Você sabia que mais da metade da população brasileira aponta a saúde mental como o principal problema do país em termos de bem-estar? É o que revela um levantamento realizado pela Ipsos, empresa multinacional de pesquisa e consultoria de mercado, que mapeou os principais tópicos que interferem na qualidade de vida em diversos lugares do mundo. No primeiro ano em que o estudo foi conduzido, em 2018, 18% dos entrevistados no Brasil citaram a saúde mental como tema de maior preocupação. Cinco anos depois, em 2023, esse número subiu para 52%.
A partir das vivências e estudos dos últimos anos, o médico Gustavo Sehnem, especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria, afirma que a pandemia de Covid-19 despertou um interesse maior pela saúde mental. A necessidade de isolamento, as mudanças de hábitos e dinâmicas relacionais, bem como o aumento dos casos de ansiedade e depressão, foram determinantes para deixar em evidência a importância de cuidar das emoções. “Foi visto que a gente precisa cuidar da nossa parte mental, do nosso emocional, tanto quanto a gente cuida do corpo. Que ambos conversam. Muitos sintomas psiquiátricos, emocionais, refletem também no físico e vice-versa”, comenta.
Sinais de alerta
O psiquiatra explica que, muitas vezes, o que chama a atenção primeiro são justamente os sintomas físicos. Por exemplo: uma pessoa que perde o apetite ou começa a comer excessivamente, beber mais do que costumava, que sente mais cansaço durante o dia, não dorme bem, tem uma alteração na energia e no ânimo para o trabalho ou atividades de lazer. E isso pode vir junto a outros sinais de alerta, como uma crise de choro, mudanças de humor, angústia, irritabilidade durante o trânsito ou em outras situações em que tem reações desproporcionais. Ou, ainda, tentativas compulsivas de compensação, por meio de compras e vícios em geral.
Para identificar sinais de que o caso é mais preocupante, é preciso avaliar a intensidade e a duração dos sintomas. “É normal sentir ansiedade ou tristeza em algum momento, mas é preocupante se esses sintomas persistirem por muitos dias e não melhorarem mesmo diante de situações que poderiam trazer alegria. A literatura recomenda observar sintomas contínuos por pelo menos duas semanas, mesmo diante de fatores positivos”, explica Gustavo Sehnem.
Nesse sentido, também vale ficar de olho em alguns fatores de risco que podem prejudicar a saúde emocional — nossa habilidade de lidar com emoções e estresses cotidianos e, quando necessário, adaptar-se às mudanças. Ela é afetada por aspectos como condições de trabalho estressantes, estilo de vida não saudável e exposição a situações de violência, discriminação ou exclusão social.
Como definir saúde mental?
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde mental como um estado de bem-estar no qual o indivíduo realiza suas próprias habilidades, lida com os fatores estressantes normais da vida, trabalha produtivamente e é capaz de contribuir com a sociedade. Nessa perspectiva, não se trata apenas da ausência de distúrbios emocionais, mas sim da manutenção de um equilíbrio.
Não podemos deixar de levar em consideração que a saúde mental é influenciada por diversos fatores. “Embora a OMS não forneça uma lista de fatores específicos que influenciam a saúde mental, ela destaca alguns aspectos e determinantes sociais, econômicos e ambientais que podem impactá-la. Alguns deles dizem respeito às relações interpessoais, saúde física, estresse, ambiente social e cultural, habilidade de enfrentamento e acesso a recursos de saúde mental”, explica a psicóloga Kauana Costa Pisante – que atende em Curitiba (PR) e faz parte do Grupo de Estudos em Psicologia Junguiana, no Laboratório de Ampliação da Personalidade e Estudos Junguianos (Lampeju), do Rio de Janeiro (RJ).
Por meio de sua vivência no atendimento a adultos e casais, a psicóloga Kauana Pisante observa que o interesse pela temática está aumentando, mas de maneira gradativa, tendo em vista que ainda existem muitos estigmas relacionados à saúde mental. E até mesmo uma falta de entendimento sobre o que de fato ela é.
