Mudanças estruturais profissionalizaram a saúde suplementar no Brasil

ANS

Em vigência desde o ano 2000, a ANS promoveu rupturas no setor e, com atuação rígida, trouxe uma nova perspectiva e questionamentos por parte dos planos e da população

A virada do século 20 representa um marco na sequência de inovações que modificaram a sociedade e resultaram na revolução digital e na indústria 4.0. No Brasil, o desenvolvimento e a profissionalização do setor de saúde acompanharam esse momento a partir do estabelecimento da Lei 9.656/1998, conhecida como ‘Lei dos Planos de Saúde’ e, em seguida, no ano 2000, com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que, neste ano, completa 21 anos.

A agência significou uma ruptura para o setor com a implementação de uma série de mudanças estruturais em um segmento que, até então, não tinha uma regulamentação oficial. “A ANS é crucial para que o setor caminhe rumo à sustentabilidade. O quadro atual mostra que as companhias ainda pensam individualmente e a agência deveria atuar mais com regulamentações indutoras em questões como a atenção primária e a remuneração médica, por exemplo, instituindo um prazo para que só sejam comercializados planos que contemplem o conceito da Atenção Integral à Saúde”, observa o presidente da Unimed do Brasil, Orestes Pullin, sobre a importância do órgão e as melhorias que ainda podem ser incorporadas.

O presidente da Federação Unimed Paraná, Paulo Roberto Fernandes Faria, destaca a profissionalização do setor

A presença da ANS orientou os serviços prestados pelas operadoras, inclusive, em questões relacionadas com o desenvolvimento mais consciente e ao aperfeiçoamento da assistência prestada no atendimento aos beneficiários, seja em questões administrativas, financeiras e mesmo clínicas. Conforme destaca o diretor-presidente da Federação Unimed Paraná, Paulo Roberto Fernandes Faria, é nítido que, apesar dos questionamentos sobre algumas das determinações, houve uma profissionalização do setor. Faria lembra que, no Brasil, existiam duas mil operadoras na época do surgimento da ANS, hoje são, aproximadamente, 700 em atividade.

Na análise do superintendente-executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), José Cechin, o fechamento deixou claro o campo de arbitrariedade que existia na saúde suplementar. “Foram estabelecidas regras para guiarem as condutas. Ficou mais claro e impediu o florescimento de verdadeiros aventureiros nesse mercado, que abriam empresas para conseguir beneficiários e fechavam assim que as carências fossem cumpridas e os beneficiários se apresentassem para utilizar os serviços de assistência à Saúde. Foi preciso uniformizar parâmetros de atuação, como prazos de carência, constituição de reservas, regras para alteração de rede”, destaca Cechin.

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Com um sistema complexo e 500 ações normativas, a agência estabeleceu as diretrizes e os planos precisaram se estruturar para aprender a conviver e estabelecer o ambiente adequado, a fim de cumprir as exigências. Trazendo para a realidade das Singulares paranaenses, Londrina e Curitiba, as mais antigas no estado, por exemplo, já contavam com 29 anos de atuação e tiveram que rever tudo diante do rigor e das penalizações. “O início foi conturbado e a ANS foi rigorosa para que se corrigissem as questões necessárias, profissionalizando, assim, o setor. Avaliamos que algumas penalizações e impactos não foram adequados, porém, o setor é muito melhor hoje do que no início dos anos 2000. Avançamos na gestão, aumentou o respeito aos beneficiários e, no geral, houve mais celeridade para que, no patamar atual, exista maior qualificação, estabilidade financeira e perenidade para as operadoras”, faz o balanço o presidente da Federação Unimed Paraná.

Pontos de reflexão

Conforme pontua o presidente da Unimed do Brasil, a crescente judicialização impactou as operadoras de planos privados de assistência à saúde, uma vez que o sistema suplementar tem sido visto como principal responsável pelo atendimento do Direito Constitucional à saúde, que deveria ser um dever do Estado. “Sabemos, entretanto, que atualmente a saúde pública não consegue cumprir essa função junto à população. Dessa noção equivocada, surgem riscos à sustentabilidade do setor, como a elevação de custos assistenciais para garantia de coberturas previstas no rol taxativo de procedimentos da ANS”, destaca e reflete Pullin sobre os impactos gerados nessas duas últimas décadas.

