Um passo por vez
A volta às atividades exige uma estratégia lenta e gradual para garantir a segurança da população
Um país diverso, com realidades sociais e climáticas distintas, exige uma reflexão pontual sobre a retomada às atividades com a redução dos casos de Covid-19. No Paraná, segundo o último informe epidemiológico divulgado pelo Governo do Estado até o fechamento desta edição (23/08/20), houve um decréscimo de -2,3% no número de casos registrados durante a 34ª semana. O pico da contaminação desde o início da pandemia até o momento se concentrou durante a 27ª até a 34ª, nos meses de julho e agosto e, ao que tudo indica, encaminha-se para um platô.
Durante o curso das ocorrências de contaminação, sem tratamento 100% definido e uma vacina eficaz sendo aplicada, a ideia de uma ‘retomada’ de forma irrestrita é utópica pelo risco que representa e, por isso, a ideia é que ocorra de forma gradual. “As autoridades sanitárias e as empresas devem ter foco nas pessoas, em especial as de risco ou que residem com pessoas com comorbidades. Devem possibilitar trabalho e assistência, manter posições e salários, nesse momento e na sequência. A pandemia nos impôs acreditar nas pessoas, ter confiança na sua capacidade e na sua autodeterminação para, de uma hora para outra, passar a cumprir suas obrigações a distância”, observa o presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Roberto Issamu Yosida.
Como observa o diretor presidente da Unimed Federação do Estado do Paraná, Paulo Roberto Fernandes Faria, a análise tem que ser cotidiana e as decisões precisam ocorrer a cada mudança de cenário. “Será necessário pensar um retorno gradual dentro das empresas. Na Federação, por exemplo, voltam primeiro as atividades mais essenciais no trabalho presencial, depois as intermediárias. Aqueles que se mostraram mais produtivos no home office poderão voltar por último. E, alguns, em que a produtividade foi muito alta ou melhor em home office, pode ser até que continuarão assim no futuro. A retomada precisa ter em vista não esquecer os cuidados básicos fundamentais”, analisa Faria, na perspectiva das decisões adotadas pela Federação frente ao gerenciamento de uma equipe de 420 pessoas que está trabalhando em casa.
A mesma medida adotada nas esperas privadas são igualmente exemplos para a atuação do Poder Público, conforme pontua o diretor-presidente. “É preciso que aconteça aos poucos, com expansão de horários e gestão por pulsos. As medidas de restrição sendo relaxadas ou retomadas de acordo com o que vai acontecendo. Eu sei que é difícil para a população entender um cenário assim, essas idas e vindas. No entanto, enquanto não houver vacina, será assim”, frisa.
Saúdes mental e emocional
Paralelo às preocupações econômicas, a pandemia tem sido um aprendizado constante em todo o mundo. Ao passo que as empresas adaptam os negócios, há medidas sanitárias e mudanças de hábitos que foram incorporados pela absoluta necessidade de preservar a saúde e o bem-estar de todos. O presidente do CRM-PR citou uma interessante analogia com o evento dos atentados terroristas que aconteceram em Nova Iorque, nos Estados Unidos, em 11 de setembro de 2001, a partir dos quais muitas coisas mudaram por compreensão ou por imposição, como foi toda adaptação nos aeroportos em relação à segurança.
Nessa linha, há outro debate que recai sobre como ficará a saúde emocional da população depois dessa experiência. Afinal, além da assimilação da doença em si de forma bastante acelerada, o excesso de informações verdadeiras e falsas, bem como a velocidade de mudança delas, gera uma desconfiança. “Tudo passou a ser descartável e rápido. Aí, de repente, tudo muda. Distanciamento, várias teorias, isolamento social, divergências e outros fatores intrínsecos de cada indivíduo. Intolerância extrema. Polarização em torno de temas controversos”, são algumas das reflexões mais latentes apontadas por Yosida.
No Paraná, o Conselho fez uma pesquisa entre estudantes de medicina e médicos antes da pandemia, e constatou que a saúde emocional precisa de abordagens multidisciplinares. “Realizamos eventos e abordamos o gerenciamento do tempo. Outros temas virão, tais como a qualidade do sono, relacionamentos interpessoais e outros”, aponta o presidente Yosida e cita as ações que estão sendo feitas como forma de prestar assistência para quem está na linha de frente.
Cuidados e prevenção contínuos
Independentemente de o retorno se concretizar e de métodos mais eficientes de combate ao novo Coronavírus serem apresentados, não há garantia de que nenhuma medida seja 100% eficaz, como destaca o presidente da Associação Médica do Paraná (AMP), Nerlan Tadeu Gonçalves de Carvalho. “Não existe uma maneira eficaz de contenção. Existe, sim, medidas de prevenção. Uma vez que não temos tratamentos específicos definidos, o distanciamento social, a higienização das mãos, e também o uso da máscara, atuam como ferramentas importantíssimas”, reforça.
Segundo Carvalho, prova de que essas medidas sanitárias contribuem para a manutenção do contágio é a redução dos números de virose comuns da época de inverno neste ano. “Essas medidas são eficientes, se observamos a baixa incidência de viroses durante esse período de inverno em que tradicionalmente temos picos de proliferação. Houve uma diminuição e isso demonstra claramente uma melhora na qualidade de vida, considerando menos casos de outras gripes, por exemplo. Agora é uma questão de incorporar permanente”, destaca o presidente da AMP, que acredita que essas medidas preventivas precisam ser incorporadas, independentemente da existência de outras formas de contenção e de qualquer forma que a retomada seja conduzida.