Ela também acredita que a pandemia da Covid-19 trouxe luz a algo que sempre esteve presente em nossa sociedade: o sofrimento psíquico. Por isso, Kauana ressalta a importância de tornar o assunto cada vez mais presente no dia a dia. “Quanto mais deixamos de falar uns com os outros sobre saúde mental, mais ela se torna distante, e, consequentemente, fortalece-se o tabu acerca desse tema. Não podemos deixar que os sinais de alerta passem batidos. Eles existem por um motivo, e devemos notá-los com atenção e cuidado”, alerta.
Quando buscar ajuda profissional
Para ajudar quem está em dúvida se está apenas passando por uma fase difícil ou se precisa de ajuda profissional, Kauana Pisante recomenda que a pessoa tente se fazer algumas perguntas. “Algumas reflexões são válidas nessa situação: algo na vivência das minhas relações mudou? Estou tendo prejuízos pessoais e/ou sociais? Estou tendo muitas dificuldades para lidar com esse momento? No entanto, vale lembrar que a ajuda profissional de um psicólogo também auxilia nessa diferenciação”, orienta.
Além disso, a psicóloga enfatiza que o ambiente terapêutico oferece um espaço seguro e privado, protegido por normas éticas e legais, no qual as informações compartilhadas podem ser discutidas com confidencialidade. “Buscar amparo psicológico em momentos difíceis é uma maneira madura e saudável de enfrentar conflitos internos e externos”, destaca.
Como ajudar outra pessoa
Por vezes, quem está vivenciando uma situação de sofrimento tem dificuldade até para se dar conta de que o caso merece mais atenção. E pode acontecer de outras pessoas, ao redor, chegarem primeiro a essa conclusão. “Se você notou algo diferente, é muito importante conversar sobre isso, pois, muitas vezes, a pessoa sozinha não consegue notar ou tomar decisões, como buscar ajuda psicológica. Hoje em dia, há muitos recursos na internet. Busque um post interessante em alguma rede social e encaminhe para a pessoa, faça a sugestão de um filme que retrate a temática que a pessoa está vivenciando, pergunte se ela conhece alguém que já fez psicoterapia”, recomenda Kauana.
Esteja atento aos sinais caso alguém próximo esteja enfrentando dificuldades emocionais, ofereça apoio e demonstre preocupação. Isso pode fazer toda a diferença. Além disso, buscar ajuda profissional, como um médico de confiança, psiquiatra, psicólogo ou terapeuta, é fundamental para lidar com questões emocionais. “A ajuda existe. E é importante a gente aceitar ajuda”, enfatiza Gustavo Sehnem.
Dicas para cuidar da saúde mental
Quando se fala de saúde mental e emocional, é comum identificar épocas mais desafiadoras da vida devido ao estresse causado por razões temporais (como o período pré-vestibular, de avaliações importantes nos estudos ou no trabalho, por exemplo). Mas o pulo do gato está em perceber como deixamos que decisões que seriam temporárias perdurem, esquecendo de priorizar o que nos faz bem.
“Sem perceber, acabamos deixando de lado coisas que nos trariam bem-estar, como um hobby, uma caminhada ou tocar um instrumento. No consultório, observamos como está a rotina diária da pessoa e o que ela tem feito para si mesma, sem perceber. Muitas vezes, ela acaba vendo que foi deixando algumas coisas de lado, como a academia que frequentava, a dança, férias que não tira há tempos ou até mesmo feriados que acaba aproveitando para colocar as coisas em dia e não consegue se desligar”, observa o psiquiatra Gustavo Sehnem.
Dar o devido valor a esses momentos de cultivo do próprio bem-estar é essencial. E, para quem sente que precisa cuidar melhor da saúde emocional, Kauana Pisante indica incluir o acompanhamento psicológico na rotina.
“A terapia auxilia os sujeitos a desenvolverem recursos para lidar com situações difíceis. Com isso, a resiliência aumenta, as relações melhoram e a autoconsciência se desenvolve”, esclarece a psicóloga.
Vale salientar que uma vida equilibrada não é sinônimo de uma vida perfeita, uma realidade idealizada. “Uma boa saúde mental não proporciona uma vida sem problemas, mas possibilita uma vida mais leve, e com mais recursos e resiliência para lidar com as adversidades da vida, pelas quais todos nós passamos”, destaca a psicóloga. Dessa forma, uma maior compreensão de si mesmo torna possível a superação de traumas passados e a integração de aspectos da personalidade que são difíceis de lidar. Bem como um senso renovado de propósito e significado na vida.
