Você não está sozinho!
Uma das chaves que abriram a porta para o formidável desenvolvimento da Medicina foi a descoberta dos microrganismos como agentes causadores de doenças. A teoria higiênica, que estabeleceu a relação entre causa e efeito entre germes ‘invasores’ e patologias, ainda é um fato presente. Mas não fomos longe demais? Ao eliminar indiscriminadamente – mesmo que com boas intenções – alguns patógenos, não interferimos negativamente em parte da flora (atualmente denominada microbiota) sem a qual não poderíamos viver de forma saudável?
A bióloga Alanna Collen, em seu livro 10% HUMANO, desvenda esta teia de interesses e simbiose que somos nós, humanos, com cerca de 10 trilhões de células, e os estimados até 100 trilhões de microrganismos que abrigamos em nossa pele, mucosas, secreções etc.
Soa quase inimaginável, mas os conhecimentos atuais permitem afirmar que pode haver íntima relação entre o desequilíbrio desta miríade de bactérias que abrigamos e condições tão diversas como alergias, obesidade, depressão, autismo, doenças inflamatórias intestinais, autoimunes e diabetes, dentre outras.
Em seus estudos, e centenas de outros, citados em numerosa bibliografia, ficamos chocados ao tomar conhecimento que:
– Os antibióticos podem estar por trás da epidemia mundial de obesidade;
– Infecções otológicas nos primeiros anos de vida podem estar relacionadas ao autismo e outros transtornos mentais;
– O apêndice não é um órgão inútil, mas o repositório de reserva de bactérias importantes da nossa biota intestinal, a ser acionada em casos de emergência;
– Ser obcecados por higiene pode nos prejudicar;
– Nossa microbiota pode ser negativamente afetada por formulações alimentares semelhantes ao leite, com repercussão ao longo da vida;
– A microbiota das crianças torna-se similar à de um adulto por volta dos três anos de idade, e guarda correspondência com a complexidade das sinapses neuronais;
– Das mais de 50.000 substâncias químicas utilizadas no Ocidente, apenas cerca de 300 tiveram sua segurança comprovada à saúde humana;
– Do mesmo modo que o Projeto Genoma Humano, há o Projeto Microbioma Humano, que pretende classificar a microbiota dominante nos indivíduos, com repercussão sobre o tratamento de algumas patologias;
– Há doenças que já podem ser tratadas por técnicas que permitem o transplante fecal de indivíduos saudáveis para outros com determinadas patologias.
Hipócrates acreditava que “todas as doenças começam no intestino. ”
Sem sermos radicais, e tendo direito de ser céticos com o bombardeio de informações nos dias atuais, esse livro faz balançar conceitos solidificados e nos propõe pensar um pouco diferente, com repercussão na nossa tomada de decisões clínicas. Em qualquer especialidade.
*Roberto Menoli
médico-cooperado da Unimed Londrina, gastroenterologista, assessor médico do Núcleo de Desenvolvimento Humano da Unimed Paraná