Alguém conhece esse anjo?

Alguém conhece esse anjo?

Ao salvar homem que infartou no Largo da Ordem, técnica de enfermagem ganhou outro nome

DOMINGO, hora do almoço e a tradicional feirinha do Largo da Ordem, realizada no Centro Histórico da capital paranaense, lotada. Dia em que muitas famílias vão à missa na nostálgica igreja do Largo, caminham pela praça ou param para experimentar alguma das delícias que ali são oferecidas. Para a técnica de enfermagem, Anny Lyz Bueno, era metodicamente assim todo domingo… Até agosto de 2015. Entre a oração e a pausa para o almoço com o marido, a profissional, apelidada de ‘anjo’ por diversos frequentadores da região, salvou a vida de um maringaense que por ali passeava.
Era para ser um dia comum no meio da rotina da técnica que, na época, trabalhava há apenas dois meses na Unimed Paraná. Ir à missa na tradicional Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Chagas – a igrejinha do Largo da Ordem – já era compromisso fixo na agenda dela e do marido, assim como comer um bolinho na feira logo depois. Mas não era para ser assim naquele domingo. Na verdade, o casal não pretendia nem ir à missa, pois o marido de Anny havia chegando de viagem ainda naquela madrugada e, por isso, iria ficar em casa descansando. “Às 5h30 eu perdi o sono e decidi assistir à televisão. Estava passando um programa em que duas pessoas, um ateu e um religioso, discutiam sobre a existência de Deus. Naquela hora eu decidi que deveria ir à igreja, até falei para o meu marido que iria mesmo que fosse sozinha, pois sentia que tinha algo, sentia que era para eu ir”, relembra a estudante de Enfermagem e profissional do Programa de Gerenciamento de Doenças Crônicas (PGDC), do GEAS.
E assim foi: a técnica e o marido assistiram à missa e, como era costume, pediram o bolinho na feira e aguardaram por ali mesmo para poder comer. Naquele instante, o domingo de Anny começou a, de fato, mudar. “Estávamos aguardando o bolinho quando houve um alvoroço. Vi um policial com a mão bem esticada ajeitando cuidadosamente cada dedo dentro de uma luva e, do lado dele, um hippie bem exaltado. Então, sem querer, eu pensei ‘vou lá ver se eles precisam de ajuda’, mas não fazia ideia do que estava acontecendo”, conta. Ao se aproximar da confusão, a técnica de enfermagem encontrou um homem caído no chão, desacordado e já com a aparência arroxeada. “Eu perguntei ao policial se eles precisavam de ajuda, então ele disse que precisavam de alguém que fizesse massagem cardíaca. Falei que sabia fazer, pois era da área da saúde, mas não deu nem tempo de eu falar mais nada, pois ele já colocou as mãos nas minhas costas e pediu para que eu fizesse”.
Ao se aproximar do homem, Anny Lyz percebeu que não existia pulso e, imediatamente, deu início à massagem cardíaca. Porém, enquanto auxiliava o desconhecido, o marido da profissional começou a passar mal e se afastou da multidão que, em vez de prestar ajuda, tirava fotos e filmava. “Esse cenário de rua é o pior, pois você não tem equipamento, não tem uma luva… e tudo tinha acabado de acontecer, não fazia nem três minutos. Então, eu já comecei a controlar, pedi para alguém chamar o SAMU, para outro prender meu cabelo, e assim foi”, detalha. Enquanto massageava o paciente, a técnica notou que os familiares do homem – esposa, filha e cunhados – haviam chegado ao local e estavam consternados. “Foi ficando cada vez pior, pois eu tentava me concentrar e não conseguia, sempre olhava para trás e via a mulher e a filha dele. Colocava-me no lugar e pensava: ‘meu Deus, não tem ninguém para ajudar’, pois todos tiravam fotos e ninguém as acolhia, ninguém trazia uma água ou algo assim”.

