Prática com respaldo científico: saiba mais sobre o papel dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas

O uso dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas e a garantia da qualidade da assistência e sustentabilidade dos sistemas de saúde

Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas
(Foto: Ilustrativa/Freepik)

Imagine a seguinte situação: você está no meio de uma viagem, em uma cidade na qual não conhece ninguém, e depois de alguns dias de andanças e mergulhos, repara que há uma irritação crescente no seu olho direito. Há um corpo estranho nele que precisa ser retirado o quanto antes, em um procedimento minimamente invasivo. É o que recomenda o oftalmologista de plantão no hospital mais próximo do seu hotel, que acaba sendo o responsável pela realização do tratamento. Logo depois vem a alta para seguir viagem, com os cuidados indicados pelo médico.

Ainda que não se identifique com o espírito aventureiro ou esteja pensando na remota probabilidade de isso acontecer, vale o exercício reflexivo. Mesmo sem conhecer a formação daquele profissional e sem nenhuma indicação, o que o faria confiar que daria tudo certo e permitir a realização do procedimento? Talvez essa resposta tenha a ver com a qualificação dos serviços de saúde e o uso dos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs).

De acordo com a definição elaborada pelo professor David Hackett, médico americano-canadense que deu o pontapé inicial no movimento da Medicina Baseada em Evidências, os PCDTs são um conjunto de recomendações estruturadas, submetidas à atualização periódica à luz das evidências científicas disponíveis, a fim de produzir uma atenção à saúde de melhor qualidade.

Vantagens para pacientes e profissionais

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Segundo Luiz Henrique Picolo Furlan, médico experiente em Avaliação de Tecnologias e Valor em Saúde, o objetivo dos PCDTs é trazer a evidência científica das pesquisas para a prática clínica, entregando um cuidado à saúde de maneira pertinente e sustentável (Foto: Reprodução/Unimed Paraná)

“A adoção dos PCDTs melhora a qualidade da assistência, trazendo condutas mais atualizadas, reduzem a heterogeneidade da prestação de serviço e trazem mais segurança para o paciente”, afirma Luiz Henrique Picolo Furlan, médico que atua na área de Avaliação de Tecnologias e Valor em Saúde da Unimed do Estado do Paraná.

Em outras palavras, pode-se dizer que esses parâmetros contribuem para que o paciente deposite sua confiança não apenas na pessoa que o está atendendo, individualmente, mas também no processo de cuidado, na estrutura que está por trás da especialidade e no arcabouço de conhecimentos comprovados que norteia a prática desse segmento. Confiança que pressupõe que serão adotadas as melhores práticas e beneficia o sistema como um todo.

Embora cada decisão clínica seja influenciada por uma série de elementos – como as melhores evidências científicas disponíveis, a experiência do médico com aquele problema de saúde, os valores e preferências dos pacientes em relação às opções de manejo apresentadas pelos profissionais de saúde e o contexto do sistema de saúde (público ou privado) –, os PCDTs servem de diretriz para o caminho a trilhar no tratamento do paciente.

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Ter protocolos e diretrizes bem definidos também auxilia na gestão dos recursos, à medida que minimiza desperdícios e riscos. “A utilização de PCDTs é uma necessidade dentro do Sistema Unimed, ou mesmo, dentro da Saúde Suplementar, para a melhoria da qualidade assistencial, segurança do paciente e sustentabilidade do sistema”, destaca Furlan.

Para saber como surgiram os primeiros protocolos, é preciso voltar as atenções para a década de 1970 e para o início do movimento da Medicina Baseada em Evidências. Mais especificamente, para a criação da Agência de Pesquisa em Cuidado em Saúde e Qualidade, do Departamento de Saúde dos Estados Unidos. Esses primeiros passos serviram de inspiração para iniciativas semelhantes em outros países, o que foi se desenvolvendo com o passar dos anos.

