Flaviano Feu Ventorim, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Paraná (Femipa), fala sobre o enfrentamento à pandemia de Covid-19 em entrevista ao portal Saúde Debate
No olho do furacão. Esta foi a posição de Flaviano Feu Ventorim durante a pandemia de Covid-19. Suas atribuições como diretor de um dos maiores complexos hospitalares de Curitiba (PR) e à frente de importantes entidades da área da saúde fizeram com que tivesse que atuar no planejamento para a crise antes mesmo da chegada do coronavírus ao Paraná. As ondas da Covid-19 apenas intensificaram os desafios, não apenas profissionais, como também pessoais.
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Ventorim é formado em administração hospitalar pelo Centro Universitário São Camilo, diretor do Hospital Nossa Senhora das Graças, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Paraná (Femipa), vice-presidente da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) e presidente do Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Paraná (Sindipar).
Nesta entrevista na seção Paradigma do Saúde Debate, Ventorim lista as revelações que vieram à tona com a pandemia de Covid-19, assim como as lições e aprendizados que esta crise deixa. “Tive a oportunidade de estar no meio das decisões mais importantes. Agradeço muito porque aprendi muito com isso. Estar em contato com as secretarias de saúde, de representar os hospitais. Vimos que hospitais públicos e privados têm as mesmas carências, as mesmas dificuldades”, comentou.
Acompanhe a entrevista completa:
Saúde Debate – A pandemia foi o maior desafio em 21 anos de atuação em hospitais?
Flaviano Feu Ventorim – Já assumi desafios diferentes ao longo da carreira. Já abri hospital no “meio do mato”, já montei hospital na véspera de Natal… Já passei por situações complexas, como ficar sem energia em um hospital. É algo aterrorizante. Passei pela H1N1, mas esta pandemia, até pelo tempo em que se manteve ativa, foi a situação mais difícil de lidar. A pandemia de Covid-19 exigiu um esforço técnico e emocional muito grande, por muito tempo.
A pandemia trouxe à tona muitos sentimentos e revelações, e até mesmo descobertas, sejam individuais ou coletivas. O que marcou o senhor pessoalmente?
A pandemia revelou que precisamos melhorar muito como sociedade. Pelo lado de quem está trabalhando com a pandemia, vi a pandemia ser politizada, negada. Muitas pessoas falando e fazendo besteira, enquanto havia pessoas enfrentando o vírus “no peito”. Houve muitos erros, de todos os lados, mas muita gente errou tentando acertar, em algo extremamente novo. Vimos pessoas que se protegeram e pegaram o coronavírus. Pessoas que não se protegeram e não pegaram – ou acham que não pegaram. Ainda assim, muitas pessoas ainda poderiam ter sido melhores e talvez não teríamos passado por situações que passamos. Como seres humanos, poderíamos ter sido muito melhores. Como país, essa politização da doença foi muito negativa.
A pandemia também vai deixar histórias, como a dinâmica de todo profissional de saúde, que voltava para a casa, tirava tudo na porta, colocava em um saco plástico e deixava do lado de fora… Alguns tinham estrutura para isto; outros, não. São histórias de pessoas que se desdobraram neste período.
E profissionalmente, o que a pandemia revelou?
Sempre digo aos meus filhos que, em qualquer situação, se sai bem quem não entra em pânico. Vi muito isso. No hospital onde trabalho, começamos a nos preparar muito cedo e não entramos em polvorosa. Acompanhamos o que estava acontecendo fora do Brasil e começamos a tomar as decisões. Aqui, conseguimos acalmar as equipes, lidando com isso com serenidade, apoiando as equipes que estavam nas pontas. E não só médicos e enfermeiros, mas também recepcionistas, equipes da limpeza, pessoal da copa… Houve a tranquilidade para conversar com as pessoas e fazer com que todo mundo compreendesse o que estava acontecendo. Não tivemos crises internamente.
Estou em uma posição complexa: sou diretor de um grupo de hospitais; presidente de federação de Santas Casas; presidente de um sindicato de hospitais, clínicas e vários serviços; e vice-presidente da confederação nacional das Santas Casas. Você precisa estar em vários papéis ao mesmo tempo. É necessário uma maleabilidade. Nesta pandemia ainda houve a interação, muitas vezes, apoiando as decisões estratégias de estado e municípios; conversando com o comércio, que foi diretamente impactado. Profissionalmente tudo isso foi bastante pesado.
