodontal inflamado, permite a passagem dessas bactérias.
“O processo inflamatório gengival, bem como a circulação das bactérias pelo corpo através do sangue, promovem o processo inflamatório arterial, aumentando com isso a velocidade de formação das placas de ateromas, bem como formando novas placas onde já existia uma predisposição para elas; essa placas ateromatosas inflamadas são mais vulneráveis ao vários processos químicos e mecânicos das artérias e podem romper, formando com isso os coágulos, os quais obstruem a passagem do sangue, o que chamamos de infarto”, explica.
E quem está mais propenso a sofrer com a interligação prejudicial entre a saúde bucal e o coração? Pacientes com problemas cardiovasculares preexistentes, doenças autoimunes, diabetes, idosos, obesos e fumantes, fazem parte dos grupos de maior risco.
Segundo Lemke, a conexão entre essas condições e o risco aumentado de doenças cardíacas relacionadas à saúde bucal é complexa e multifatorial. Ele revela que a inflamação generalizada, que é uma característica comum tanto nas doenças autoimunes quanto no diabetes, tem o potencial de acelerar o desenvolvimento da aterosclerose.
Além disso, a presença de doenças periodontais pode piorar a inflamação sistêmica, criando um ciclo vicioso que pode afetar o coração. “A presença constante de bactérias orais e a inflamação crônica pode contribuir para o desenvolvimento de placas nas artérias. O problema aumenta quando as doenças periodontais se somam aos outros fatores de risco para o desenvolvimento de doença arterial coronária. Portanto, a presença de doença periodontal pode ser um indicador de risco aumentado para doenças cardiovasculares”, comenta.
O médico já tratou diversos casos de endocardite bacteriana e infarto agudo do miocárdio, em que as doenças periodontais estavam associadas a outros fatores de risco. Esses componentes se combinavam de maneira incalculável, principalmente em pacientes em condição grave.
Quanto aos sinais que devem alertar os pacientes a procurarem cuidados médicos, tanto odontológicos quanto cardiológicos, o cardiologista destaca que qualquer sintoma, como dor à mastigação, vermelhidão nas gengivas, presença de cáries, sangramento gengival ou abscessos deve motivar uma consulta imediata, especialmente para aqueles com condições como diabetes, doenças autoimunes, hipertensão arterial sistêmica (HAS), insuficiência cardíaca ou portadores de próteses valvares cardíacas.
A colaboração entre médicos cardiologistas e dentistas é crucial para otimizar os benefícios integrais para os pacientes. Para o médico, ambas as categorias profissionais devem manter uma comunicação efetiva por meio de referências e contrarreferências, seja verbalmente ou eletronicamente. A participação em eventos acadêmicos e discussões de casos clínicos também foi destacada por ele como uma maneira eficaz de trocar conhecimentos.
“Pessoas com problemas cardíacos conhecidos ou em alto risco de doenças cardíacas devem informar seus dentistas sobre sua condição cardíaca para que medidas preventivas adequadas possam ser tomadas durante procedimentos dentários”, reforça o cardiologista.