Médico-cooperado da Unimed Cascavel encontrou na pintura de quadros uma terapia para o corpo e para a alma
Imagine a sensação de dar vida a uma paisagem, começar do zero e ser responsável por todos os seus detalhes. Para o psiquiatra Lucio Araripe é uma sensação única. Adepto da pintura em tela como hobby e atividade terapêutica, o médico mantém em sua casa um ateliê, que já deu vida há dezenas, ou até mesmo centenas, de quadros.
“Duas ou três horas entretido com um quatro em meu ateliê, depois de vencido o receio de enfrentar a tela em branco, a satisfação de contemplar aquele mundo que não existia quando sinto que lhe dei a vida, é um prazer indescritível”, comenta Araripe.
Como tudo começou
O primeiro amor foi, na verdade, a fotografia. Araripe chegou a pertencer a um clube de arte fotográfica na cidade de Araras, no interior de São Paulo, e participou de concursos e exposições. Porém, um tanto quanto desiludido com a chegada das câmeras digitais, o médico trocou as fotos por quadros.
“Era uma atividade lúdica e muito criativa. Com o fim do filme de celuloide e a chegada dos truques eletrônicos, perdeu-se muito da arte pela busca da luz e sombra. Aos 50 anos parei com a fotografia”, relembra.
A pintura de quadros demorou alguns anos para chegar à vida dele. Morando em Cuiabá, em Mato Grosso, o médico conta que vivia muito estressado por causa de seu cargo como diretor de um grande hospital psiquiátrico. E foi num poste de luz, em uma rua qualquer, que ele encontrou a solução.
“Havia uma placa dizendo: ‘Ensina-se PINTURA. Havia um telefone e um nome: SATI’. Uma semana depois, conheci minha professora de pintura, Dona Sati, descendente de japoneses, tinha sido discípula de um grande mestre em São Paulo. Ela pintava maravilhosamente bem. Era uma exímia “copista”, ressalta.
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Horário reservado
Por cerca de seis anos, o psiquiatra teve aulas semanais com Dona Sati. Ele conta que a pintura manteve sua mente sadia e, até hoje, as lições exercem uma grande influência sobre como encarar os desafios da tela em branco.
E como ele conseguia tanto tempo disponível para se dedicar ao seu hobby? O próprio Araripe explica.
“Tomo a liberdade de falar do técnico de futebol campeão do mundo, o Parreira, que não conheço pessoalmente. Pois, no meio de tanto trabalho na seleção brasileira, arranjava sempre um tempo para pintar. Churchill, primeiro-ministro inglês, em meio ao caos da Segunda Guerra, dava um jeito e, frequentemente, ia a um lugar secreto e pintava. Então, dizer que os afazeres da medicina não deixam tempo para a arte é uma desculpa frouxa”, observa.
E tem sido assim nos últimos 30 anos. Às vezes mais e às vezes menos dedicado, mas o médico nunca parou. Hoje a sala de sua casa é repleta de quadros autorais e, periodicamente, ele muda tudo. A tela preferida é uma cópia de uma pintura que encontrou numa revista de arte americana. Pintura clássica, um farol branco contra um céu escuro.
“Claro, minha esposa tem poder de veto. Às vezes um quadro que não me agrada é o que ela gosta, às vezes acontece o contrário”, diverte-se.
Segundo o médico, seu estilo passou por uma grande transformação. A técnica escolhida para seu momento atual é a do empastamento com pincéis, no qual a tinta não é diluída e a inspiração são casas e paisagens simples, com uma boa riqueza de cores fortes.
O poder da arte
A arte nos liberta e nos mantém vivos para além dos tempos, diz o psiquiatra. E, para ele, os médicos, em geral, são artistas, tendo em vista que muitos não sabem de suas vocações, e precisam de um “mote” para despertar alguma arte.
“Muitos de nós somos escritores, atores, músicos, artistas. Não é questão de fazer uma ‘terapia ocupacional’. Somos mais sensíveis, lidamos com a vida e a morte, nós psiquiatras lidamos com a alma, não há como não se sentir tocado pela beleza de um quadro, de uma escultura, de um livro”, avalia.
Araripe relembra a médica Nise da Silveira, psiquiatra que levou para o interior dos hospitais psiquiátricos o conceito de tratamento pela arte. Os pacientes eram estimulados a praticarem atividades artísticas, desenho e pintura, além de outras manifestações criativas.
“As cores usadas nos quadros revelam o estado de espírito das pessoas”, destaca.
Hoje Araripe pinta para se distrair, e em um feriado prolongado pode começar um ou dois quadros. Ele já perdeu as contas de quantas telas já pintou, porém não vende suas pinturas. Elas são privilégio dos amigos.
Às vezes, um dos amigos acaba escolhendo um quadro que, para ele, não tem nenhum valor. Porém, a obra enche os olhos das pessoas que têm a oportunidade de levá-la para casa. Para o psiquiatra, a situação torna-se uma lição de que a arte não está somente na cabeça do artista.
“O espectador também participa da obra de arte. Não devemos esquecer que um dos maiores gênios da pintura, Van Gogh, em vida, não vendeu um único quadro, embora sua produção fosse grande e variada. Van Gogh tinha uma pincelada angustiada que era, infelizmente, um traço de sua personalidade. Anos depois, seus quadros são reconhecidos como geniais e hoje nos leilões de arte, são vendidos por mais de 82 milhões de dólares”, pondera o médico artista.