Vida longa e morte súbita!

Vida longa e morte súbita!

Longevidade e terminalidade, o desafio de viver e morrer bem

Em 1800, o mundo era habitado por jovens. Pessoas essencialmente na faixa dos vinte aos 44 anos (veja quadro). Duzentos anos depois, o panorama muda drasticamente. Hoje, somos mais de 7 bilhões de habitantes e, a maioria, já está acima de 60 anos. O continente mais jovem é também o mais pobre: a África.
O geriatra Marcos Cabrera, titular da disciplina de Geriatria, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), doutor em Ciências Médicas com área de concentração em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, falou sobre longevidade no 27º Simpósio das Unimeds do Estado do Paraná (Sues-par), realizado entre 13 e 16 de junho, em Foz do Iguaçu. Douglas Crispim, vice-presidente da ANCP (Associação Nacional de Cuidados Paliativos), diretor técnico do Grupo ASAS (Associação Sênior de Apoio à Saúde), as-sistente do Núcleo de Cuidados Paliativos, do Hospital das Clínicas, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) falou sobre terminalidade.
Os dois ao dividirem a mesa-redonda coordenada pelo diretor Administrativo e Financeiro da Unimed Paraná, Luís Francisco Costa, no Suespar destacaram o desejo que todos temos de vida longa e morte súbita. Entretanto, o que fazemos para, de fato, atingirmos uma vida longa e uma boa morte?
Essa pergunta pode ser respondida ao respondermos a uma outra: o que de fato queremos? Atraso das doenças ou retardo da mortalidade? Chegamos ao nosso ápice, atualmente, aos 50 anos, e daí iniciamos o declínio. Mudanças hormonais, alterações de memória, diminuição da capacidade física e do bem-estar global são alguns dos sinto-mas comuns dentro de um envelheci-mento esperado e normal.
Entretanto, alguns fatores relacionados, principalmente, a estilos de vida podem colaborar para que esse quadro seja agravado ou minimizado. O que inclui o fortalecimento de nossa capa-cidade emocional.
Cabrera destaca que a prevenção de doenças não-transmissíveis é preponderante em várias etapas da vida, desde a fase fetal, como o estado nutricional materno e peso ao nascer. No primeiro ano e infância, contam as condições socioeconômicas e as doenças às quais es-tamos expostos e a taxa de crescimento. Na adolescência, a obesidade, a falta de atividade física e o tabagismo delineiam hábitos importantes. Na vida adulta, os fatores de riscos comportamentais e biológicos estabelecidos aqui serão fundamentais para determinar o alto ou baixo risco à predisposição de doenças.
Agentes estressores durante o ciclo da vida também serão importantes no cômputo geral: adversidades na fase pré-natal, traumas na infância, trans-tornos mentais, doenças relacionadas à idade. Há estudos que correlacionam obesidade na infância e doença mental na velhice, estresse emocional nos pequenos e doença crônica na terceira idade, enfatizando a relação da aceleração do envelhecimento cerebral e o curso de vida.
Estudos mostram o quanto a capacidade de resiliência, processo de boa adaptação diante de situações adversas, mesmo em situações de baixa condição socioeconômica, problemas pessoais e saúde comprometida, impactam na possibilidade de vida longa com qualidade. Fatores como, foco e orientação, crenças, capacidade de enfrentamento, equilíbrio emocional, escolaridade, autoestima positiva, segurança e temperamento, caridade, coesão, comunicação na família, tempo familiar, flexibilidade, estabilidade nos relacionamentos, rotina e rituais, segurança socioeconômica, suporte social, transcendência e espiritualidade fortalecem a resiliência indi-vidual e familiar.
Sim! Frequentar a igreja e ter um bom relacionamento conjugal ajudam no envelheci-mento saudável. Segundo pesquisas nas chamadas zonas azuis – locais no mundo onde as pessoas são mais longevas, ultrapassando a marca de 100 anos de idade, uma vida “bem-vivida”, inclui não apenas alimentar-se de forma adequada, ter hábitos saudáveis, uma herança genética generosa e praticar atividades físicas, tem a ver também com atitudes diante da vida (veja boxs). 

