Como tem sido a evolução de médicas-cooperadas na gestão de cooperativas
A participação das mulheres em diversos âmbitos da sociedade – seja no mercado de trabalho ou nos direitos comuns aos homens – sofreu transformações com o passar dos anos. Um dos marcos dessa mudança aconteceu em 1932, quando foi decretado o direito ao voto feminino nas eleições brasileiras.
Embora haja muito retrocesso nas questões igualitárias no país, as mulheres foram galgando seus espaços e sendo protagonistas em locais antes habitados apenas por homens, a exemplo da medicina, que possui registros dos primeiros médicos homens no país logo após o descobrimento do Brasil, em 1500.
Por outro lado, somente em 1881, foi apontada a primeira mulher brasileira a se formar em medicina, Maria Augusta Generoso Estrela, que recebeu o diploma em Nova Iorque. Já a primeira mulher a se formar em medicina no país foi Rita Lobato Velho Lopes, anos depois, em 1887.
Segundo um levantamento feito pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2020, 46,6% dos inscritos eram mulheres e 53,4%, homens. De acordo com um estudo feito pela colaboradora da Unimed Paraná, Priscila Osike, analista do Núcleo de Desenvolvimento Humano e Sustentabilidade (NDHS), observa-se uma tendência do aumento de mulheres nos cursos de medicina, o que em breve será refletido na população de médicos.
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Mulheres no cooperativismo
O segundo princípio do cooperativismo determina que a cooperativa tenha uma gestão democrática e livre. Segundo o Sistema Ocepar (Organização das Cooperativas do Paraná), essas sociedades são controladas por seus cooperados, representados por meio de seus conselheiros e diretores – eleitos em assembleia geral.
Esse princípio, entre suas interpretações, atribui à diversidade – de acordo com a liberdade de escolha de cada membro – a garantia, de certa forma, da pluralidade de vozes, visão e ideias, especialmente nas tomadas de decisão. Compondo, em seus diversos graus de hierarquia, a participação de cooperados e cooperadas nos conselhos das cooperativas.
A analista de NDHS explica que esse estudo foi idealizado para entender o número reduzido de mulheres em diretorias de cooperativas de saúde à época. Por exemplo, somente 8% dos cargos diretivos eram ocupados por mulheres em 2020, ou seja, 104 mulheres em um total de 1284 dirigentes. “O propósito era verificar os fatores que levavam à baixa participação feminina em cargos de gestão”, complementa.
A pesquisa abordou 26 pessoas, sendo 54% homens e 46% mulheres. Em suas considerações, Priscila apresentou duas possíveis hipóteses: a relação entre o trabalho e questões familiares e o enfrentamento de dificuldades e discriminação.
Atualmente, o Sistema Unimed Paranaense conta com quase 60 mulheres em conselhos de cooperativas. Uma dessas mulheres é a médica pediatra Débora Garcia Toledo, cooperada pela Unimed Apucarana, e conselheira pela primeira vez.
Ela, que atua no Conselho Administrativo da cooperativa, conta que foi convidada pela atual gestão a participar, pois havia uma preocupação em montar um conselho plural que representasse diferentes áreas da medicina e suas especialidades.
Débora comenta, ainda, que sempre se sentiu à vontade para expor suas opiniões, já que a intenção do conselho era ter diferentes ideias. “Em nossa cooperativa, já tivemos uma mulher exercendo o cargo de presidente, então não sinto que há entraves para a participação feminina, mas há, sim, uma movimentação pequena por parte das mulheres”, complementa.
Atual vice-presidente da Unimed Paranaguá, a médica intensivista Andrea Lacerda Penteado de Castro acredita que o Sistema Unimed desenvolve a diversidade na cultura cooperativista, com uma relação de cooperação e amizade. Entretanto, apesar de o número de mulheres em lideranças no estado hoje (quatro em diretorias e 55 em conselhos), isso representa um mínimo em um contingente de milhares. “Avalio esses dados de forma positiva, as mulheres são um importante agente na promoção e desenvolvimento da saúde. De forma lenta e gradual, estão entrando em uma área antes dominada por homens, com competência e entusiasmo, demonstrando que, além de ótimas profissionais de saúde, são excelentes gestoras”.