Quando há a necessidade de criar um documento novo ou atualizar um existente, a Organização Mundial de Saúde recomenda a utilização de um instrumento de apoio à elaboração e avaliação de diretrizes clínicas, chamado AGREE. Furlan informa que esse instrumento orienta as dimensões que devem ser cobertas por uma diretriz clínica: desde o seu objeto, que perguntas pretende responder, paciente salvo, quais profissionais pretende orientar, como foi o rigor do desenvolvimento (com a utilização sistemática de busca de artigos para suportar as recomendações feitas), se existe previsão de atualização futura, se as recomendações principais estão facilmente encontradas em fluxograma, se foram avaliadas barreiras institucionais (como limitação de financiamento) e, por fim, qual é o conflito de interesse dos elaboradores das diretrizes.

Referências internacionais

Além das fontes nacionais, os profissionais também podem se manter atualizados acompanhando o que está sendo publicado por órgãos de outros países. Furlan cita dois deles como referência. O primeiro é o National Institute for Health and Care Excellence (NICE), ao qual compete a elaboração de diretrizes clínicas para o sistema de saúde inglês e avaliação de novas tecnologias em saúde. E o segundo é o Guideline International Network, uma das maiores bibliotecas de diretrizes, mantida por uma rede internacional de organizações e indivíduos interessados em diretrizes baseadas em evidências.

“O cuidado que devemos ter com PCDTs internacionais é a adaptação para a realidade brasileira, pois podem existir recomendações que não são aplicáveis no nosso contexto, seja por barreira de custos ou disponibilidade da tecnologia”, alerta o médico da Unimed.

A Associação Médica Brasileira (AMB) lançou, em 2001, o Projeto Diretrizes, com o intuito de estabelecer condutas no reconhecimento e tratamento de uma variedade de condições médicas comuns, como referência para os profissionais brasileiros.

Habitualmente, os PCDTs são elaborados por órgãos governamentais. No Brasil, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias em Saúde (Conitec) é a responsável pela produção dos documentos que orientam os tratamentos no Sistema Público, que também podem ser aplicados na Saúde Suplementar. “Como o financiamento da Saúde Suplementar conta com maiores recursos per capita, o que permite que a cobertura de tecnologias seja mais ampla em algumas condições de saúde, na prática clínica da Saúde Suplementar também são observados os PCDTs produzidos pelas Sociedades de Especialidades”, explica Furlan.

Ele acrescenta que, considerando o cenário do Sistema Unimed, os PCDTs devem ser avaliados, discutidos e pactuados dentro dos Comitês de Especialidades. “Dessa forma, serão avaliados pelos cooperados e apoiados por especialistas em metodologias científicas, para se chegar a uma recomendação que esteja alinhada à melhor evidência científica e adequada ao contexto do nosso financiamento da saúde.”

Segundo o diretor de Saúde da Unimed Paraná, Faustino Garcia Alferez, por isso a preocupação com o andamento de alguns projetos parlamentares, como ocorrido com a Lei nº 14.454, que modifica o enunciado do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em que a corte havia estabelecido que o rol (a lista de procedimentos atualizadas periodicamente pela ANS-Agência Nacional de Saúde Suplementar) é taxativo. Essa Lei relativiza a medicina baseada em evidências, nas considerações das melhores práticas médicas. Felizmente, o Judiciário está mantendo o entendimento anterior, do STJ, na maioria dos seus julgados. Isso porque os magistrados têm buscado se atualizar sobre a questão.

“Sem a ciência, metodologia e evidências clínicas, seria o caos”, conclui Alferez.


Definição do Ministério da Saúde de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas

“Os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) são documentos que estabelecem critérios para o diagnóstico da doença ou do agravo à saúde; o tratamento preconizado, com os medicamentos e demais produtos apropriados, quando couber; as posologias recomendadas; os mecanismos de controle clínico; e o acompanhamento e a verificação dos resultados terapêuticos, a serem seguidos pelos gestores do SUS. Devem ser baseados em evidência científica e considerar critérios de eficácia, segurança, efetividade e custo-efetividade das tecnologias recomendadas.”

Para acessar uma lista de protocolos e diretrizes, por temática e ordem alfabética, acesse o link aqui.

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