Uso de cigarros eletrônicos por jovens se torna preocupação de saúde pública

Informação e apoio entre profissionais e pais são essenciais para prevenir e combater o consumo de cigarros eletrônicos

cigarros eletrônicos
(Foto: Ilustrativa/Shutterstock)

Práticos, modernos, coloridos e pequenos. Os cigarros eletrônicos ganham espaço entre os brasileiros. Em apenas seis anos, o aumento do consumo chegou a 600%, de acordo com a Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), que aponta para quase 3 milhões de usuários. O Paraná lidera a lista de consumidores por estados (4,5%).

Os números já são suficientes para preocupar, mas há um detalhe alarmante: o dispositivo se popularizou entre as crianças e os adolescentes. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), de 2019, revelou que 22,6% dos escolares utilizaram cigarro eletrônico ao menos uma vez. A porcentagem é maior entre 16 anos e 17 anos, em que 32% já experimentaram.

Conhecer o surgimento do cigarro eletrônico, também chamado de vape e pod, ajuda a entender como conquistou esse público. O intuito era auxiliar os usuários dos cigarros convencionais a abandonarem gradualmente o vício. No entanto, os estudiosos não encontraram comprovação de nenhum impacto positivo à saúde. Tampouco benefícios ao abandonar a combustão do tabaco para o uso controlado de nicotina por meio da vaporização.

A composição é variável. Alguns podem conter aromatizantes e aditivos; outros, principalmente, a nicotina. Pesquisadores da Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos, realizaram análises de líquidos e aerossóis, e chegaram ao resultado surpreendente de quase 2 mil substâncias, incluindo pesticidas, cafeína e produtos de uso industrial.

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A pediatra e pneumologista do Hospital Pequeno Príncipe Débora Chong sugere que as redes sociais sejam utilizadas para informar o público jovem corretamente sobre os malefícios do cigarro eletrônico (Foto: Reprodução/Hospital Pequeno Princípe)

A pediatra e pneumologista do Hospital Pequeno Príncipe, Débora Chong, desmistifica a crença de que o cigarro eletrônico não faz mal. As composições são confusas, não estão explícitas nas embalagens e quando dissociadas e aquecidas a altas temperaturas podem criar substâncias altamente agressivas. “Hoje é difícil dizer se existe algum componente não deletério. Estudos mostram que os aromatizantes são capazes de agredir a via respiratória. E os usuários acrescentam óleos como polietilenoglicol e vitamina E, que foram apontados como causadores de danos pulmonares nos Estados Unidos, em 2019. Além da nicotina, que faz a dependência química”, explica.

Eliminaram o cheiro desagradável, adicionaram diversos sabores e sofisticaram o design. Ao seguir a linha de comercialização com imagens de pessoas seguras e saudáveis, os cigarros eletrônicos conquistaram os fumantes de cigarros tradicionais, mas também novos usuários. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que, no Brasil, 70% dos usuários têm entre 15 anos e 24 anos, os quais não fumavam cigarro de tabaco anteriormente.

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O responsável pela questão de drogas da Sociedade Brasileira de Pediatria, João Paulo Lotufo, ressalta que o cigarro eletrônico está formando uma nova geração de dependentes de nicotina (Foto: Reprodução/Sociedade Brasileira de Pediatria)

A linguagem que associa o dispositivo a um estilo de vida sedutor e os sabores diversificados, que atraíram os adultos, atingiram também os jovens. Para o responsável pela questão de drogas da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), João Paulo Lotufo, a indústria que utiliza o cigarro eletrônico é a mesma do tabaco, que omitiu o malefício durante décadas. “O objetivo é vender para crianças e adolescentes, para que sejam os consumidores por longos anos. O cigarro eletrônico está formando uma nova geração de dependentes de nicotina”, alerta o especialista.

No Brasil, o cigarro de tabaco tem o limite de 1 mg de nicotina por unidade. O cigarro eletrônico pode chegar a 57 mg. “A quantidade de nicotina que tem no cigarro eletrônico é maior do que no cigarro normal. Vai ser mais viciante”, relata Lotufo.

Um maço de cigarro comum permite cerca de 250 tragadas, e os eletrônicos possuem diferentes quantidades do dos chamados pushes, equivalentes nos dispositivos. Por exemplo, um pod com 8 mil pushes equivale a 32 maços. Caso uma pessoa use um por semana, estará fumando o equivalente a quatro maços de cigarro por dia.

Os resultados são dores no pulmão, falta de ar, aumento da pressão arterial, risco de infarto, formação de coágulos e a doença Evali – lesão pulmonar associada aos produtos de cigarro eletrônico. Quando se trata do uso precoce ou de exposição por segunda mão de crianças e adolescentes, a preocupação é maior, pois o pulmão e o cérebro estão em formação. “Temos observado o aumento de crises de asma em crianças já asmáticas, injúria pulmonar em adolescentes e até aparecimento de sibilâncias em crianças não asmáticas”, acrescenta Débora.

Comercialização e informação

A regulamentação começou a ser debatida no Congresso Nacional depois que a senadora Soraya Thronicke apresentou o projeto com regras de produção, importação e venda dos cigarros eletrônicos. Desde 2009, está em vigor a resolução RDC 46/2009, da Agência Nacional da Vigilância Sanitária (Anvisa), que proíbe a comercialização, importação e propaganda de qualquer dispositivo eletrônico de fumar. Contudo, a venda clandestina movimenta R$ 7,5 milhões por ano, segundo a Receita Federal.

Encontrar jovens com vários cigarros eletrônicos é cada dia mais comum. Então, como agir para reduzir o consumo? A especialista destaca o protagonismo da informação. “Temos que fazer o mesmo caminho de divulgação do cigarro eletrônico. Precisamos buscar as redes sociais, gravar vídeos curtos, convidar influencers que falavam a favor, para conscientizar e mostrar posição contrária”, esclarece a pediatra e pneumologista. “Temos que ir às escolas, informar os professores e educadores, porque os jovens têm neles conselheiros e amigos”, conclui.

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