Durante o estudo realizado, Priscila ainda abordou outra hipótese: a falta de disponibilidade das médicas mulheres ao trabalho administrativo. Por meio de entrevistas com diretoras de cooperativas paranaenses, foi constatado que, no geral, ainda há pouco interesse – tanto de homens quanto de mulheres – em assuntos de gestão. “Toda vez que você convida uma colega médica para fazer parte do setor administrativo, há muita resistência”, relata uma das entrevistadas do artigo.
A conselheira da Unimed Apucarana que, atualmente, realiza um MBA em Gestão em Saúde pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), percebe, hoje, que antes de participar tinha contato com a cooperativa apenas por meio de assembleias. No entanto, tem buscado, nos estudos, levar assuntos relevantes para os temas debatidos nas reuniões.
“A área de gestão é extremamente interessante, justamente por ser completamente diferente do dia a dia de um consultório. Ela me trouxe outras vivências e novas possibilidades”, enfatiza Débora.
Primeira mulher conselheira da Federação
Na última eleição da Unimed Federação do Estado do Paraná, da gestão 2022-2026, realizada em março de 2022, foi eleita a primeira mulher conselheira em 42 anos de história. A médica pediatra, conselheira da Unimed Paraná e também presidente da Unimed Francisco Beltrão, Wemilda Marta Fregonese Feltrin, faz parte do Conselho de Administração, sendo conselheira-coordenadora da Região 4.
Ela, que está acostumada ao ambiente de gestão por já ter sido conselheira fiscal, vice-presidente, diretora Financeira, e atualmente segue em seu segundo mandato como presidente, aceitou mais esse desafio: ser a primeira conselheira da Federação.
“Foi uma oportunidade inesperada. Fiquei surpresa e emocionada com a possibilidade de ocupar esse cargo”, diz Wemilda, que também participou da fundação da Unimed Francisco Beltrão em 1989 e, desde então, é médica-cooperada.
Um dos participantes do estudo praticado pela analista de NDHS da Unimed Paraná relata que falta a inclusão de disciplinas relacionadas às questões administrativas nas faculdades de medicina. “Há necessidade de aproximar as mulheres e estimular o interesse delas em assuntos relacionados à gestão, até mesmo por parte do NDHS”, confirma Priscila.
Wemilda, por sua vez, concorda que a cooperativa, por meio de seus dirigentes, deve sensibilizar seus cooperados na participação de assuntos administrativos. “O sentimento de pertencimento tem que ser construído. Não é fácil, pois demanda tempo e interesse, mas aprendemos com a pandemia que há excelentes cursos de aperfeiçoamento e capacitação a distância”, destaca.
A médica conselheira da Unimed Apucarana também acredita que a aproximação da diretoria e dos conselhos com os cooperados poderia render ainda mais frutos às cooperativas. “Teríamos um engajamento maior com relação aos interesses administrativos”, afirma Débora.
A importância da educação
Comumente, a educação esteve relacionada aos avanços de questões voltadas à igualdade e à equidade de gênero. A médica anestesiologista e diretora de Gestão em Saúde e Auditoria na Unimed Regional de Maringá, Rosa Virgine Tajra, ressalta que há estímulo da cooperativa na formação dos médicos e médicas, tanto em cursos de cooperativismo, quanto de gestão e formação digital, para que haja participação com embasamento técnico.
Rosa é cooperada desde 2006, já foi conselheira fiscal e coordenadora do Conselho Fiscal da cooperativa por duas gestões. Ela relata que há muitos desafios na liderança, citando a competência, a dedicação, o equilíbrio e a integração na gestão de pessoas, no financeiro e nos processos operacionais.
A médica é, também, a primeira mulher a compor a diretoria da Unimed Regional de Maringá em 40 anos de história. “Para mim, isso reflete o trabalho que realizo durante toda a minha vida e carreira profissional”.
Rosa afirma que sempre estimula a participação de mulheres em todos os cargos dentro da cooperativa, enfatizando a importância da qualificação. “Oriento que aceitem os desafios, pois bons resultados exigem preparos organizacional e político, sempre com determinação e transparência”, diz.
A vice-presidente da Unimed Paranaguá, que já atuou no Conselho Fiscal da cooperativa em sete mandatos, concorda que deve, sim, haver um estímulo por meio de políticas efetivas que integrem a médica-cooperada nas frentes de trabalho. “Identificando e recrutando mulheres com capacidade e capacitação, para que haja uma participação cada vez mais efetiva na cooperativa”, explica Andrea.
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