Contato com a natureza: um remédio a ser receitado

Contato com a natureza
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O contato com a natureza traz uma série de benefícios para o desenvolvimento de crianças e adolescentes, por isso, deve ser recomendado por médicos e incentivado por pais e responsáveis

Não precisa ser especialista para constatar. Se você mora em uma grande cidade, basta olhar para a rua para perceber que o que antes era um lugar de brincadeiras, esporte e socialização virou um espaço quase exclusivo para a circulação de veículos e até perigoso para crianças e adolescentes. E isso é reflexo de um problema ainda maior: o confinamento da infância em ambientes pequenos, fechados e carentes de verde.

Um levantamento do projeto Criança e Natureza mostra que, nos centros urbanos, as crianças passam 90% do tempo em lugares fechados. E os motivos são diversos. Envolvem desde a falta de segurança e qualidade dos espaços públicos ao ar livre até a distância de casa até as áreas verdes. A pesquisa mostra também que as brincadeiras ao ar livre são restritas. Duram uma hora ou menos para 40% das crianças brasileiras. E isso traz uma série de prejuízos.

“Triplicou o número de crianças obesas no Brasil em dez anos. Não é só porque elas comem errado. Mas também porque não correm, não brincam, não mexem na lama, não rolam na rua, não correm atrás do cachorro. Isso tudo é uma infelicidade”, afirma o médico José Martins Filho em entrevista ao programa Criança e Natureza.

Além da obesidade, vários estudos relacionam a falta de contato com a natureza na infância e na adolescência com problemas físicos e mentais, como sedentarismo, hiperatividade, falta de agilidade, falta de habilidades físicas, doenças cardiovasculares, depressão e miopia.

Foi nesse contexto que o jornalista Richard Louv, autor do livro “A última criança na natureza” criou o termo “Transtorno do Déficit de Natureza”, que, como ele mesmo explica neste vídeo “não é um diagnóstico médico. É um termo linguístico, um jeito de descrever essa sensação que temos há tempos de desconexão com a natureza”.

O Transtorno do Déficit de Natureza (TDN) chama a atenção para sintomas observados por médicos pediatras em consultórios Brasil afora. E também para os relatos dos pais.

De acordo com a pesquisa “O papel da natureza para a saúde das crianças no pós-pandemia”, do Instituto Alana, 87% dos entrevistados perceberam que o contato com a natureza fez muita falta para as crianças durante a pandemia. Paralelamente, quando houve esse contato, os resultados foram bastante positivos: 93% das crianças ficaram mais felizes e mais ativas física e mentalmente; 90% desenvolveram mais a coordenação motora, ficaram mais comunicativas e interagiram com outras pessoas durante os passeios; 88% dormiram melhor; 86% pediram menos para usar equipamentos eletrônicos e apresentaram menos problemas de saúde; e 85% ficaram menos estressadas e ansiosas.

Essa percepção dos pais só reforça o que a ciência já sabe. Segundo o Manual de Orientação sobre os Benefícios da Natureza no Desenvolvimento de Crianças e Adolescentes, elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria em parceria com o Criança e Natureza, “muitas pesquisas surgiram nos últimos anos mostrando que o convívio com a natureza na infância e na adolescência melhora o controle de doenças crônicas como diabetes, asma, obesidade, entre outras, diminui o risco de dependência ao álcool e a outras drogas, favorece o desenvolvimento neuropsicomotor e reduz os problemas de comportamento, além de proporcionar bem-estar mental, equilibrar os níveis de vitamina D e diminuir o número de visitas ao médico”.

O contato com a natureza, segundo o documento, “ajuda também a fomentar a criatividade, a iniciativa, a autoconfiança, a capacidade de escolha, de tomar decisões e resolver problemas, o que por sua vez contribui para o desenvolvimento de múltiplas linguagens e a melhora da coordenação psicomotora. Isso sem falar nos benefícios mais ligados ao campo da ética e da sensibilidade, como encantamento, empatia, humildade e senso de pertencimento”.

Além disso, quem convive com a natureza tem uma propensão maior a preservá-la e maior chance de se relacionar com o consumo de forma consciente.

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Recomendações para os médicos

Para reconectar crianças e adolescentes com a natureza, os pediatras têm papel fundamental. São eles que podem avaliar se os pacientes estão tendo contato suficiente com a natureza, orientar os pais sobre os benefícios dessa prática e, se necessário, dialogar sobre mudanças de hábitos e estilo de vida para que a natureza seja incorporada à rotina da família.

A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que o acesso de crianças e adolescentes à natureza deve ser de pelo menos uma hora por dia, para que assim possam desenvolver de forma plena a saúde física, mental, emocional e social.

As atividades variam conforme a faixa etária. De 0 a 7 anos, o foco deve ser nas brincadeiras livres e nas experiências sensoriais. De 7 a 12 anos, o objetivo é aumentar o raio de exploração, de curiosidade e de autonomia da criança, que deve lidar com riscos percebidos e alcançar a competência ao lado dos amigos. Já os adolescentes devem buscar desafios e aventuras e serem estimulados a fortalecer a convivência com os amigos.

No caso de pacientes que apresentam sintomas de hiperatividade e déficit de atenção, é importante recomendar que eles tenham tempo e espaço para se movimentar, gastar energia e participar de brincadeiras que despertem seu interesse e concentração.

Outra sugestão a ser dada aos pais é dividir a rotina na natureza em atividades diárias, semanais, mensais e anuais. Diariamente, a recomendação é brincar ao livre, como correr na grama, passear a pé, subir em uma árvore e tomar sol. Sempre com os cuidados necessários. Semanalmente, a orientação pode ser explorar a natureza próxima, como observar flores, imitar o canto de pássaros, ver o pôr do sol, brincar com pedras e sementes. Uma vez por mês, o médico pode recomendar a visita a um parque ou praça. Lá dá para encontrar os amigos, fazer um piquenique e explorar o que o local tem a oferecer. E uma vez por ano, uma boa pedida é fazer algo mais especial, como tomar banho de rio, ir à praia, fazer trilha, comer uma fruta direto do pé e o que mais a criatividade permitir.

Os médicos também devem orientar os pais quanto aos cuidados envolvidos no contato com a natureza, como proteção solar, hidratação, prevenção de acidentes e primeiros socorros.

No site Criança e Natureza, é possível baixar um kit médico completo para receitar a natureza. O material é composto por um roteiro de anamnese com pacientes, receita médica personalizada e ficha de acompanhamento.