Dr. Orestes Pullin
O presidente da Unimed do Brasil, Orestes Pullin, acredita que a ANS é crucial para que o setor de saúde caminhe rumo à sustentabilidade

Em sua visão, o próprio nome “saúde suplementar” indica que esse papel é complementar ao que deve ser ofertado pelo Estado, porém as operadoras são cada vez mais vistas como as responsáveis. “Por outro lado, a ANS tem seu valioso papel de orientadora de um setor que perde quando está muito fragmentado. Há iniciativas que realmente nos ajudam a melhorar continuamente a prestação de serviços, como o Programa de Qualificação de Operadoras e o Índice de Desempenho da Saúde Suplementar”, reforça o presidente da Unimed do Brasil, considerando que o órgão estimula a atualização constante das operadoras a fim de atenderem as normas publicadas.

A decisão de fiscalizar e normatizar a conduta dos agentes envolvidos no setor é alvo de questionamentos tanto pelas operadoras do setor quanto pelos consumidores e prestadores. Na avaliação de Cechin, em si, isso não é um sinal de atuação inadequada, ao contrário, pode ser um sinal de atuação isenta. “Se uma dessas partes exultasse com as regras por ela editadas, essas regras seriam, com toda a probabilidade, não balanceadas. Não há negócios se as regras favorecem demasiadamente um dos lados. Assim, as ações da ANS tendem a ser pautadas pela busca de equilíbrio do mercado, proteção da defesa da concorrência, da livre iniciativa. A defesa de um mercado sadio, estável e confiável é também a defesa dos interesses dos beneficiários”, reflete o superintendente do IESS, para quem fica como ponto de atenção para o órgão, ainda, a necessidade de promover mecanismos que evidenciem a transparência do trabalho realizado.

Rede integrada entre a ANS e as operadoras

Além dos pontos de vista profissional e gerencial, a criação da ANS tem como foco o suporte aos beneficiários, ao estabelecer diretrizes que valorizam o atendimento a esses clientes e consumidores. A ANS tem em seu site um fórum para que os contratantes dos planos possam manifestar suas opiniões sobre a prestação de serviços, complementando todo o trabalho que já é feito pelas Ouvidorias e demais áreas de relacionamento com os clientes das operadoras.

O superintendente executivo do IESS, José Cechin, apontou que o fechamento de muitos planos deixou claro o campo de arbitrariedade que existia na saúde suplementar

Assim, conectaram-se as pontas do processo para buscar uma solução eficiente em ambas as partes. “Por meio dessa relação integrada, todos – operadoras, órgão regulador e clientes – tendem a ganhar, se o diálogo, a transparência, a compreensão dos desafios, das realidades e os melhores critérios técnicos forem respeitados e levados em conta nas decisões”, observa Cechin.

Em um balanço final, o mercado, de forma geral, ganhou com mais segurança e confiança, sendo bom para os consumidores e para aqueles que se tornaram beneficiários de planos de saúde. “Ao adquirir um plano, os beneficiários conhecem seus direitos e deveres. Têm um canal para buscar esclarecimentos, exigir o cumprimento de seus direitos, enviar sugestões, entre outros. Além disso, têm assegurada sua cobertura assistencial, a definição das condições de acesso, por exemplo, com garantias assistenciais para a continuidade da prestação de serviços de assistência à saúde contratados!”, conclui o superintendente.

Para aprofundar

Livro disponível para download gratuito conta história dos 20 anos de atuação da ANS no Brasil

Lançado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) o livro ‘Saúde Suplementar: 20 Anos de Transformações e Desafios em um Setor de Evolução Contínua’ reúne mais de uma dezena de artigos de importantes pesquisadores nacionais sobre diferentes temas. Em específico, dois artigos abordam o papel da agência, são eles:

• “A ANS e o Papel da Saúde Suplementar na Proteção ao Direito Fundamental à Saúde”, de Paulo Roberto e Rodrigo Farias e;

• “O Rol de Procedimentos da ANS e seu Caráter Taxativo”, do Gustavo Binenbojm.

O livro está disponível para download gratuito no site do IESS, pelo acesso no seguinte link: https://www.iess.org.br/?p=publicacoes&id_tipo=24.

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Como destacou o superintendente executivo do IESS, José Cechin, a importância da criação da agência para o setor deve ser reforçada sem perder de vista a maior clareza e maturidade que o setor atingiu em mais de duas décadas e dos desafios do segmento.

Ainda, segundo Cechin, entre os pontos positivos da regulamentação estão a constituição de reservas e garantias, sempre necessárias em todos os negócios que cubram risco; a edição do rol de procedimentos de cobertura obrigatória, mas não necessariamente seu conteúdo, pois, muitas vezes, incorpora tecnologias sem a devida avaliação de seu impacto econômico-financeiro ou a capacidade de pagamentos dos compradores de planos; regras para funcionamento de operadoras e encerramento de atividades.

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