“O dia a dia é exaustivo. São longos períodos sem tomar água, comer ou ir ao banheiro. Horas paramentados com dor, calor, cansaço físico e mental”. Esta é uma breve descrição da rotina enfrentada pela médica intensivista Fernanda do Carmo de Stefani, cooperada da Unimed Curitiba e integrante da área de auditoria, que diariamente atende pacientes infectados com o novo coronavírus. Além disso, é, certamente, a situação de muitos profissionais de saúde que estão na linha de frente da batalha contra a Covid-19.
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Fernanda conta que, quando leu os primeiros artigos italianos que apresentavam a experiência dos profissionais de saúde em seus plantões nas áreas restritas para a Covid-19, pensou que esta realidade estava distante e que teria tempo hábil para organizar o atendimento e evitar a contaminação de funcionários. “Realmente tivemos um pouco mais de tempo para nos preparar, mas não escapamos de ter que criar áreas inteiras dentro dos hospitais para atender em massa este perfil de paciente. Poucas semanas se passaram desde que li esses artigos e já pude sentir o dia a dia exaustivo, exatamente como foi descrito”, afirma.
A mudança na rotina
As dificuldades de comunicação entre a equipe, os movimentos mais lentos e a atenção redobrada com os colegas para evitar a quebra da barreira de isolamento – que pode acontecer com o deslocamento de um protetor facial ou uma porta aberta – aumentam o cansaço. “No princípio, parecia que iríamos dar conta, que estava tudo sob controle. As escalas estavam fechadas, as devidas reformas foram feitas nos setores e todos estavam motivados com a doença nova que chegou por aqui. Sabíamos que não havia ninguém melhor do que nós, intensivistas e equipes multidisciplinares bem treinadas, para tomar conta disto e colocar em prática o que aprendemos e estudamos intensamente nos últimos meses”.
Mas, de acordo com Fernanda, os dias passam, a rotina vai ficando mais puxada, os colegas vão se afastando por estarem com sintomas, as escalas dos profissionais vão ficando defasadas e todos começam a fazer um pouco da atividade que antes não lhes cabia. “A limpeza do ambiente, a reposição das medicações, a mudança de decúbito do paciente, a coleta dos exames de laboratório. Tudo passa a ser parte da rotina de todos, independentemente da sua área de atuação”, explica.
A internação de um colega
Superadas as dificuldades iniciais, uma certa ordem se estabeleceu para que a equipe seguisse em frente. Entretanto, a internação de um colega, Cassio Luiz Montanheiro, coordenador da brigada de incêndio da Unimed Curitiba, foi um novo aprendizado. “Enfermeiro, ele vinha na linha de frente dos atendimentos aos pacientes suspeitos e se contaminou mesmo com todos os esforços e cuidados e a utilização dos equipamentos de proteção individual (EPIs)”, conta. De acordo com a profissional, o colega participou ativamente do próprio tratamento desde os primeiros momentos na UTI.
“Mesmo com muita indisposição física, pudemos acompanhá-lo por um período na enfermaria antes da piora clínica que aconteceu na segunda semana de sintomas. Ele foi informado dos achados da sua tomografia, da necessidade de aumentar o aporte de oxigênio e da necessidade de voltar à UTI para possivelmente ser entubado”, lembra.
Fernanda conta que, foi nesta ocasião que o então paciente revelou a maior angústia: a incerteza do que aconteceria com ele nos cinco minutos subsequentes. “Ele teria que coletar mais exames doloridos, ficaria sem contato com sua família, seria pronado e talvez intubado. Em cinco minutos, todos estes planos poderiam mudar. Foi com sua paciência e força de vontade que novamente renovamos as nossas esperanças de que é possível sim alguém ‘igual a nós’ se recuperar desta doença, mesmo tendo grande parte de seus pulmões acometidos pela pneumonia viral”.
Cássio foi o primeiro paciente grave com Covid-19 confirmado na Unimed Curitiba, e o primeiro a ter alta após 12 dias internado. “Sua família optou por compartilhar este momento em redes sociais e na TV, e nós, que até então não tínhamos parado um segundo para pensar nas coisas boas que a pandemia pode trazer, fomos surpreendidos com choros de felicidade na porta do hospital e muito reconhecimento por parte de amigos, familiares e desconhecidos que acompanharam essa história. Posso afirmar com todas as letras que isto foi inspirador para toda a equipe”, revela.
A batalha contra a Covid-19 é constante
Fernanda ressalta que, enquanto não houver um tratamento e uma vacina contra a Covid-19, todos continuarão em um mar de incertezas, com desafios como diagnóstico assertivo e rápido dos pacientes com a doença, separação dos casos suspeitos confirmados dos não confirmados, determinação do setor do hospital que receberá o paciente, superação do cansaço para evitar a contaminação no momento de retirar os EPIs e insegurança devido às constantes mudanças de protocolo.
“Nossa guerra contra o tempo é constante. Apesar de tudo, sabendo que essa situação ainda não tem um prazo para terminar, estamos aprendendo lições simples a cada dia que passa. Médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de enfermagem, farmacêuticos, copeiros e profissionais da higiene, todos somos atores igualmente importantes no cuidado do paciente, e o paciente deve ser o protagonista de todas as decisões em relação aos seus cuidados e seus objetivos de tratamento”, destaca.
O contato dos pacientes com a família teve que ser reinventado e agora as ligações por vídeo fazem parte do dia a dia hospitalar. Os profissionais também estão mais atentos aos protocolos de uso dos equipamentos de proteção. “Medidas simples, como lavagem de mãos e utilização correta de EPIs, estão sendo vistas com outros olhos por toda a equipe. A magnitude do impacto é tão grande que será difícil voltarmos a praticar intubações orotraqueais sem protetores faciais, gorros, máscaras e aventais. Por último, eu não poderia deixar de mencionar que, neste momento, fica evidente como nós, profissionais da saúde, somos facilmente consumidos por nosso fascinante trabalho. Este momento, mais do que qualquer outro, está nos mostrando como devemos apreciar com maior frequência o conforto de nossos lares e os valores das nossas relações além das paredes dos hospitais”, conclui Fernanda.