A BOA MORTE

Isso nos leva a supor que vida longa e morte súbita não são uma questão apenas de sorte. É fato que, ainda hoje, os que têm longevidade, e longevidade com qualidade, ainda são uns poucos eleitos. Porém, a ciência vem observando que é possível, sim, aumentar as chances nessa loteria.
O fato é que, atualmente, existe uma previsibilidade mensurável no processo de adoecimento. Crispim nos lembra de que “os custos da saúde crescem em ritmo não sustentável em todo mundo 8,7% (2015) e 9,1% (2016). Como consequência, a saúde global tem atraído grandes investidores e soluções inovadoras com intuito de endereçar o atual impasse do setor. Práticas de gestão como coparticipação, gestão da saúde populacional e remuneração baseada em resultados clínicos vêm para frear essa tendência.
Os EUA, que como bem disse Crispim, não são modelo em saúde para ninguém, já gastam 17% do PIB em saúde. O Brasil gasta 8.3%, mas estudos indicam que no atual ritmo, o gasto brasileiro em saúde pode chegar a 20% em 2035. É insustentável, dizem os especialistas. E o pior é que muitas vezes esses gastos são direcionados de forma ineficiente.
No caso de pacientes em fase de terminalidade, os gastos não atendem às suas reais necessidades. Crispim destaca que é possível tratar o sofrimento das pessoas gerando resultados em sustentabilidade. Muitos pacientes em fase terminal são internados quando deveriam estar em atendimento home hospice. É importante lembrar no que diz respeito aos cuidados paliativos em rede que a ausência de uma modalidade gera efeito bolha.
Home hospice não é um serviço de home care com paliativos, um ambulatório de cuidados continuados tem formatação própria. Para Crispim, esse caminho não tem volta, todas as operadoras vão por esse caminho nos próximos anos, por isso a importância de sistemas de monitoramento e regulação e a necessidade de várias modalidades na busca de melhores resultados.
No Brasil, os cuidados paliativos ainda são incipientes, apesar de os dados apontarem que até 80% das pessoas preferem falecer no conforto de casa ao ambiente hospitalar. Nos Estados Unidos, 63% dos Hospitais já possuem ou indicam soluções alternativas a seus próprios leitos para pacientes em fase terminal, no Brasil, menos de 10% dos hospitais disponibilizam esses cuidados. É uma desrazão, uma vez que de acordo com estatísticas do Medicare, cerca de 30% do total de gastos com saúde da população idosa são incorridos no último ano de vida do paciente e isso, em boa parte, em virtude das internações.
Quando se fala em custos de saúde, as pessoas têm receio da abordagem, para que não se pense que se defende a economia diante da vida. Não é nada disso. A grande questão é a otimização. Ou seja, recursos suficientes para todos. Mais que isso: dar a cada um aquilo que precisa da forma mais eficiente possível. O que significa resultados consistentes. As necessidades de um paciente terminal são diferentes das necessidades de um outro paciente qualquer. Prolongar a vida a qualquer custo implica, na maioria das vezes, apenas mais e mais sofrimento. Por essa e outras, a discussão já está muito além da desospitalização.
Para Crispim, o alinhamento dos agentes no processo pode gerar ganhos assistenciais e economia de custo relevantes para os sistemas de saúde. O desejo de quem trabalha com cuidados paliativos é aliar desospitalização moderna, cuidados paliativos em Rede Integrada, Home Hospice com 24 horas de cobertura e Sistema de Monitoramento. Elevando o padrão de experiência do Paciente e Familiar e gerando economia financeira para todos.
Entretanto, para o médico, as dificuldades ainda são muitas. A maioria das Operadoras atua com dificuldades nesse tema. Não há muita informação e ainda existe um foco muito grande no fim de vida. “Os hospitais que ainda trabalham na lógica FFS (fee-for-service), encontram dificuldades em entender as vantagens. Outros já têm foco na experiência do paciente. Médicos-assistentes desconhecem soluções ou possuem resistência a algumas delas, as famílias têm receio e desconfiança, pois o que existe não gera segurança, por isso a necessidade e desejo do paciente nem sempre são atendidos, e a experiência e percepção do cuidado muitas vezes é ruim.
Apesar de tudo, Crispim destaca os avanços alcançados no entendimento dos Cuidados Paliativos por meio do Asas Consulting. O foco central é o treinamento e desenvolvimento de Recursos Humanos. A partir disso, fica mais fácil o planejamento, a sensibilização, documentação, implantação, manutenção e expansão do processo de cuidados paliativos nos locais solicitados (hospitais e/ou operadoras).
Os geriatras citaram o ciclo de vida e morte, lembrando de que, independentemente, das situações que nos são colocadas, há uma boa margem de escolhas que podem ser feitas. Um deles citou um amigo que gostava de fazer a seguinte saudação: [desejo-lhe] vida longa e morte súbita! Esse seria ou não seria o melhor dos mundos? Portanto, pensemos, cotidianamente, em como queremos viver e morrer e lutemos por isso.

Douglas Crispim
Marcos Cabrera palestrando no evento

CARACTERÍSTICAS E PRÁTICAS QUE PARECEM CONDUZIR À LONGEVIDADE

• Proposta de vida–razão para viver
• Respeito às pessoas–forte relação
familiar e com a comunidade
• Otimismo e atitudes positivas na vida
• Alimentação moderada, rica em vegetais
e pobre em proteínas animais
• Atividades diárias durante toda a vida
• Vida com simplicidade, com foco maior em
bem-estar/relacionamentos e menos em bens materiais
• Garantia de sono adequado à noite
e “siestas” após o almoço
• Generosidade–fazer o bem traz felicidade
• Gratidão e apreço–foco maior no que
se tem e não no que não se tem
• Respeito e integração entre as gerações

Fonte: Blues Zones – Dan Buettner The Blues Zones (2013), adaptado por Timothy Sharp, Live Happier Live Longer, (2014)

QUEM TEM MAIS CHANCE DE CHEGAR A VELHICE COM FELICIDADE?

Estudo realizado por George E. Vaillant, professor de psiquiatria em Harvard, aponta que longevidade e felicidade têm a ver com sete questões básicas, que implicam atitudes perante à vida.

• Perdoar
• Ser solidário
• Ser grato
• Não se sentir doente
• Manter-se ativo após a aposentadoria
• Ser feliz no casamento
• Gostar da vida!

Fonte: Harvard University -Aging Well -2005


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