Saúde suplementar no Brasil atravessa o desafio da sustentabilidade e maturidade na gestão

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(Foto: Ilustração)

Após a pandemia, setor precisa de ações estratégicas para equilibrar os custos, mantendo a qualidade no atendimento dos pacientes, além de pensar a possibilidade de expansão

Nos últimos dois anos, a demanda da saúde suplementar acompanhou as curvas geradas pela pandemia da Covid-19, bem como ocorreu na saúde pública brasileira e mundial. De acordo com o indicador de Variação de Custos Médico-Hospitalares (VCMH) do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), no mês de setembro de 2020, um dos picos da pandemia, o VCMH/IESS, ficou em -3%, indicando redução do custo per capita na comparação com os 12 meses anteriores. Um ano depois, em setembro de 2021, o mesmo índice subiu 27,7%. No último mês de dezembro, estava em 25%, e a expectativa é um índice superior a 20% para março de 2022.

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Conforme explica o superintendente executivo do IESS, José Cechin, embora os dados para esse ano ainda não estejam consolidados, indicativos apontam que o VCMH seguirá em patamar superior a 20% ainda por algum período. “O principal desafio para a questão do financiamento da saúde suplementar é o mesmo que vale para todo o Brasil: aumentar o nível de atividade econômica e de emprego. Além disso, esse setor precisa ter seu marco regulatório revisado, visto que há uma dinâmica importante de transformação: novas tecnologias e novos modelos de negócio se sobrepõem, muitas vezes, às regras (leis e normas) definidas”, avalia o superintendente.

Partindo do entendimento de que é necessário repensar a normatização da saúde suplementar, Cechin entende que, assim, se torna possível garantir mais opções de produtos, alternativas de coberturas, bem como maior responsabilidade do beneficiário e respeito às regras, garantindo previsibilidade ao setor.

“Continua necessário aprofundar as mudanças no modelo de atenção à saúde, colocando o indivíduo no centro das atenções, oferecendo acesso hierarquizado, investindo mais em promoção da saúde. Se todos concordamos que o plano de saúde é um desejo real do brasileiro, é necessário que todos os agentes envolvidos nessa cadeia de valor, inclusive setor público e representações da sociedade civil, debrucem-se para, com criatividade e responsabilidade, promovermos mais acesso ao sistema e garantir as sustentabilidades econômica, financeira, assistencial e social do setor de saúde suplementar”, observou o superintendente executivo do IESS.

Atualmente, 26% da população têm plano de saúde, sendo quase 50 milhões em planos de assistência médica e mais de 30 milhões de beneficiários em planos exclusivamente odontológicos, segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS). Durante a pandemia, houve um aumento na procura e crescimento de usuários de planos. O presidente da ANS, Paulo Rebello, reconhece a saúde suplementar como uma porta de acesso importante para os brasileiros. “Em 2021, foram feitos 1,6 bilhão de procedimentos na saúde suplementar. É, portanto, indispensável para o Estado, uma vez que evita uma sobrecarga ainda maior para o atendimento no setor púbico”, analisa o presidente.

O aumento de beneficiários, que chega à ordem de 3 milhões de pessoas, trouxe impactos na ampliação da assistência para as operadoras, que paralelamente ainda estão gerenciando a retomada de processos eletivos paralisados por conta da pandemia. E, assim como os hospitais, buscam administrar os custos diante do aumento dos insumos e do capital humano. Conforme explica o partner da consultoria Deloitte na área de Life Sciences & Health Care Industry Leader, Luís Fernando Vieira Joaquim, é preciso atenção para o uso da sinistralidade no caso das operadoras, ou seja, a busca do equilíbrio na equação de uso por parte dos usuários versus os recebimentos. No mercado da saúde, segundo Joaquim, ainda existe um movimento visando à sustentabilidade dos negócios e que foi acelerado durante os últimos dois anos, englobando estratégias financeiras.

“Estamos verificando muitas aquisições, sendo grandes movimentos de redes hospitalares, grupos de operadoras verticalizados ou não, e a formação de ecossistemas, ou seja, empresas de saúde que estavam em um segmento e agora estão observando outras linhas de atuação. Os grandes players do mercado se mobilizam para ganhar escala, a fim de obter maiores margens”, pontuou Joaquim, que complementa que com essas estratégias, as empresas do setor buscam ainda a expansão geográfica.