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AÇÕES DA UNIMED QUE FAZEM A DIFERENÇA
Para além do trabalho que já é realizado pelas equipes médicas e multiprofissionais junto aos pacientes, a Unimed Federação do Estado do Paraná também criou o programa Saúde Mental, com a intenção de promover mais qualidade de vida para pessoas que apresentam histórico de internação psiquiátrica. Trata-se de um conjunto de ações desenvolvidas por um profissional de psicologia, para estimular o autoconhecimento e os cuidados com a saúde emocional, visando o fortalecimento da adesão ao tratamento para evitar o abandono, a reagudização dos sintomas e o sofrimento psíquico de cada participante e de seus familiares. A iniciativa conta com a aprovação do Programa de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças (Promoprev), da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
O programa Saúde Mental existe desde 2022 e é coordenado pela área de Programas de Gestão em Saúde, que faz parte da Gestão da Atenção à Saúde (GEAS). De lá para cá, já foram gerenciados mais de 220 beneficiários, incluindo orientações e suporte aos familiares desses participantes, totalizando mais de 11 mil interações. O programa, por meio das orientações e coordenação do cuidado centrado no paciente, apresentou taxa de reinternação psiquiátrica de 2,6%, enquanto para os casos sem gerenciamento, essa mesma taxa é de 17,3%, resultando em um custo evitado de mais de 660 mil reais e retorno sobre o investimento (ROI) de 4. Considerando toda a carteira de beneficiários em gerenciamento, no terceiro trimestre de 2023, o custo evitado com reinternações foi superior a 1,7 milhão de reais, com ROI de 8,7.
“Além dos custos evitados, percebemos melhor vinculação ao tratamento, quando a família é envolvida no contexto da coordenação do cuidado”, comenta Marcelo Amaro, coordenador do programa Saúde Mental.
Para Patrícia Poiani, psicóloga da iniciativa, a ênfase na abordagem humanizada, manifestada na criação de vínculos e no acompanhamento da jornada do tratamento em psiquiatria e psicologia, desempenha um papel fundamental na promoção do bem-estar mental e na qualidade de vida. Manter e fortalecer esse enfoque humanizado pode continuar a fazer diferença significativa na vida dos beneficiários e de seus familiares, contribuindo para uma abordagem mais compassiva e inclusiva na área de saúde mental.
Outro programa do GEAS voltado à saúde mental/emocional que merece destaque é o Cuidando do Cuidador, com encontros presenciais e atendimentos individuais direcionados às pessoas responsáveis por cuidar de familiares em tratamento domiciliar, e que integram o Programa de Cuidados Continuados e Atenção Domiciliar atendidos pela Federação. Nesses momentos de encontro, o objetivo é proporcionar um momento de troca de experiências, com incentivo ao autocuidado e minimização da sobrecarga, tão comum entre aqueles que se dedicam a cuidar do outro. Em 2023, também passaram a ser realizados encontros virtuais para incluir participantes de mais municípios.
GLOSSÁRIO
Saúde mental: termo geral associado ao estado de bem-estar psicológico, incluindo aspectos biológicos, sociais, cognitivos e, inclusive, emocionais.
Saúde emocional: habilidade de lidar com emoções e estresses cotidianos e, quando necessário, adaptar-se às mudanças. Aspecto da saúde mental relacionado à habilidade de lidar com nossas emoções e estresses cotidianos e, quando necessário, adaptar-se às mudanças.
Saúde mental e políticas públicas
A garantia do direito constitucional à saúde inclui o cuidado à saúde mental. É um dever do Estado brasileiro, que passa a ter responsabilidade de oferecer condições dignas de cuidado em saúde para toda a população. No Brasil, a política de saúde mental se pauta em princípios como a desinstitucionalização, o cuidado em liberdade e os direitos humanos. A Política Nacional de Saúde Mental é uma política de estado, definida pela Lei Federal 10.216/2001. (Fonte: Ministério da Saúde)