TRÊS AMBULÂNCIAS E O CANSAÇO

Depois de alguns minutos de desespero, o primeiro sinal de esperança apareceu: uma ambulância do SAMU. O alívio não durou muito tempo, pois não havia médico junto à equipe, o que impedia o socorro imediato ao paciente ainda desacordado. Poucos minutos depois, a segunda ambulância chegou ao local. Mais uma vez, a equipe não podia socorrer o homem, já que não tinha o medicamento certo para realizar a intubação. Enquanto aguardavam a terceira ambulância chegar, porém, Anny Lyz percebeu que o pulso havia voltado – assim como a esperança. “Quando a terceira ambulância chegou, eu já estava lá dentro junto ao paciente, pois ele voltou a ter ritmo, apesar de não ser o ideal. Então, usaram o desfibrilador e eu continuei prestando apoio até ele estabilizar”, conta. Com as pernas trêmulas – de fome e nervosismo – a profissional, então, saiu de cena. “Eu falava que precisava sair da ambulância a todo momento, pois era isso… Fiz o que tinha que ser feito e era hora de sair de cena. Quando acabou, eu sabia somente o primeiro nome dele”.
Anny Liz lembra que, logo após deixar a ambulância e toda aquela confusão de 50 minutos para trás, comeu o desejado bolinho e foi para casa. Sem saber nenhuma informação, além da idade e do fato de que o homem não tinha nenhum problema prévio de saúde, de acordo com o que contou o cunhado, a técnica de enfermagem deu continuidade à rotina. “Meu esposo ficou muito abalado com a cena. Mexeu bastante com ele. Então, ele queria saber para qual hospital o paciente tinha ido e eu não sabia, não tinha como saber. A vida é assim mesmo, você faz e sai de cena”, pontua.
Discreta, a técnica não comentou com quase ninguém o que havia acontecido naquele domingo de agosto. No trabalho, somente um colega sabia do fato e ele, por acaso, participava de um grupo de socorristas do SAMU. “Anny, olha só que mundo pequeno!”, chamou o rapaz na quinta-feira seguinte. Uma foto da profissional atendendo ao homem desacordado estava no grupo e nas redes sociais, junto de um pedido: alguém conhece esse anjo? “Eu nunca tive rede social, só tenho e-mail e celular… então foi ele [colega] quem viu no grupo, não teria como eu ficar sabendo. Só então eu descobri quem era aquela pessoa que estava no chão, que ele era de Maringá, que tinha estado aqui, passeando com a família”.
Um dos socorristas que atendeu à ocorrência relatou que o homem tinha sido levado para a Santa Casa, onde foi constatado um infarto. “De acordo com os médicos e com o cardiologista, devido ao socorro rápido, ele estava bem e não tinha nenhuma sequela, então a família queria agradecer e, por isso, colocou a foto nas redes. Referiam-se a mim como anjo”, lembra. Já no dia seguinte, outra enfermeira, também colega de trabalho de Anny Lyz, viu a publicação em uma rede social e mostrou à técnica. “Ela me perguntou se não era eu naquela foto… Só que o paciente já tinha ido embora para Maringá e, mais uma vez, não tive contato”, explica.

UM SEGUNDO ENCONTRO
As coincidências – ou destino – não pararam por aí. O setor em que Anny trabalha trata os alertas recebidos pela área da atenção à saúde e, quando necessário, encaminha-os para os programas da Unimed, como PGDC, no qual a profissional atua. São incluídos nesses programas beneficiários com questões de saúde que requerem um acompanhamento e atenção maior, como, por exemplo quem já sofreu um infarto ou possui alguma doença crônica. “Na semana seguinte, veio um alerta e o tal processo caiu exatamente para o meu amigo. Quando vimos todo o histórico, foi uma baita surpresa, pois era justamente o homem que atendi na praça. Porém, pela questão ética, não foi falado nada naquele momento”.
O beneficiário aceitou participar do programa e no segundo ou terceiro contato telefônico resolveu contar a história que havia vivenciado: foi salvo por uma técnica de enfermagem no meio do Largo da Ordem. “Quando ele contou, deu a abertura, aí meu amigo contou que o ‘anjo’ era eu. Conversei com ele ao telefone e fiquei bastante emocionada”. Para Anny, o mais impressionante é que parar para prestar auxílio não é algo que costuma fazer. “Quando vejo um acidente, não costumo parar, pois você tem que ter muita responsabilidade. Aí tem os curiosos de plantão que, às vezes, acusam você de algo que não fez. O máximo que faço é chamar a ambulância, se não tiver ninguém. Mas ali eu acho que foi tudo preparado para acontecer dessa forma, era para eu estar ali”, desabafa.
Sendo um “anjo” ou não, a profissional reforça a importância de se doar aos outros, mesmo que em outras situações. “A gente precisa estar sempre se doando, você precisa estar disposto a se doar. Seja para a família, trabalho ou amigos, seja onde estiver. Isso é um jeito de cuidar também”.
Por fim, Anny conta que ficou extremamente agradecida por ter a oportunidade de ajudar alguém na vida. “Agora eu consigo falar disso sem me emocionar, mas, antes, era quase impossível. É algo que sempre vou lembrar”, finaliza.

Você pode acessar o vídeo que circula no Youtube, sobre o momento, no seguinte endereço:
https://www.youtube.com/watch?v=FeVkW_uvDSY.

Cinco ano depois, finalmente, o reencontro esperado. Na foto, Marcel Antunes da Silva, profissional do PGDC, Luzia Afonso de Melo. e seu esposo , Elpídio Afonso de Melo, salvo por Anny KLiz, à direita.
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