Fome emocional: como é possível mudar um hábito vicioso?

Fome emocional
(Foto: Ilustração/Pixabay)

Quais sentimentos uma panela repleta de brigadeiro ou uma generosa fatia de pizza te trazem? Comer determinamos alimentos – e quantias – simplesmente por necessidade de suprir um sentimento ou sensação é muito mais comum do que você pode imaginar. Essa ação, chamada de “fome emocional”, porém, pode desencadear compulsões, vícios e, consequentemente, problemas mais graves à saúde – física e mental.

Compulsão alimentar: o preenchimento de um vazio emocional

É comum ouvir relatos de pessoas que atacam a geladeira e os armários motivados por uma felicidade ou tristeza intensas, ou que descontam nos alimentos todas as frustrações e decepções que acumulam pelo caminho. Essa fome, diferente da responsável pelas nossas necessidades básicas de sobrevivência, chamada de “funcional”, é gerada pelo sistema límbico. “A fome emocional é gerada por uma necessidade, desejo ou compulsão emocional, e não por uma necessidade fisiológica. O sistema límbico é a parte do nosso cérebro responsável por nossas emoções”, esclarece o PhD, doutor em Administração com foco em Liderança e Mestre em Business Administration, Guilherme Piazzeta.

O conceito FIB e o recipiente cheio

O profissional relaciona a fome emocional aos conceitos da corrente do FIB (Felicidade Interna Bruta), associadas aos fundamentos da neurociência. “A corrente FIB entende que todo ser humano gera um índice diário de felicidade. É como se nossa felicidade diária fosse representada por um recipiente com algum tipo de líquido interno”, diz. De acordo com o conceito, os neurotransmissores de prazer e bem-estar que liberamos durante o dia geram nossas emoções positivas e podem ser representados pelo líquido do recipiente. “Assim como a quantidade de hormônios do estresse diários (cortisol) liberados geram emoções negativas e podem representar os furos que geram vazamentos”.

Durante o dia, nosso cérebro permanece contabilizando essa equação, ou seja, se temos muitas emoções positivas, nosso cérebro nos avisa que estamos “felizes”. Por outro lado, se há mais estresse ou emoção negativa, o cérebro encontrará uma forma mais rápida e “artificial” de compensar. “A alimentação normalmente é utilizada como uma dessas formas de compensação emocional, tendo em vista que muitos alimentos contêm substâncias capazes de liberar neurotransmissores e nos gerar uma sensação imediata de prazer e bem-estar”, explica.

Soluções imediatas para busca da felicidade

De acordo com o PhD, o conceito estabelece que aproximadamente 50% do índice FIB diário depende do modelo mental de criação do ser humano: ser mais otimista ou pessimista, por exemplo. Outros 15% dependem de variáveis externas que, geralmente, não temos muito controle. “São situações indesejadas as quais não conseguimos gerar uma mudança positiva tão rápida, como quando não estamos satisfeitos com a cor dos nossos olhos, nossa altura, peso ou situação profissional”, exemplifica.

Por fim, cerca de 35% desse índice de felicidade é determinado por “soluções imediatas”, como a alimentação. “Em boa parte das vezes em que os dois primeiros pilares estão contribuindo para um índice baixo de felicidade, o cérebro vai buscar uma compensação rápida e artificial”, afirma.

Dessa maneira, a pessoa passa a buscar a compensação para a felicidade em fontes que integram esse “terceiro pilar”. “São exemplos a alimentação, jogos, bebida alcoólica, sexo, compras ou qualquer outro subterfúgio utilizado para gerar uma sensação de prazer compensatória imediata”.

Compulsões e vícios causados pela busca da felicidade

Piazetta explica que, toda vez que o cérebro usa um desses “escapes” para ter o prazer compensatório imediato, ele gera 100% de prazer naquela ação. Porém, a cada nova tentativa, esse prazer cai pela metade. “Sendo assim, o cérebro persiste constantemente em buscar aquela mesma intensidade de prazer que experimentou na primeira vez que utilizou aquele prazer compensatório imediato, mas só vai conseguir esse nível novamente se alterar a “droga” (subterfúgio) ou se aumentar a dosagem”, esclarece.

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Na prática, uma pessoa que utiliza um pequeno pedaço de chocolate como fonte de prazer compensatório imediato, na segunda vez já consumirá dois pedaços, e talvez na sexta vez já consuma a barra inteira. Por meio dessa busca incessante, a pessoa acaba por criar uma compulsão ou um vício. “O grande problema do vício é que, além gerar uma demanda cada vez maior da dosagem, não resolve a causa geradora do problema, pois essa é emocional”.

Nesse momento, há a possibilidade de que a pessoa chegue a um nível compulsivo de consumo da “droga” compensatória, seja qual for, perdendo o controle. “Provavelmente chegará um momento que o indivíduo não conseguirá mais resistir ou dizer não ao consumo, podendo até levar a uma overdose ou dependência emocional crônica”, alerta o profissional.

A mudança de hábito

Apesar de ser relativamente fácil se viciar ou criar uma compulsão por um desses subterfúgios, visto que eles trazem uma falsa sensação de felicidade, excluir um hábito ruim pode levar tempo e demandar esforço. “Vários autores acreditam que o cérebro não é capaz de simplesmente apagar ou excluir um hábito contraproducente da nossa mente. Nesta direção, para que uma pessoa possa eliminar um hábito alimentar indesejado da sua vida, o ideal seria que ela pudesse substituir o hábito ruim por um hábito bom”, pontua Piazzeta.

Para que a mudança comportamental aconteça de forma efetiva, de acordo com o profissional, um primeiro passo seria a determinação de um prêmio valioso. “Primeiramente, eu preciso gerar a consciência de que o prêmio final valerá o preço que vou pagar. Em seguida, preciso gerar consciência e clareza sobre quais hábitos alimentares e comportamentais contraproducentes tenho atualmente na minha vida”.

Uma vez que esteja claro o objetivo da mudança e o estado atual indesejado, o próximo passo seria identificar alguns subterfúgios saudáveis para substituir os viciosos. “Não estamos falando somente da substituição de alimentos específicos, mas também de hábitos de vida diários que contribuem como gatilhos para o consumo dos alimentos viciosos. Horários de dormir e acordar, horários de se alimentar, velocidade da mastigação, lugares que frequenta e a prática de exercícios físicos, por exemplo”, orienta. O PhD lembra, porém, que cada caso é individual e sempre será mais efetiva se tiver o acompanhamento de profissionais capacitados.

Da mesma forma, com relação a mudança de hábitos contraproducentes, se eless tiverem origem em disfuncionalidades emocionais, como ansiedade, estresse ou depressão, por exemplo, dificilmente a pessoa conseguirá obter uma reversão efetiva sem a ajuda de um profissional habilitado, como um psicólogo ou psiquiatra.

21 dias: mito ou verdade?

O prazo para mudar um hábito varia de pessoa para pessoa, de acordo com Piazzeta, assim como em relação ao tipo de hábito, intensidade e tempo em que está arraigado no modelo mental da pessoa. “Para pessoas funcionais, em que não estão em estado de vício ou compulsão, o prazo de 3 semanas normalmente tem se mostrado efetivo para a mudança de um hábito com intensidade moderada”. Lembre-se: esse prazo, porém, não é uma regra, e pode sofrer variações.

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