Economicamente como ficamos
A resposta de valor inestimável engloba as mudanças e os desafios para a estabilidade econômica global em um cenário afetado pela pandemia
Em 2019, a Global Footprint Network, organização internacional pioneira em calcular a pegada ecológica, anunciou que chegamos ao esgotamento dos recursos naturais disponíveis no planeta. Parece que a conta chegou muito antes do que imaginávamos com a pandemia do Coronavírus, reforçando a necessidade de a sociedade repensar o modelo econômico para continuar vivendo na Terra.
A pressão recaiu no decorrer dos últimos meses de quarentena, impactando diversas empresas e iniciativas que anteciparam uma série de projetos futuros para atender as necessidades de um mercado que estagnou. Na contramão de setores que foram sufocados pela avalanche e tiveram que fechar seus negócios, as grandes empresas de tecnologia, como Apple, Microsoft, Facebook entre outras, lideraram a proposta de soluções para possibilitar movimentos, mesmo com as restrições existentes.
Detentoras de inteligência e com alto valor de mercado, as soluções apresentadas por esse segmento denotam uma continuidade na disrupção nos padrões de consumo e nas transações econômicas. O WhatsApp, por exemplo, tentou incorporar a realização de pagamentos e transferência pelo App, o que acabou sendo barrado pelo Banco Central e o Cade, prezando pela segurança dos usuários. Já a plataforma de videoconferência Zoom, ultrapassou o valor de mercado das principais companhias aéreas do mundo como America Airlines, Delta e United.
Em décadas, esta é uma das crises econômicas mais agudas da Era Moderna. Porém, compõe o conceito cíclico do capitalismo e, como aponta o economista Carlos Decotelli, nesse cenário, o mais impactante foi o debate aberto sobre a constatação da vida em relação à morte, a variável econômica e a necessidade de racionalização dos processos. “A partir de agora, vamos passar a ser competitivos em um outro patamar da evolução humana, porque é desta forma que ‘funcionamos’ na busca pela produtividade”.
Reinventando a roda
Embora as mudanças tenham se concentrado na área tecnológica, houve uma busca criativa pela otimização de recursos. O home office, por exemplo, passou a ser considerado por muitas empresas como definitivo até o fim de 2020, e outras organizações já adotaram como uma solução definitiva para os negócios.
Do escritório até o orçamento doméstico, a pandemia impulsionou o repensar para evitar o desperdício, simplificar processos e agregar inovação às atividades. Além disso, o questionamento a respeito de novos aprendizados para o futuro e, acima de tudo, qual o grau de dedicação sobre as nossas responsabilidades.
A mudança, na visão de Decotelli, acontece de forma irrestrita, porque todas as áreas precisam pensar em produtividade e geração de riquezas. “Está sendo repensado o quanto é eficiente manter reuniões regulares em escritórios ou fortalecer os mecanismos de home office. Todas as empresas que trabalham com linguagens de inovação tecnológica em processos de racionalização e simplificação da comunicação, por exemplo, foram as mais rentáveis neste momento, porque estão criando outras soluções”, observa.
Em tempo real, diversas pesquisas foram realizadas para mapear essa tendência em relação ao trabalho remoto. Divulgado pela Exame, o estudo da Cushman & Wakefield, multinacional de gestão de escritórios corporativos, apontou após entrevistar 122 executivos, que 73,8% pretendem instituir o home office como prática definitiva no Brasil após a pandemia. Na contrapartida, antes da crise, apenas 33,6% das empresas adotavam esse modelo.
No efeito dominó, o mercado imobiliário sentiu diretamente a restrição na circulação de pessoas. “O setor tem avaliado esses movimentos de ir e voltar do trabalho e visto que serão suspensos. Então, há um deslocamento do mercado de avaliação estratégica imobiliária pra estudar se os indivíduos vão querer casas mais concentradas na densidade urbana ou se vão preferir locais mais dispersos com qualidade de vida melhor, porém que ainda possam manter o mesmo patamar de ganho”, explica o economista.
Outro segmento que demonstrou resposta foi o alimentício, afinal a alimentação sempre foi sinônimo de segurança humana. “O agronegócio brasileiro se mostrou competente para essa nova fase da economia com a entrega dos alimentos, ciclo de compras e escala de preços diferenciados. As cooperativas que produzem no campo estão usando mais as plataformas, levando qualidade alimentar para fortalecer sua estrutura de saúde alimentar”, analisa Decotelli.
Solidariedade e oportunidades
Nas contas da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), que monitora a filantropia brasileira, a pandemia já movimentou R$ 3 bilhões em doações de empresas e pessoas físicas no país, um recorde nacional. Em uma sociedade excessivamente hierarquizada, onde o maior poder de renda se equipara à maior segurança, o fato de todos serem potencialmente contaminados, viverem ou morrerem, ampliou a consciência de igualdade. O que poderá refletir em grupos sociais em mecanismos de suporte público.
“Hoje, as empresas fazem grandes doações para que pessoas de menor renda possam sobreviver. Se esse trabalho de colaboração social continuar, podemos ver mudanças substanciais, em como diminuir o fosso de desigualdade”, avalia o economista. Além de questões relacionadas ao impacto financeiro, muitas empresas modificaram suas atividades para auxiliar com o necessário. Assim, a Ambev, holding do ramo de bebidas alcoólicas, passou a produzir álcool em gel para hospitais, e até pão para enviar às comunidades. Referência no segmento de beleza, O Boticário também se destacou na produção e distribuição de álcool em gel.
Sobretudo e não menos importante, Decotelli comenta que, ambientalmente,, a Covid-19 se apresentou como uma ‘cura’ para o planeta. Não, obviamente, atribuindo a situação como benéfica, mas, na contrapartida da retração, circularam imagens de golfinhos nadando no canal de Veneza, e dos índices de CO² apresentarem redução em algumas regiões do mundo. “Em um balanço de quais os efeitos que vão perdurar, podemos resumir a uma maior qualidade de vida, maior respeito entre as pessoas, independentemente da sua renda e a própria preservação da vida”, conclui. Como ainda bem destacou o economista, passamos por uma etapa de revisão de como a riqueza se organiza na sociedade.