Um passeio pela Medicina do Paraná

museu da medicina Paraná
Divulgação/Arquivo Pessoal

O Museu da Medicina do Paraná, localizado em Curitiba, tem mais de cinco mil itens no acervo e oferece visita guiada gratuita

É no coração da capital paranaense, dentro da Santa Casa de Misericórdia de Curitiba, que está localizado o Museu da História da Medicina do Paraná. O lugar é cheio de curiosidades, a começar pelo prédio onde está instalado: uma edificação imponente, de arquitetura eclética, inaugurada em 1880, por Dom Pedro II. O museu ocupa três pavimentos e tem mais de cinco mil itens no acervo, que contam a história não só da medicina, mas também da saúde no estado.

O passeio pelo local é uma verdadeira viagem no tempo, que começa numa época em que agulhas, seringas e outros instrumentos que hoje são descartáveis eram usados várias vezes, e com diferentes pacientes.

“As seringas tinham um custo elevado, por isso passavam por um processo de esterilização para serem reutilizadas. Elas eram de vidro, pois as de plástico custavam de cinco a seis vezes mais. Quanto às agulhas, elas precisavam ser amoladas com frequência para ganhar novamente o fio”, explica o historiador Kim Vasco, que conduz a visita guiada ao museu.

Também naquela época, por volta de 1900, não havia energia elétrica nem água encanada, o que aumentava (e muito) a taxa de mortalidade dos procedimentos.

“A cada dez pessoas que eram submetidas à cirurgia, sete morriam. E não é porque as cirurgias eram malfeitas, mas sim porque havia muitos problemas de contaminação no pré e no pós-operatório”, comenta o historiador.

Outra curiosidade em relação às cirurgias é o ambiente em que eram realizadas. Enquanto hoje os centros cirúrgicos são isolados, com ar-condicionado e acesso controlado, nos primórdios da medicina paranaense, não era bem assim.

“As cirurgias eram acompanhadas das arquibancadas por estudantes de medicina. Eles ajudavam os médicos – que também eram professores – nos procedimentos. Se o ambiente começava a cheirar mal, eles abriam a janela para o ar circular. Tudo isso é impensável hoje, mas, na época era assim”, afirma Vasco.

A ascensão da medicina

Enquanto hoje o Paraná tem mais de 30 mil médicos em atividade, no início do século 20, encontrar um profissional da área era raridade. Para dar conta da demanda, os médicos viajavam pelo estado atendendo os pacientes em casa. As visitas eram anunciadas nos jornais e muito aguardadas pelos moradores.

Em terras paranaenses, a primeira turma de médicos se formou em 1919, pela Universidade do Paraná. O curso teve início em 1914 e é o quinto mais antigo do Brasil. Antes disso, muitos profissionais estudavam em outros estados ou mesmo no exterior, como o primeiro médico paranaense, José Francisco Correa, formado na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e o primeiro médico de Curitiba, Joaquim Ignacio da Silveira Mota, graduado na Universidade de Giessen, na Alemanha.

Entre os médicos pioneiros formados no Paraná, chama a atenção a figura de Maria Falce de Macedo, única mulher da turma de 15 alunos. O pioneirismo dela não era bem visto por parte da sociedade, ainda bastante conservadora na época. “As moças de Curitiba não falavam comigo, porque era feio o que eu fazia. Onde já se viu mulheres e homens na mesma sala de aula, mexendo em cadáveres sem roupa!”, disse a médica em uma entrevista repercutida no livro Curitiba Luz dos Pinhais, do escritor, historiador e atual prefeito da capital paranaense, Rafael Greca.

Os medicamentos

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Medicamentos: algumas cápsulas pareciam hóstias recheadas
Divulgação/Arquivo

O processo de fabricação de medicamentos era bastante manual no início do século passado. Os ingredientes, em sua maioria naturais, eram pesados em balanças analógicas, macerados numa espécie de pilão e misturados à mão. Para conservação e ingestão na dose adequada, muitos medicamentos eram colocados em cápsulas de amiláceas, feitas à base de amido ou farinha de trigo.

“Essa cápsula era como se fosse uma hóstia recheada com medicamento”, explica Vasco.

As cápsulas de amiláceas foram as primeiras a serem introduzidas no mercado dos fármacos. Quando ingeridas, elas se dissolviam rapidamente, liberando o medicamento no organismo. Hoje, graças às novas descobertas e ao avanço do processo de industrialização, essa cápsula caiu em desuso, dando lugar a outros tipos, como as gelatinosas, por exemplo.

Ainda em relação aos medicamentos, todas as prescrições aos pacientes eram anotadas em livros – alguns enormes e pesadíssimos, guardados até hoje.

O respirador

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Pulmão de aço: muito utilizado durante surtos de poliomielite
Divulgação/Arquivo

Durante a pandemia de Covid-19, muito se falou sobre os respiradores mecânicos, essenciais para salvar a vida de pacientes que tiveram os pulmões afetados de forma mais grave pela doença. Os aparelhos levam oxigênio ao sangue por meio de máscaras ou capacetes, na forma não invasiva, ou por meio de um tubo inserido até a altura da traqueia, na forma invasiva – a chamada intubação.

Durante a visita ao museu, é possível conhecer o precursor dos atuais respiradores: o pulmão de aço. Inventado pelo professor Philip Drinker, na década de 1920, nos Estados Unidos, o aparelho é uma câmara cilíndrica com bombas que aumentam e diminuem a pressão do ar. Quando essa pressão no interior da câmara é menor do que a dos pulmões, eles se expandem. Já quando a pressão é maior, eles se retraem, forçando o ar a sair.

O pulmão de aço foi muito utilizado durante os surtos de poliomielite pelo mundo. Quem era submetido ao tratamento ficava deitado, apenas com a cabeça para fora, às vezes durante anos. Para aliviar a solidão e distrair os pacientes, alguns hospitais instalavam espelhos nos equipamentos. Assim, o campo de visão dos enfermos aumentava.

“Tenho vagas lembranças de crianças dentro dessas geringonças. Lembro-me também de espelhos colocados sobre nossas cabeças, presos aos pulmões de aço ou mesmo às cabeceiras de nossas camas. Não sei de quem foi a ideia, mas a achei genial. Por meio dos espelhos, pude ver que não estava só. Ao meu lado, dezenas de outras crianças encontravamse na mesma situação”, escreveu Eliana Zagui no livro “Pulmão de Aço”. Ela foi submetida ao tratamento quando era criança.

Sobre o museu

O Museu da História da Medicina no Paraná é uma parceria entre a Associação Médica do Paraná e a Santa Casa de Curitiba. A Unimed Paraná, desde 2020, vem apoiando a instituição no resgate e restauro do acervo e na expansão do museu para os meios digitais.

As visitas ao Museu da Medicina são guiadas, gratuitas e recheadas pelas histórias contadas nesta matéria e por muitas outras. O agendamento deve ser feito pelo e-mail museu@santacasacuritiba.com.br

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