Uso de telas por crianças não causa autismo, mas pode gerar sintomas parecidos

Fenômeno ficou conhecido como “autismo virtual”. Especialista, no entanto, alerta que o termo deve ser evitado, porque pode confundir as pessoas

autismo virtual
(Foto: Ilustração)

Basta uma simples pesquisa no Google com as palavras “autismo” e “telas” para que os resultados tragam à tona outra expressão: “autismo virtual”. O termo, que não é médico, diz respeito ao surgimento de uma condição semelhante ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) em crianças expostas de forma excessiva a telas. Os sintomas incluem atraso no desenvolvimento, falta de contato visual e pouca ou nenhuma interação com outras pessoas.

Veja também: Autismo: acolhimento e rede de apoio

“Esse termo autismo virtual veio de crianças que estão privadas do desenvolvimento afetivo, da interação com seu cuidador, em uma fase muito precoce da vida e que a criança desenvolve sinais e sintomas de isolamento e traços do espectro autista”, afirma o professor Renato Coelho, pediatra e professor em desenvolvimento e comportamento infantil.

Ainda de acordo com o professor, o isolamento das crianças dentro de casa durante a pandemia, sem contato com familiares, sem convívio na escola e com as horas ocupadas por filmes e desenhos, foi prejudicial.

“As crianças com esse grau de isolamento e uso precoce de telas não desenvolvem o cérebro, não desenvolvem as redes neurais, e isso pode levar a sinais e sintomas de autismo. Por isso que acabaram trazendo esse termo “autismo virtual”, mas não acho que seja bom. Não acho que devemos usar esse termo para não confundir o transtorno com uma situação que é de outra origem, de outra causa”, afirma.

O diagnóstico do TEA é clínico, feito com base na observação do comportamento do paciente e de acordo com uma série de critérios. Os sintomas, muitas vezes semelhantes ao de outros transtornos, devem ser avaliados em conjunto e com cautela, de forma a garantir que o cérebro do paciente realmente funciona dentro do espectro autista, trazendo prejuízos para a sua vida.

“Muitas crianças pequenas, de um ano e meio, dois anos de idade, têm um atraso global no desenvolvimento, mas ao serem acompanhadas e passarem pelas intervenções terapêuticas necessárias, acabam mudando, tendo uma resposta muito boa, e você acaba fazendo o diagnóstico de outro tipo de transtorno que não o autismo”, conta Coelho.

Quais as causas do autismo?

Apesar de poder causar sintomas parecidos com os do autismo, não existem estudos que comprovem que o contato de crianças com celular, computador, tablet, televisão e demais aparelhos eletrônicos causam TEA. Aliás, até hoje, as causas do transtorno são desconhecidas. O que se sabe é que a pessoa já nasce com ele e que fatores genéticos exercem grande influência.

“Essas crianças com o espectro autista têm uma base genética muito forte. Os estudos epidemiológicos, estatísticos e de genética têm provado isso, principalmente quando se

estuda gêmeos idênticos. Quando um tem o espectro autista, a chance do outro ter chega a 80%”, explica Coelho.

Evidências científicas apontam também para a influência de fatores ambientais no desenvolvimento do TEA, como idade avançada dos pais e prematuridade. Essas condições funcionariam como uma espécie de “gatilho”, não causando, mas sim desencadeando o transtorno em crianças que já têm uma pré-disposição genética.

Qual a relação de crianças autistas com telas?

Ficar na frente de uma tela ativa o sistema de recompensa do cérebro, gerando uma sensação de prazer e bem-estar. Isso acontece graças à liberação de um neurotransmissor chamado dopamina, que pode acabar “viciando” o cérebro da criança a um nível de prazer bastante alto, assim como ocorre com os adultos em relação ao álcool e ao cigarro, por exemplo.

“A relação das crianças com as telas é muito intensa. Elas ficam quietas, prestando atenção naquilo. E isso, para os pais, tem um lado de alívio porque eles conseguem fazer outras coisas em casa. Só que do ponto de vista do neurodesenvolvimento é muito ruim”.

No caso das crianças autistas, por haver uma tendência a gostar de brilho, cores e sons, o interesse por telas é ainda maior. Por isso, elas costumam ser usadas para acalmar e entreter.

“Esse uso tem que ser muito bem dimensionado. E sendo bem usado, é um bom recurso. Mas o que eu vejo, na prática, é que acabam abusando demais do uso das telas no lugar de outras estratégias para aumentar o repertório e a flexibilidade da criança, aumentar sua capacidade de se regular sem ser somente por tela”, opina Coelho.

Prejuízos e recomendações

Entre os prejuízos causados pelo uso indiscriminado de telas estão ansiedade, irritabilidade, má qualidade do sono, dificuldade de atenção e impulsividade. O contato excessivo também favorece problemas oculares, de postura e obesidade. As telas por si só, ao contrário do que muitos pensam, também não estimulam a socialização e a comunicação.

“Você pode até melhorar a comunicação se usar algum tipo de aplicativo ou desenho instrutivo que possam estimular a comunicação. Mas isso só vai funcionar se tiver um adulto do lado pra fazer a intermediação. Se a criança ficar sozinha com a tela, aquilo não estimula a comunicação. Ela vai passar a ser um repetidor, imitar aquilo, funcionar como um papagaio. E os pais até dizem: ‘ah, ela fala inglês’. Sim, ela vê 50 vezes por dia o mesmo desenho em inglês, ela memoriza. Mas não que ela saiba inglês. Aquilo não tem nenhuma função de relacionamento social, ela apenas repete”, afirma o professor.

A recomendação é então evitar a exposição de crianças menores de 2 anos de idade a telas. De 2 a 5 anos, máximo de duas horas por dia. De 6 a 11 anos, até quatro horas por dia. E, para todas idades, nunca durante as refeições.

SHARE