Como o olhar curioso durante o expediente de trabalho motivou uma pesquisa científica sobre a jornada de pacientes com câncer de pulmão
Você se considera uma pessoa curiosa? Costuma se interessar pelo porquê das coisas? Essas são características muito presentes no dia a dia de Franciele Iachecen, colaboradora da Unimed Paraná há quase 7 anos. Ela entrou na empresa como analista de Informações em Saúde e, há dois anos, atua como analista de Valor em Saúde e Avaliação de Tecnologias.
Para exercer esses cargos, o olhar apurado e a visão analítica são essenciais. Qualidades que foram importantes também durante a trajetória de Franciele no mestrado em Tecnologia em Saúde, concluído na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em 2021. E que resultaram na dissertação intitulada “Descoberta da jornada assistencial dos beneficiários com câncer de pulmão em uma operadora de planos de saúde por meio da mineração de processos”, orientada por Sergio Ossamu Ioshii, médico que já foi diretor da Unimed Paraná, com coorientação da professora Deborah Ribeiro Carvalho.
Interesses profissional e pessoal
Franciele conta que o interesse pela Oncologia surgiu por uma vivência familiar, quando um tio ainda jovem descobriu um câncer renal em estágio muito avançado. A curiosidade aumentou em meio às atividades de trabalho, ao observar que se trata de uma área onerosa tanto para o setor público quanto para o segmento de saúde suplementar.
Ela ficou intrigada ao perceber que um pequeno número de casos de câncer de pulmão era responsável por um grande impacto na curva A de custo. Sobretudo, em razão dos valores dos medicamentos. Ao começar a buscar explicações para isso, encontrou uma dura realidade. Em geral, os sintomas do câncer de pulmão não se manifestam nos estágios iniciais, por isso a maior parte dos pacientes dá início ao tratamento quando a doença já está em fases mais avançadas.
Para construir sua pesquisa acadêmica, a formação em Enfermagem e o conhecimento sobre os princípios ativos e nomes comerciais de medicamentos foram uma mão na roda. Também foi primordial o apoio da diretoria da Unimed Paraná, que autorizou o uso dos dados de seus sistemas de informação (Biomeek.Net e Data Warehouse), mediante termo de confidencialidade de seus beneficiários. “Por ser colaboradora e conhecer as limitações dos bancos de dados e os processos internos, pude pensar em estratégias de classificação. Por entender que, no período considerado, houve mudanças e melhorias nos processos, desenvolver a pesquisa foi mais fácil”, conta Franciele.
Como estamos registrando nossos dados?
A pesquisadora considera que chamar a atenção para a importância da padronização e para a governança dos dados foi uma das principais contribuições de seu estudo, como um ponto que tem muito a melhorar. Cerca de 80% do tempo de pesquisa foi dedicado ao pré-processamento dos dados, para poder conferir e agrupar informações. Isso porque ainda existem muitas diferenças na maneira de registrar as contas e os procedimentos realizados para cada paciente, o que dificulta a visualização dos padrões e dos desvios.
Outro aspecto positivo trazido à tona pela dissertação, de acordo com Franciele, é o enfrentamento da resistência diante do uso de novas tecnologias. Não ter medo de buscar e experimentar a melhor ferramenta para visualizar a jornada dos pacientes. “A gente deveria arriscar mais. Não arriscar grande. Ir fazendo pequenas melhorias sempre”, defende.
O que é mineração de processos?
A mineração de processos é uma técnica utilizada para descobrir, monitorar e melhorar processos reais, a partir da extração de dados disponíveis em sistemas de informações. Para as organizações, é uma maneira de aplicar a inteligência artificial para obter insights para a tomada de decisões, como a implementação de processos novos e mais eficientes. Vale enfatizar que o objetivo vai além de identificar a existência de um problema. Essa técnica foca na causa raiz das ineficiências, evidenciando os aspectos que aumentam custos ou tempo, quais os gargalos e desvios na operação.
Embora ainda seja pouco aplicada na avaliação da jornada assistencial do paciente com câncer, a pesquisa mostra que a mineração de processos pode ser muito útil nesse contexto. Sobretudo para identificar fluxos e padrões, sem desconsiderar a alta complexidade e as dinâmicas dos processos de saúde.
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A análise dos casos de câncer de pulmão, diagnosticados na Unimed Paraná, entre janeiro de 2018 a abril de 2020, revelou que os principais procedimentos envolvidos no tratamento são: quimioterapia (66,03%), radioterapia (52,83%), imunoterapia (49,05%), terapia-alvo (37,73%) e cirurgia pulmonar (26,41%). Também foram entrevistados dez profissionais experientes nessa área (médicos, enfermeiros e farmacêuticos) para validar as regras observadas a partir da mineração de processos quanto à jornada assistencial percorrida pelos pacientes.
Estudo premiado
Para além da esfera universitária e do próprio reconhecimento entre os colegas da Unimed Paraná, a dissertação elaborada por Franciele impressionou os jurados do 12º Prêmio IESS de Produção Científica em Saúde Suplementar. Em dezembro de 2022, ela ganhou o primeiro lugar na categoria “Promoção da Saúde, Qualidade de Vida e Gestão em Saúde”.
De acordo com o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), o principal objetivo do prêmio é incentivar a pesquisa, reconhecendo trabalhos com qualidade técnica e aplicabilidade para o setor. Atualmente, a iniciativa é uma das mais importantes premiações de trabalhos acadêmicos do ramo no Brasil.
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Quer ser um pesquisador?
Para quem quer se arriscar no mundo da pesquisa científica, Franciele deixa um alerta: “É preciso saber que vai ter que abdicar de tempo com a família, com os amigos e alguns finais de semana ensolarados”. Mas se é algo que faz o olho brilhar, não somente por interesse nas titulações, ela garante que vale a pena. E deixa uma dica: “Foque no seu objetivo. Ele pode mudar no decorrer do curso, mas olhar sempre para onde quer chegar ajuda a não desviar e a priorizar as matérias e atividades complementares que te levam para perto disso”.
A próxima pesquisa acadêmica de Franciele já tem tema definido. Agora no doutorado, ela vai continuar estudando a área de oncologia, com foco no câncer de mama e na previsibilidade de custo em um hospital de Curitiba. Ela também sonha em fazer pesquisa ligada diretamente aos dados clínicos. Muitas são as possibilidades. Que seu exemplo possa inspirar mais olhares de curiosidade diante da realidade e de estudos em prol da área da saúde como um todo.
Estudo sobre a jornada de pacientes com câncer de pulmão: Veja a dissertação premiada aqui!