A ciência do sonho: conheça sonhos que influenciaram a realidade

Sonhos influenciaram a realidade
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Nesta série de reportagens, a Revista Ampla on-line aborda o universo dos sonhos da perspectiva científica. Conheça sonhos que influenciaram a realidade

A capacidade dos sonhos de reorganizar as informações adquiridas durante a vigília contribuiu para diversas áreas do conhecimento – desde a ciência até a arte. Conheça agora algumas dessas histórias e entenda como elas foram possíveis.

Confira também: A ciência do sonho: com que sonhamos? E qual a importância de sonhar?

Sonhos influenciaram a realidade

O sonho com a tabela periódica

Era 17 de fevereiro de 1869 quando o russo Dmitri Mendeleiev teve um sonho que mudaria para sempre a história da química. Naquela época, os cientistas conheciam 63 elementos químicos, mas não sabiam a relação entre eles. Disposto a mudar isso, Mendeleiev – que gostava de jogar paciência – recorreu a uma estratégia parecida com o jogo para fazer sua descoberta: em cartas em branco, escreveu o nome dos 63 elementos e seu peso atômico. Um elemento por carta. Depois, ficou horas tentando organizá-las de acordo com um padrão, mas não teve sucesso. Até que, exausto, ele dormiu sobre as anotações e começou a sonhar. Durante o sonho, uma imagem tomou forma.

“Vi num sonho uma tabela em que todos os elementos se encaixavam como requerido. Ao despertar, escrevi-a imediatamente em uma folha de papel”, declarou Mendeleiev.

sonho 1. Dmitri Mendeleiev
Bloco postal russo de 2019 em comemoração aos 175 anos de Dmitri Mendeleiev – Wikimedia Commons

O resultado do sonho foi a organização da tabela periódica, com os elementos em ordem crescente de peso atômico reunidos em três famílias: metais alcalinos, alcalinos terrosos e alogênios. Na tabela, Mendeleiev também deixou lacunas, espaços em branco para elementos que deviam ser procurados. Anos mais tarde, esses elementos foram descobertos e se encaixaram perfeitamente. São eles Gálio e Germânio.

“A tabela periódica ainda pode ser usada para prever algo. É como uma lista de ingredientes do universo. É um livro de receitas que mostra como as coisas podem se misturar e os resultados que você vai obter”, afirma a química Jacquie Burke no documentário “A Ciência em Foco – Grandes Questões – O sonho de Mendeleiev”.

Hoje, a tabela periódica possui 118 elementos e é dividida em oito famílias. A tabela é um indicativo de como o homem se relaciona com o ambiente e é considerada pela ONU uma das conquistas mais significativas da ciência.

O sonho com as músicas Yesterday e Satisfaction

Em 1965, os Beatles se preparavam para gravar seu próximo sucesso, a música “Help”. Antes da gravação, no entanto, outro hit começou a ser concebido por Paul McCartney: Yesterday. E isso aconteceu, segundo ele, durante um sonho.

A banda estava hospedada em um pequeno quarto em um sótão em Londres. McCartney sonhou com a melodia, acordou e foi direto para o piano tocar, para não esquecer. Foi um processo criativo tão diferente do que o músico tinha experimentado até então, que ele próprio desconfiou da autoria.

“Gostei muito da melodia, mas porque sonhei com ela, não acreditei que a tinha escrito. Pensei: ‘Não, nunca escrevi nada assim antes.’ Mas eu tinha a música, que foi a coisa mais mágica!”, declarou McCartney em uma entrevista à BBC.

Os Beatles em 1965 – Wikimedia Commons

Ainda com receio de ter plagiado alguém, o baixista tocou a música para várias pessoas, para ver se alguém conseguia identificá-la. Como isso não aconteceu, ele teve certeza que a composição era dele e acabou gravando o que viria a ser um dos maiores sucessos da banda e a música mais regravada da história.

Também em 1965, um fenômeno parecido aconteceu com Keith Richards, dos Rolling Stones. A banda estava em turnê pelos Estados Unidos quando o músico teve a ideia inicial do hit Satisfaction durante um sonho. Richards acordou no meio da noite, e gravou um riff e um verso com as palavras “Can’t get no satisfaction”. Com o gravador ainda ligado, ele voltou a dormir e acabou registrando também seu próprio ronco. Só pela manhã, quando acordou, ele se deu conta do que tinha acontecido.

Os Rolling Stones durante um show em 1965 – Wikimedia Commons

Alguns dias depois, os versos de Satisfaction foram finalizados. A música foi lançada em 6 de junho de 1965 e foi a primeira da banda a liderar as paradas nos Estados Unidos. No Brasil, um ano depois, a música foi a mais tocada no país. Até hoje, mais de 50 anos após o lançamento, Satisfaction ainda é tocada em shows dos Stones.

“Foi a música que realmente fez de nós os Rolling Stones”, afirmou Mick Jagger à revista Rolling Stone. “Ela nos fez deixar de uma banda qualquer para nos tornarmos uma banda gigantesca, monstruosa”.

Como isso foi possível?

Acordar com uma ideia nova ou com a resposta para uma dúvida é reflexo da capacidade dos sonhos de processar, integrar e reorganizar as informações de modo que façam sentido. E a ciência já confirmou isso.

Um estudo conduzido pelo pesquisador Robert Stickgold, da Universidade de Harvard, colocou um grupo de pessoas para aprender a navegar em um labirinto tridimensional. Depois de um tempo de aprendizado, houve um teste para avaliar com que facilidade elas circulavam pelo labirinto e conseguiam sair dele.

O grupo foi então dividido em dois: um permaneceu acordado e o outro tirou um cochilo. Depois disso, o teste foi refeito e o resultado foi que o grupo que ficou acordado, demorou um minuto a mais para passar pelo labirinto do que da primeira vez. Já o grupo que dormiu, conseguiu passar pelo labirinto cerca de um minuto mais rápido na comparação com o teste anterior.

“Um cochilo de 90 minutos e na verdade o cérebro está melhorando comparado ao que podia fazer antes”, afirma Stickgold no Ted x River City sobre sono, memória e sonhos.

Interessada por sonhos, a pesquisadora Erin Wamsley, aluna de Stickgold, decidiu fazer outro estudo: acordar as pessoas durante o cochilo e perguntar com que estavam sonhando. Já para o grupo acordado, o questionamento era “o que você está pensando?”

Quando o teste foi refeito, os participantes que ficaram acordados – mesmo aqueles que pensaram sobre o jogo – não tiveram melhora no desempenho. Os que dormiram e não tiveram nenhum tipo de sonho com o jogo apresentaram pouca ou nenhuma melhora. Já os que dormiram e sonharam com o labirinto, tiveram um desempenho dez vezes maior. Ou seja, o sonho ajuda a aprender e a criar.

Próxima reportagem

Na última reportagem da nossa série sobre a ciência do sonho, vamos ensinar estratégias para você se lembrar dos seus sonhos e também os caminhos para interpreta-los. 

Veja a primeira parte dessa série: A ciência do sonho: afinal, o que é sonho?