O senhor acha que tudo o que a pandemia desencadeou vai resultar em uma valorização do profissional da saúde, dos hospitais e do setor da saúde de maneira geral?
Espero que sim, mas não sei se haverá tanta mudança. Vivemos em um país de muitas mazelas, independentemente de quem esteja ou quem passou pelo governo. Estamos trabalhando todos juntos, mas, em prol de manter uma instituição aberta, não conseguimos remunerar adequadamente os profissionais de saúde. Isso é muito ruim. Falando em nome das Santas Casas, a gente vive lutando por uma remuneração digna aos hospitais e do meu lado está o enfermeiro, o recepcionista, o higienizador que querem um salário melhor e não conseguimos.
Acho que seremos lembrados em alguns momentos (no pós-pandemia). No início, as pessoas batiam palmas; depois, criticavam porque os profissionais de saúde andavam com elas dentro dos ônibus. Isto é exemplo de uma sociedade que precisa melhorar. Com certeza vai marcar muito a importância dos profissionais de saúde, mas a valorização de um todo da sociedade… Acredito que vai entrar em um normal e a sociedade vai encarar desta forma. Parte das pessoas enxerga essa diferença, mas a maioria…
Estamos em um estágio da pandemia com números mais baixos de casos, internamentos e mortes. Como o senhor encara este momento?
É um momento de alívio, mas não de baixar a guarda. Somos uma população habituada à vacina, diferente de outros países. Então, as pessoas querem a vacina, salvo um grupo pequeno. E a vacina vai ajudar. A vacina não é um bem de proteção individual, e sim de proteção coletiva. Então, quanto mais gente se vacinar, menor o risco de transmissão. Diminuindo a chance de transmissão, reduz também a de mutação do vírus. A partir disso, começa um ciclo do bem.
Vejo isso como um momento bom, mas as pessoas estão vacilando na proteção. Muita gente perdeu o medo e não deveria perder. Falo isso porque há um mês tive um caso de Covid-19 em casa, do meu filho de 13 anos, o que mais se cuida. Posso dizer que é um baita susto. E tudo aconteceu com uma pessoa que frequentava a nossa casa, que sabia que estava com sintomas, e mesmo assim foi lá. Pode ser num vacilo desse que a gente se complica.
A pandemia foi a responsável por uma transformação na área da saúde. O que esta crise mudou na gestão dos hospitais e de que forma impacta para o futuro?
A pandemia testou tudo o que a gente aprendeu de gestão. Aprendi que temos que gerenciar o estoque com muito zelo. De repente, faltou material em todo o mundo. Mas aprendemos a ser mais ágeis, organizados. Aprendemos a ser menos burocráticos porque precisávamos salvar vidas. Foi um momento de quebra de paradigmas. A telemedicina era algo que precisava acontecer. Ainda temos entraves burocráticos que atrapalham muita coisa, mas vamos evoluir muito. Em toda grande guerra, muitas tecnologias aparecem.
Tive a oportunidade de estar no meio das decisões mais importantes. Agradeço muito porque aprendi muito com isso. Estar em contato com as secretarias de saúde, de representar os hospitais. Vimos que hospitais públicos e privados têm as mesmas carências, as mesmas dificuldades. Isto foi um ponto importante no aprendizado. Não apenas eu, mas os hospitais saem desta crise mais bem preparados para situações como esta.
E o que foi fundamental neste processo? A informação?
Talvez eu não tenha tido a oportunidade de falar isso, mas a mídia teve um papel importante. Lógico que é preciso fazer algumas separações, mas quando a mídia trazia as informações sobre o que estava acontecendo nos Estados Unidos e na Europa, nos ajudou a tomar muitas decisões. A velocidade da informação foi fundamental. A mídia ajudou a passar também informações à população de forma muito assertiva. Em especial a mídia aqui do Paraná, com quem me relacionei muito, politizou pouco.
Fonte: Saúde Debate