Rol dos procedimentos

O superintendente executivo do IESS disse que ainda não foi possível mensurar os impactos da sanção presidencial da Lei nº 14.454/22, que servirá como referência ao que efetivamente é contemplado pelos contratos de planos de saúde a partir das definições da ANS. “Ainda não é possível aferir qualquer impacto econômico da decisão do Congresso Nacional sancionada pelo Poder Executivo, mas o setor operador já sente o grande aumento de demanda”, compartilha Cechin.

O presidente da ANS concordou igualmente que não existem informações suficientes sobre os resultados implicados pela lei e reforçou que a reguladora mantém sua posição clara de que existe uma preocupação em relação à decisão. “Há projeções sobre o rol que levam a um cenário econômico de maior insegurança em relação aos níveis de análise de eficácia de determinados procedimentos e também do ponto de vista da capacidade de pagamento dos contratantes e consumidores, visto que há o risco de aumento da sinistralidade, a ser repassada nas mensalidades, apesar de todos os nossos alertas a respeito do assunto”, reiterou Rebello.

Atualmente, a ANS mantém uma listagem de procedimentos a serem garantidos nas diferentes segmentações nas contratações de planos de saúde das operadoras, e atualiza a mesma em processo contínuo. “É importante salientar que o Rol tem cobertura para todas as doenças reconhecidas pela Classificação Internacional de Doenças, da Organização Mundial de Saúde (OMS). São mais de 3,4 mil itens, todos tendo passado por análise criteriosa feita pela ANS, com representantes de diversos segmentos da sociedade. O processo de incorporações de tecnologias está muito mais rápido e, só neste ano, até setembro, foram 25 inclusões”, explica o presidente da ANS.

Cenários no longo prazo

O envelhecimento acaba sempre pesando nas análises, porém existe outro aspecto que interfere nesse processo e envolve o custo e os reajustes dos planos de saúde. Em relação ao futuro da saúde suplementar, o superintendente executivo do IESS destacou que projetar a próxima década recai no desafio diante das incertezas, porém algumas questões norteiam os desafios e oportunidades da saúde em geral.

“Como visto recentemente no debate público, há diversos fatores que impactam nos custos da saúde, principalmente o envelhecimento populacional e as novas tecnologias. É de conhecimento de todos que as recentes decisões que impactam sobre o rol de cobertura poderão representar mais aumentos de custos, o que implica preços mais altos dos planos e reajustes mais elevados. Isso tudo dificulta o acesso e coloca em xeque a sustentabilidade desse setor”, conclui Cechin.

Atualmente, aproximadamente 70% dos beneficiários das operadoras estão em contratos coletivos empresariais o que aponta que, caso a economia cresça, mais empregos podem ser gerados e mais planos de saúde podem ser ofertados como benefício trabalhista. Assim, acredita Rebello que todos e o país ganham.

“O crescimento do setor de saúde suplementar se relaciona com a saúde pública de várias formas, por exemplo, havendo um aumento de pessoas na saúde suplementar, o valor per capita daqueles que dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS) aumenta. Vale destacar que as despesas com saúde representam mais de 9% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o IBGE, em 2019, despesas de saúde com regimes privados representaram 5,4% do PIB e regimes públicos, 3,9%”, complementa o presidente da ANS.

Somado à questão econômica, Joaquim ainda traz uma reflexão para a necessidade de olhar a particularidade de cada região do Brasil, a fim de promover uma oferta condizente com as várias realidades. “É preciso ter um olhar menos mediano nas análises e entender as questões regionais do nosso país. Existem muitos movimentos em linha para atender localidades nas quais não se disponibiliza facilmente a saúde. Assim, observamos um crescimento dos produtos low cost, a fim de tornar possível ofertar no mercado um plano médio, em torno de R$ 200, dando acesso à saúde”, destacou o especialista.

Portanto, a saúde brasileira, seja privada ou pública, para além da incorporação tecnológica, precisa pensar a gestão como observa Joaquim, aperfeiçoada paralelamente à redução dos custos, gerando a sinergia necessária para a sustentabilidade do setor. “O Brasil faz três vezes mais ressonâncias do que os países europeus e norte-americano. Precisamos revisar isso, voltando aos bancos acadêmicos e trabalhando mais a gestão, pois somos abastecidos de excelentes profissionais e precisamos ajustar para garantir uma saúde sustentável”, pondera.

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